domingo, setembro 19, 2010

O Sabor Gnóstico no Filme "Um Sonho Dentro de Um Sonho"

Embora o filme não aborde explicitamente temas gnósticos, "Um Sonho Dentro de Um Sonho" tem um "sabor gnóstico" ao adotar uma consciência auto-reflexiva não só da realidade como da própria linguagem cinematográfica. Ao fazer uma referência direta a um poema de Edgar Allan Poe, o filme se associa à tradição da "ironia romântica" que tematiza a angústia humana em ser prisioneiro da linguagem que não consegue apreender uma realidade que se perde no cruel fluxo do tempo.

Eric Wilson, em seu seminal livro sobre o “cinema gnóstico” “Secret Cinema: Gnostic Vision in Film” (onde defende o surgimento de um novo gênero cinematográfico, o “filme gnóstico"), classifica a presença do gnosticismo nos filmes em quatro categorias: os filmes propriamente gnósticos (filmes onde a cosmologia e teologia gnósticas são explícitas como em "Matrix" (Matrix, 1999) e Show de Truman (Truman Show, 1998), filmes Cabalísticos (onde a aspiração gnóstica por transcendência passa por robôs, próteses e servo-mecanismos – o filme "RoboCop" (RoboCop, 1987) seria um exemplo, filmes alquímicos (que descrevem como a vida emerge da morte, o espírito cresce a partir do corpo e a verdade surge a partir do caos – "Beleza Americana" (American Beauty, 1999), e "Homem Morto" (Dead Man, 1995) seriam exemplos dessa categoria.

Wilson fala também de filmes com “sabor gnóstico”, filmes que não abordam propriamente temas do gnosticismo, mas contêm o espírito ou a atitude gnóstica frente à realidade. Um questionamento, por assim dizer, metalinguístico frente o real: pode ser o real um plot dentro de um plot? Uma narrativa dentro de outra narrativa?

O Filme “Um Sonho Dentro de Um Sonho” (Slipstream, 2007), estrelado, dirigido e escrito por Anthony Hopkins certamente se enquadra nessa categoria. O título em português não poderia ter sido mais feliz. Retirado de uma das linhas de diálogo do filme, é uma referência a um poema de Edgar Allan Poe "Dream Within a Dream", escrito quando ele tinha 18 anos, em 1827.

Tal como a literatura do Romantismo do século XIX, os principais temas desse filme são a consciência “meta” da vida e da própria arte e a angústia diante do fluxo do tempo. Assim como no poema de Poe onde protagonista não consegue segurar a areia dourada que se esvai entre os dedos (“Oh Deus como segurar/o que não posso agarrar?/Oh Deus não posso salvar/Um grão desse cruel mar?).

Hopkins é Felix Bonhoeffer, um roteirista que, próximo da terceira idade, é contratado para reescrever um filme de mistério. Na verdade, tentar solucionar problemas de enredo decorrentes de eventos inesperados na produção do filme. Felix começa a viver em dois mundos distintos que, ao longo do filme vão se confundindo: o real (a produção do filme e a elaboração do roteiro) e a sua mente (referências imagéticas da sua vida se mesclando com os personagens do roteiro que tenta escrever).

Com inspiração nitidamente Linchyana (como Cidade dos Sonhos de David Lynch que metalinguisticamente trata dos meandros de Hollywood), Felix se defronta com matadores de aluguel, candidatas a atriz e produtores de cinema, tipos suspeitos que, ao longo da narrativa, transitam entre a realidade e o mundo paralelo criado pelo roteiro que tenta redigir.

O filme é um quebra-cabeças. Com uma edição frenética, há trocas constante de coloração das imagens (preto e branco, sépia, colorido), troca-se a ordem das cenas, erros propositais de continuidade, troca-se o autor das falas etc. Na primeira metade do filme o espectador fica totalmente perdido diante de uma aparente colagem aleatória de cenas. Parece um filme que ainda não foi editado (esse parece ser o propósito, já que se trata da produção de um filme que não termina).

