Desde
“2001: Uma Odisséia no Espaço”, nunca um filme como “Gravidade” (2013) do
mexicano Alfonso Cuarón, conseguiu representar tão bem a vastidão do espaço e
seu vazio obliterante. Indicado ao Oscar de filme, direção, atriz entre outras
categorias técnicas, o filme é elogiado pela crítica pela narrativa direta,
crua e de grande verossimilhança científica, diferente dos blockbusters
recentes, sempre envolvidos em complexas mitologias. Porém, por
trás das alucinantes sequências de destruição por detritos espaciais que obrigam a abortar a missão de reparos no telescópio Hubble, há um poderoso núcleo
místico-religioso que o próprio diretor admite em entrevistas: morte e
renascimento. Mas o filme vai mais além, ao simbolicamente aproximar a lei da
gravidade (o mais importante personagem do filme) com a Lei do Carma, atração
gravitacional com a reencarnação.
Você está solto no espaço a
375 milhas acima da Terra, o oxigênio está se esgotando, a comunicação foi
perdida, uma nuvem de restos catastróficos de satélites está voando na sua
direção a 32 mil km/h e não há nenhuma esperança de resgate. O que você faz? O
filme Gravidade dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón vai direto ao assunto:
sem introduções ou apresentações dos personagens, apenas uma legenda inicial
que nos informa que a vida no espaço é impossível. Corta para o exterior onde
sempre é noite, a não ser pela enorme nimbus azul-cinza da curvatura da Terra,
uma presença constante que representa a força literal da nossa casa: a atração
gravitacional, o grande inimigo e ao mesmo tempo aliado com o qual os
astronautas terão que lidar para sobreviver.
Uma equipe da NASA está em
um passeio espacial de rotina fazendo reparos e atualizando o sistema de
computadores do telescópio Hubble. A engenheira Dra Ryan Stone (Sandra Bullock)
é a especialista da missão responsável pelos reparos no telescópio enquanto
Matt Kowalski (George Clooney) é o experiente líder em sua última missão antes
da aposentadoria, coordenando os trabalhos e voando em torno do ônibus
espacial. Até que o inesperado acontece: do outro lado do planeta um míssil
russo destrói acidentalmente um satélite cujos destroços produz uma reação em
cadeia de destruições de outros satélites, criando uma mortal nuvem de
destroços.

Desde 2001, Uma Odisséia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, nenhum
filme conseguiu expressar tão claramente como em Gravidade o caráter absoluto do espaço – a vastidão impossível, o
vazio obliterante. A câmera de Alfonso Cuarón consegue colocar o espectador no
centro do mais inimaginável e extremo perigo – ficar à deriva no espaço.
Muitos críticos vêm
apontando que a grande virtude do filme é a sua narrativa crua, direta e realista
(o filme seguiria à risca as leis científicas da astrofísica e astronáutica – o
que desmente o astronauta brasileiro Marcos Pontes que trabalha na NASA – clique
aqui sobre isso). Algo que os blockbusters
atuais teriam perdido, por estarem sempre imersos em complexas mitologias como
em Avatar.
Esse blog acredita que a
verdadeira virtude de Gravidade não é o seu “realismo” ou crueza narrativa. Os
supostos “erros” científicos do filme apenas confirmariam que , ao contrário, a
virtude do filme estaria no plano do imaginário e da mitologia. Em entrevistas
o diretor mexicano confirma que a inspiração do argumento e roteiro veio “quase
tudo da religião” (veja “Gravity - Entrevista a Alfonso Cuarón: "Los
cineastas que trabajamos la fantasía estamos en eterna deuda con 'Avatar'" In: Sensacine).
Misticismo oriental
Em
dois momentos o filme faz alusões ao misticismo oriental: no primeiro quando
Kowalski está solto no espaço e, conformado com o seu destino fatal, fala para
a Dra. Ryan: “como é lindo ver o por do Sol no rio Ganges daqui de cima!”. E o
segundo quando a Dra. Ryan finalmente entra na salvadora estação espacial
chinesa e senta diante do painel para iniciar os procedimentos de reentrada na
atmosfera, vemos o plano em que a câmera enquadra uma pequena estátua de Buda
sobre uma saliência - veja foto abaixo.