A Ironia Romântica

Certa vez, o escritor e pesquisador Stephan Hoeller afirmou que todo artista sério já era, sem saber, meio gnóstico. A sobrevivência e os constantes "revivals" do gnosticismo certamente se devem a esse caráter parasitário de uma certa consciência ou atitude gnóstica diante da existência. Uma espécie de consciência meta. No caso da arte, a intrusão da figura do autor na obra literária, isto é, o caráter auto-reflexivo, a consciência de jogo na obra e sobre a obra. Essa é a característica principal do Romantismo: a “ironia”:
... A ironia romântica (...) não se esgota na mera interrupção do fluxo narrativo com o narrador dirigindo-se ao leitor. É, muito além disso, um recurso que se destina a fomentar uma constante discussão e reflexão sobre literatura – um processo do qual o leitor forçosamente participa. Essa participação é alcançada na medida em que o escritor destrói a ilusão de verossimilhança e desnuda o caráter ficcional da narrativa, chamando a atenção do leitor para como o texto foi construído.( VOLOBUEF, K. Frestas e Arestas. A prosa de ficção do romantismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Editora da UNESP, 1998, p.99.

Essa atitude ou consciência meta (auto-reflexiva) que vê tanto a realidade como a arte que tenta representar a realidade como "construct" (artificialismo), parece ser o tema dominante do filme “Um Sonho Dentro de Um Sonho”. Na medida em que o protagonista confunde o roteiro e todas as suas referência cinematográficas (como o clássico “Vampiro de Almas”) com a própria realidade (a produção de um filme), Felix, atônito, chega ao limite da auto-reflexão: será a vida um roteiro cinematográfico, onde, dentro dele, produzimos novos roteiro? Ou, ao contrário, produzimos roteiros para, artificialmente, representarmos uma realidade inatingível?

Essa é a angústia que perpassa não apenas o filme “Um Sonho Dentro de Um Sonho”, mas de todo o Romantismo do século XIX: a angústia de que perdemos uma relação plena com a realidade, uma desconfortável sensação de hiato entre homem/mundo, experiência/representação. O recurso da ironia literária (obras ficcionais com constantes auto-reflexões narrativas, trazendo incerteza tanto ao protagonista quanto ao leitor sobre qual o ponto de vista da estória que está sendo contada) é o reflexo de uma consciência gnóstica em relação à existência: a desconfiança de um artificialismo tanto da arte como da própria realidade que pretendemos representar.

O filme constantemente repete planos do protagonista atônito, olhos arregalados e boca aberta, impotente, vendo o fluxo dos acontecimentos, a edição frenética e a troca constante da voz narrativa. Felix tenta ao longo do filme, sem sucesso, entender ou capturar o fluxo do tempo. Angústia fundamental da arte: como uma representação estática pode apreender o fluxo do tempo? Tal como no poema de Poe, como segurar entre as mãos a areia dourada que cruelmente se esvai?

Das artes plásticas, passando pela fotografia e cinema, parece ser essa angústia fundamental que norteia as tecnologias das imagens. Porém, quando o cinema chega a sua maturidade artística e tecnológica, repete-se o mesmo fenômeno da literatura quando chegou ao seu ápice: a angústia da auto-reflexão, a consciência metalinguística das limitações da representação artística em apreender o fluxo do tempo e da realidade.

Mas essa consciência (ou INconsciência) gnóstica levanta uma suspeita mais profunda: e se esse próprio fluxo cruel do tempo for um artifício, um constructu no qual estamos aprisionados? Assim como Felix Bonhoeffer ou Edgar Allan Poe em seu poema, estaríamos presos nessa falha cósmica que é o fluxo do tempo?

Esse sabor gnóstico presente no filme “Um Sonho Dentro de Um Sonho”, esse encontro entre cinema e romantismo literário, faz-nos compreender o porquê da sobrevivência do questionamento gnóstico ao longo da história: para além dos questionamentos cosmológicos e teológicos feitos pelos seus pensadores, o Gnosticismo não consegue se limitar à bidimensionalidade do papel. Vai mais além, numa atitude constantemente renovada de ironia e auto-reflexão em relação à vida e à arte.

Abaixo, uma tradução livre do poema de Edgar Allan Poe:
"Um Sonho Dentro de Um Sonho"
Edgar Allan Poe

Receba este beijo na testa
E agora estou lhe deixando
Confessar-me é o desejo
Você não está errado
Meus dias foram um sonho
Contudo se a esperança fosse embora
Numa noite ou em um dia
Numa visão ou em nenhuma
Restaria algo?
Tudo que nós vemos
Tudo que parecemos
Não é mais que um sonho dentro de um sonho, sonho...