Isso
fica evidente em dois momentos do filme: quando finalmente a Dra. Ryan consegue
entrar na câmera de vácuo da Estação Internacional após ficar à beira da morte
já sem oxigênio, ela retira sua roupa de astronauta e se coloca, flutuando, em
posição fetal. A câmera a enquadra em plano geral e a composição remete
explicitamente ao feto e o cordão umbilical; e o outro momento é a simbólica
sequência final onde a protagonista como que renasce, numa analogia entre a
água, líquido amniótico, nascimento e a reaprendizagem em manter-se em pé e
caminhar .
Lei da Gravidade e Reencarnação
Dentro
da tradição espiritualista e do misticismo oriental há um entrelaçamento
bioenergético entre a lei da gravidade, a lei do Carma e a reencarnação. Termo
sânscrito, Carma exprime o encadeamento das causas e efeitos, garantia da ordem
do Universo. A esse sentido cósmico, acrescenta-se uma significação ética: os
atos humanos estão ligados a suas consequências, e essas ocasionam situações
pelas quais os autores desses atos foram responsáveis.
Se
a Lua gravita em torno da Terra devido às condições de gravidade e velocidade
tangencial (as leis maiores), nossos atos e eventos menores como nascimento,
vida e morte de cada indivíduo estariam contidos nessas leis.
Por
exemplo, para espiritualistas e espíritas a volta ao mundo corporal, o processo
reencarnatório, estaria entrelaçado nessas leis maiores. Entidades desencarnadas
e viventes nos planos astrais se ressentem da força da gravidade terrestre, o
que ocasiona o fenômeno de atração das células astrais de seus corpos em
direção ao núcleo planetário. Haveria um arrastamento natural dessas entidades
para o útero materno. Milhares e milhares de reencarnações ocorreriam
automaticamente, decorrentes dessa irresistível atração gravitacional para os
processos de fertilização e renascimento – sobre isso leia PINHEIRO, Robson, Legião: um olhar sobre o reino das sombras.
São Paulo: Casa dos Espíritos, 2006.
O
Carma se refere às nossas intenções que, análogo à lei de ação e reação de
Newton, podem gerar bons e maus frutos. Palavras, pensamentos e atos criariam
fios de uma rede de fluidos astrais em trono de nós mesmos ou no próprio
ambiente que nos envolve. Culpa, ódio, ressentimento e uma série de
formas-pensamento criadas a partir de fluidos pesados que inexoravelmente são
atraídos pelas forças telúricas terrestres, criando o ciclo sucessivo de
reencarnações. No espiritismo, as regiões astrais conhecidas como Umbral são
constituídas por ambientes densos e instáveis, habitados por entidades cujos
sentimentos de revolta e culpa criam situações de verdadeiras reencarnações
compulsórias e inconscientes, por pura atração gravitação dos espíritos à
crosta. A inconsciência causaria diretamente o nosso próprio sofrimento – sobre
esse tema clique
aqui.
Mas
essas leis maiores não representariam um determinismo cósmico: a consciência
moral das intenções e ações (o “dharma”, virtude e realidade) criaria a
possibilidade de criar um sistema dinâmico, auto-ajustável no
qual existe um feedback constante de
acordo com a maneira com a qual nós aceitamos ou recusamos nossas experiências
a cada momento. Nossa reação e atitudes diante da experiência seriam mais
importantes do que a própria experiência.
Em
outras palavras, as sucessivas reencarnações deixariam de ser compulsórias para
se tornarem conscientes e planejadas e a lei da gravidade – a misteriosa força
que nos prende a esse planeta – seria utilizada como uma ferramenta e não mais
como destino.
O
filme “Gravidade” explora esse núcleo místico-religioso: mais do que uma
analogia sobre morte e renascimento, a narrativa apresenta como é possível a
fatalidade e destino criadas pelas grandes leis inexoráveis da natureza serem
trabalhadas ao nosso favor. A jornada da Dra. Ryan Stone em sua luta contra os
efeitos gravitacionais e a forma como habilmente transformou a própria lei
gravitacional em muitos momentos a seu favor, faz lembrar a gnose de Buzz Lightyear,
personagem da trilogia Toy Story onde chega a conclusão que não pode voar, mas
pode “cair com estilo”.
Ficha Técnica
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Título: Gravidade
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Diretor: Alfonso Cuarón
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Roteiro: Alfonso Cuarón, Jonas Cuarón
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Elenco: Sandra Bullock,
George Clooney, Ed Harris (voz)
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Podução: Warner Bros., Esperanto Filmoj
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Distribuição: Warner Bro.
Ano: 2013
País: EUA
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