Eu estou entre o rugido de uma costa
De ondas atormentadas ao mar
E eu seguro entre as minhas mãos
Grãos da areia dourada
Oh, como elas rastejam
Dos meus dedos ao profundo
Quando eu soluço, quando eu soluço
Oh Deus, como segurar
o que não posso agarrar ?
Oh, Deus não posso salvar
um grão desse cruel mar ?
Isso é tudo que vemos
Tudo que parecemos
Não é mais que um sonho dentro de um sonho, sonho...
Sonho, Sonho, Sonho...
Trailer de "Um Sonho Dentro de Um Sonho (Slipstream, 2007)


Ficha Técnica:
  • Filme: Um Sonho Dentro de Um Sonho (Slipstream)
  • Direção: Anthony Hopkins
  • Roteiro: Anthony Hopkins
  • Elenco: Anthony Hopkins, Christian Slater, Jeffrey Tambor, John Turturro, Kevin McCarthy, Stella Arroyave
  • Produção/Distribuição: Strand Releasing
  • Ano: 2007
  • País: EUA
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sexta-feira, setembro 17, 2010

"Desconfie de Todos": A Sombra de um Arquétipo

O vídeo publicitário do chocolate Bis explora a sombra arquetípica do personagem picaresco: a paranóia. A virtude desse vídeo é apresentar a "paranoia institucionalizada" dos ambientes corporativos atuais. Mas também apresenta a dinâmica da Ad-Gnose: fixar o arquétipo para produzir identificação e, em seguida, confiná-lo numa representação regressiva da paranoia.

Em postagens anterioras (veja links abaixo) discutíamos o conceito de Ad-Gnose como uma nova fase em que entra a indústria de entretenimento em geral e a publicidade em particular. Como apontam todas as tendências (agenda tecnológica, temas das narrativas fílmicas desse início de século etc.), as estratégias publicitárias atuais estão para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias compulsivas ou impulsivas. Busca-se um nível mais profundo: o repertório da simbologia arquetípica da espécie humana. A fase “Este é o produto, agora compre-o!” foi deixada no passado para, em seu lugar, consolidar-se a prospecção dos simbolismos mais profundos da alma humana que procura apresentar o consumo como uma experiência espiritual, de autoconhecimento.

A Publicidade parece que assimilou todas as críticas feitas a ela ao longo da história (consumismo, superficialidade, frivolidade, materialismo etc.) e procura demonstrar que mudou, se espiritualizou e não vê mais o consumo como mero ato de aquisição, mas de enriquecimento espiritual.

É claro que o propósito da Ad-Gnose é discutível e irônico: buscar a experiência espiritual (a transcendência) numa troca econômica (imanência) que pressupõe todo um sistema econômico e político que se impõe como um princípio de realidade que confina as aspirações contidas nos arquétipos.

Um exemplo atual dessa dinâmica está no recente filme publicitário do chocolate Bis intitulado “Baia” (da Olgivy & Mather). Em um ambiente corporativo, onde cada funcionário (ou “colaborador” como eufemisticamente se diz no jargão corporativo atual) está na sua baia, o protagonista come o seu bis em silêncio, encolhido, com um olhar perdido de tédio e fastio. Um pequeno prazer individual num ambiente de rigoroso controle e vigilância coletivas.

As divisórias da sua baia vão cada vez mais se deslocando, estreitando o espaço do protagonista, na medida em que os chocolates bis misteriosamente desaparecem dos cantos da sua mesa. Contrariado, ele olha por cima das divisórias e vê seus vizinhos também comendo bis. Resignado, abre a sua gaveta para pegar outro bis de uma nova embalagem. No final, o slogan conclusivo: “desconfie de todos!”

Nesse caso temos a utilização do personagem arquetípico do Pícaro. O personagem picaresco é representado por um palhaço ou qualquer personagem cômico que carrega dentro de si o desejo de mudança da realidade. Tal qual um Dom Quixote, o pícaro luta contra os moinhos de vento da realidade, criando situações tragicômicas, principalmente porque muitas vezes onde ele vê dragões ou monstros mitológicos nada mais são do que velhos moinhos. Sua sombra é a paranoia.

O filme publicitário do chocolate Bis explora, portanto, o simbolismo arquetípico da Sombra do personagem picaresco: a paranoia. E os moinhos de ventos são os modernos ambientes corporativos das administrações flexíveis, cujas estruturas de cargos e funções mudam repentinamente de acordo com as mudanças dos ventos da economia globalizada.

Gestão do Medo

Como alguém já observou, a administração corporativa do capitalismo globalizado pode ser definida como a “gestão do medo”.

Richard Sennett já observou que no novo capitalismo a cadeia e os elos da produção estão cada vez mais flexíveis, voltados para metas de curto prazo. Em termos sociais e de relações humanas isso altera a função do trabalho em conjunto. Sennet faz uma analogia da nova organização com o toca MP3: enquanto um aparelho de MP3 pode ser programado para tocar apenas algumas faixas de seu repertório, a organização flexível pode desempenhar a qualquer momento algumas das suas possíveis funções. A consequência é a exigência por parte da organização por uma predisposição mental capaz de adaptar-se a contínuas mudanças, sempre partindo do zero.

Como demonstram as sucessivas novas ondas em gestão e administração, os aspectos objetivos de avaliação (técnico-profissionais) são colocados em segundo plano. O mais importante é a “inteligência emocional”, potencialidade e capacidade de adaptação. Para Sennett esses critérios subjetivos e sujeitos a constantes mudanças e valorações tornam a organização ambígua e misteriosa para o indivíduo:
“Isso dá a entender que as relações humanas abertas são mais importantes nas organizações flexíveis (...) nas estruturas fluidas, a sensibilidade substitui o dever. (...) a organização flexível deixa claro por que a conscientização recíproca vem a ser impregnada de ansiedade e, com demasiada frequência, paranoia institucionalizada” (SENNETT, Richard. A Cultura do Novo Capitalismo. São Paulo: Record, 2006, p. 52)

Sem os critérios objetivos da antiga meritocracia, a necessidade sempre renovada de adaptação e de entender a pragmática das relações interpessoais cria uma progressiva atmosfera de ansiedade e medo. A própria arquitetura dos ambientes corporativos torna-se móvel, flexível (baias, divisórias etc), para adaptar-se aos repentinos desaparecimentos e criação de novos cargos e funções. A ansiedade e medo gerado por essa atmosfera móvel, fluída e,ao mesmo tempo, viscosa, vai produzir a forma mais acabada de reação do indivíduo: a paranoia.

O momento de verdade da paranoia: o arquétipo

A paranoia tem o seu momento de verdade. Como falha da razão, resulta da percepção do absoluto non sense da realidade, ansiando pela mudança. O arquétipo do Pícaro ou do personagem tragicômico simboliza essa gnóstica percepção de que, no final, a realidade não tem sentido: a lógica do sistema se volta contra ele próprio e os efeitos coleterais explodem no protagonista aturdido, pego em situações cômicas e irônicas.

Mas esse momento arquetípico da paranoia pode se transformar em algo regressivo, aprisionando esse momento de verdade na lógica absurda do sistema que o produziu. A paranóia pode se transformar na “tirania da unificação ou a maldição do Um”
(QUINTAES, Marcus.” Hilman Revendo Hilman: Polêmica e Paranoia” disponível em http://www.jungianstudies.org/publications/papers/quintaesm3.pdf).

A realidade (posta anteriormente em suspeita pela paranoia) passa, então, a se unificar e é introjetada pelo indivíduo: como resultado todo o sistema passa a ser visto como um gigantesco complô contra o protagonista. Desconfia de que cada pessoa próxima, cada situação ou cada evento seja parte de uma gigantesca engrenagem que se movimenta para destruí-lo.

A Sombra no sentido Junguiano, representada aqui pela paranoia, é um importante elemento para a individuação (diferente da estrita concepção narcísica de paranóia – a idéia de que o sujeito tem de que o mundo está focado em uma perseguição contra si próprio) ao fazer o sujeito questionar o princípio de realidade. Ao contrário, a regressão da paranóia na introjeção destrói a aspiração arquetípica por mudança, produzindo confomismo, resignação e, mais tarde, ressentimento, ódio e vingança. Se na paranóia arquetípica a racionalidade do real é questionada, na introjeção paranoica temos, ao contrário, o delírio da racionalidade com a imagem de uma maquinação precisa que quer destruir o sujeito.

O filme publicitário do chocolate Bis é emblemático por três razões: primeiro, por representar tão bem os ambientes corporativos atuais fluidos, móveis dispostos em baias com pessoas entediadas. Segundo, ao representar a “paranoia institucionalizada” desses novos ambientes corporativos; e, terceiro, por apresentar o dinamismo da Ad-Gnose: o confinamento do arquétipo. O filme atrai a identificação do espectador ao apresentar esse momento de verdade, mas, ao mesmo tempo, regride o arquétipo ao reduzir a paranoia à “tirania da unificação”.

Um contraponto dessa utilização regressiva da paranoia pode ser visto em “Brazil, o filme” (Brazil, The Movie, 1985) de Terry Gilliam. Nele, vemos uma sequência que lembra muito o filme publicitário do chocolate Bis (veja essa sequência abaixo). Diferente do vídeo publicitário, Gilliam apresenta a paranoia em traços épicos e gnósticos. O protagonista Picaresco, tal qual como Dom Quixote, enfrenta monstros imaginários, fruto da sua paranoia. Mas, aos poucos, vai descobrindo a absoluta ausência de sentido num mundo dominado pela burocracia total. A paranoia vira instrumento de mudança e libertação.

Ao contrário, na Ad-Gnose do vídeo do Bis, o momento de verdade do arquétipo é fixado para produzir identificação e familiaridade (“é igual na empresa onde trabalho!”) para, em seguida, confiná-lo no slogan regressivo que introjeta a realidade que queria questionar: “Desconfie de Todos!”



Brazil, O Filme (1985)



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sábado, setembro 11, 2010

Sophia Prisioneira das Neurociências na HQ On Line de "O Prisioneiro"

Após os seis episódios, o canal de TV norte-americano AMC dá continuidade ao remake da série "O Prisioneiro", agora através de uma HQ on line no site da própria emissora. Nessa continuação é explicitado o papel das neurociências na radical terapia psicológica criada pela corporação Summakor e aprofundado ainda mais o simbolismo gnóstico de Sophia (na tradição gnóstica o aspecto feminino de Deus e a fagulha de Luz espiritual presente na alma humana).

O canal de TV norte-americano AMC lançou no final do ano passado uma continuação da série "O Prisioneiro" (remake da cultuada série dos anos 60). A novidade é que a continuação foi através de uma história em quadrinhos on line, apresentada no site da emissora e dividida em 10 capítulos (clique aqui para acompanhar os capítulos da HQ de "O Prisioneiro").

Nessa continuação vemos uma nova personagem, Rebeca Meadows, que busca pela sua irmã desaparecida e com sérios distúrbios comportamentais agravados por uma crescente esquizofrenia. Ao saber que em Nova York uma empresa chamada Summakor desenvolvia uma inédita e radical técnica de tratamento para distúrbios psicológicos, Rebeca leva sua irmã para lá. Com o tratamento em andamento, ela torna-se cada vez mais distante da família até desaparecer. Rebeca parte, então, para a investigação que a levará para dentro da Vila – espécie de alucinação consensual produzida pela mente de seus habitantes, criada pelos cientistas da Summakor como técnica de tratamento de paciente que sofrem severos distúrbios psicológicos.

Se na série original da TV britânica dos anos 60, o propósito dessa Vila é ambíguo, aqui na adaptação da AMC tudo é explícito. A Vila é uma cidade misteriosa onde as pessoas têm números ao invés de nomes, sob a liderança de um homem conhecido apenas como Dois. Os habitantes levam uma vida idílica norteada por valores positivos e motivacionais, equanto permanecem inconscientes do mundo exterior. Os cientistas da corporação Summakor pensaram que poderiam curar pessoas transpondo seus inconscientes em um ambiente virtual positivo.

Se na adaptação levada ao ar pelo canal AMC fica confusa a relação entre os habitantes da Vila e o mundo real, na HQ tudo é colocado de forma didática no início: a Vila foi criada realmente a partir do inconsciente dos seus habitantes. Todos levam uma vida dupla: enquanto seus “eus” conscientes habitam o mundo real, simultaneamente seus “eus” inconscientes vivem o cotidiano bucólico da Vila. Enquanto as pessoas habitam o mundo real, seus “eus” inconscientes estão sendo “consertados” na Vila através de uma agenda de valores “positivos” levada a cabo pelo líder Dois.

Nas últimas postagens nesse blog temos insistidos nessa mutação do argumento dos filmes gnósticos nesse início de novo século. Se no final do século XX, filmes como Matrix e Show de Truman levam o argumento gnóstico (mundos artificiais criado por um Demiurgo para aprisionar o homem) para ambientes tecnologicamente criados (ciberespaço, estúdios de TV etc.), nesses últimos anos esses mundos são introjetados para o interior da mente humana. O protagonista se descobre aprisionado em seu próprio ambiente onírico, manipulado por um Demiurgo (corporações ou cientistas free-lancers). Isso fica claro na sequência de filmes que se iniciam com Vanilla Sky, passando por “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “A Passagem” e terminando no recente “A Origem”.

Isso corresponde a uma agenda tecnognóstica que subjaz todo o desenvolvimento das neurociências (Programação Neurolinguística, Memética, Psiquiatria, Engenharia do Cérebro, Cibernética) e dos seus subprodutos (literatura de auto-ajuda e auto-conhecimento, Cientologia, Neuromarketing e toda uma gama de técnicas motivacionais). O propósito mais profundo de todas essas disciplinas não é mais apenas comportamental ou subliminar. É ir além: fazer uma cartografia e topografia da mente humana para, através de um mapeamento extensivo, exercer o controle social. É a “engenharia social” sugerida pela corporação Summakor em “O Prisioneiro”.

Tal como na mitologia gnóstica, toda essa engenharia social induz o indivíduo ao “sono do esquecimento”: na Vila o Eu inconsciente desperta sem lembranças, passado ou problemas. Página em branco, pronto para ser reescrito. O inconsciente freudiano cheio de culpas e traumas é substituído por outro: infantil, idílico, puro e imaculado, tal como um disco rígido de computador reformatado. Deletar e Re-iniciar! É o lema das neurociências tecnognósticas desse início de século. Eliminar todo o entulho mental que dificulta a eficácia e retidão que a engenharia social (por meio das mídias, religião, ciência e governo) planifica para esse século.

O simbolismo de Sophia

Tanto na série televisiva quando na HQ on line o que chama a atenção é a explícita utilização do simbolismo gnóstico de Sophia.

Na mitologia gnóstica, Sophia (na tradição gnóstica simboliza simultaneamente o aspecto feminino de Deus e a alma humana) foi um “aeon” que foi a responsável pela transição do imaterial para o material, do numenal ao sensível, causado por uma falha – uma paixão que produziu um filho ( o Demiurgo, Yaldabaoth, o “filho do caos”). Sophia decai no mundo material conseguindo infundir alguma fagulha espiritual no cosmos físico produzido pelo Demiurgo. Inconsciente da existência de Sophia, o Demiurgo acredita ser a única divindade existente e que o mundo físico existe apenas pela sua vontade. Porém, sua criação não passa de formas etérias vazias. O dinamismo, vitalidade e sentido é dado pela luz espiritual infundida por Sophia nesse cosmos.

Sophia consegue ascender de volta ao Pleroma. Porém, observa os homens (inconscientemente portadores dessa fagulha de Luz) e deseja que eles alcancem a gnose, se libertem do mundo físico e alcancem o mundo espiritual.

Em “O Prisioneiro” a existência da alucinação consensual da Vila somente é possível com a “Sonhadora”, chamada de M2, esposa de Dois. Por meio de um coquetel de drogas, ela é induzida ao sonho que cria a estrutura onírica da Vila. O paralelismo com a mitologia gnóstica é evidente: as drogas aprisionam Sophia aos desígnios do Demiurgo/Dois/Summakor.

Na HQ on line o simbolismo de Sophia ganha uma nova dimensão, aproximando o paralelismo com o Gnosticismo: Rebeca Meadow vai à Nova York/Summakor/Vila (o cosmos físico) em busca de sua irmã (a humanidade) que cai sob o sono do esquecimento do mundo físico (A Vila) ao qual todos estão condenados, esquecendo da fagulha espiritual (a memória deletada do inconsciente).

E para reforçar ainda mais o simbolismo gnóstico, a irmã desaparecida de Rebeca sofre de esquizofrenia. Para filósofos gnósticos como Mani (viveu no Irã no século III DC), a paranóia (o outro lado da cisão esquizofrênica) é um estado alterado de consciência que criaria condições para a gnose.

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segunda-feira, setembro 06, 2010

Remake de "O Prisioneiro" adapta-se à Agenda Tecnognóstica

O canal AMC nos EUA fez um remake da cultuada série britânica dos anos 60 "O Prisioneiro". Sinal dos tempos: se naquela época a série refletiu o clima dos tempos da Guerra Fria e das distopias como "1984", o remake atual apresenta os sintomas do neo-liberalismo e da utopia tecnognóstica por meio da privatização do controle social e das técnicas das neurociências que pretendem mapear e fazer uma cartografia da mente. Atenção: essa postagem possui spoilers.

Há 40 anos estreava uma série transmitida pela televisão britânica que combinava espionagem, ficção científica e drama psicológico. A cultuada série “O Prisioneiro” contava a estória de um homem que, após entregar uma carta de renúncia ao que seria um alto cargo no serviço secreto do governo britânico em plena Guerra Fria, é seguido até sua casa. Através do buraco da fechadura é introduzido um gás branco que o faz dormir. Ao acordar, está em outro lugar, uma vila litorânea, cheia de gente feliz desfrutando uma vida repleta de atividades recreativas. Logo descobrirá que é uma prisão onde ninguém tem nome, apenas números. O seu é número seis.

No ano passado o canal AMC (American Movie Classics) nos EUA fez um remake dessa série, ironicamente em seis episódios. Se “O Prisioneiro” dos anos 60 apresentava a atmosfera das distopias de pós-guerra como "1984" de George Orwell ou "Farenheit 451" de Ray Bradbury (Governos totalitários e estados policiais vigiando, controlando e punindo o indivíduo que transgride sistemas, aqui a série sofreu duas importantes adaptações aos novos tempos:

Primeiro, não temos mais um sistema de controle estatal. Todo o controle e dominação foi privatizado e está a cargo de uma empresa de mineração de dados chamada Summakor. Um novaiorquino chamado Michael (James Caviezel) pede demissão dessa empresa de uma forma ostensiva e desafiadora (como vemos nas imagens dos créditos iniciais, onde aparece o protagonista pichando “Resign” numa divisória de vidro do escritório, para escândalo dos funcionários). Logo depois, ele acorda num deserto, sem saber como veio parar ali. Ele é levado para um lugar chamado A Vila onde ninguém tem nomes, apenas números, e todos o chamam por Seis, como se lá morasse há muito tempo. Aos poucos descobre que possui um irmão e que trabalha como motorista de ônibus turístico. Micheal vê-se numa situação surreal, pois se lembra de quem era em Nova York.

Número Dois (o governador daquele lugar - Ian McKellen), diz para ele que A Vila é a única realidade e que para além dos seus limites nada existe, a não ser o deserto. Portanto, a missão de Michael é encontrar uma saída para retornar a sua vida em Nova York. A Vila possui uma atmosfera que lembra muito O Show de Truman: tudo é a-histórico (a arquitetura das casas, o design dos automóveis, as roupas dos habitantes etc). Um enorme pastiche de estilos de épocas diferentes criando um conjunto lógico a-temporal.

Segundo: ao contrário da série original, essa adaptação apresenta uma explicação final sobre o propósito da Vila e o porquê de Micheal ter parado lá. Após os seis episódios com muitos flash backs da última noite de Micheal, em seu apartamento em Nova York na companhia da enigmática Lucy, colega de trabalho na Summakor, chegamos à revelação ensaiada ao longo da série: Summakor não era apenas uma empresa de mineração de dados: mais do que isso, uma gigantesca empresa de engenharia social. A Vila fazia parte de uma experiência de tecnologia de controle social.

A agenda Tecnognóstica

A adaptação de 2009 de “O Prisioneiro” encaixa-se claramente na agenda tecnológica desse início de século. Se na era da Guerra Fria o grande tema era discussão sobre estados totalitários que esmagavam a liberdade individual (herança dos estados nazistas e stalinistas), agora a agenda se concentra nas tecnologias do espírito (neurociências, neuromarketing, neurolinguística, memética etc.) e na aplicação sócio-política dessas pesquisas puras: a engenharia social.

Em postagens anterioras vimos que essa agenda vem influenciando os argumentos e roteiros de filmes como “A Origem”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Vanilla Sky”: narrativas que dramatizam as novas experiências de controle social a partir do mapeamento da mente, onde a vida mental é representada por uma cartografia e topografia, revelando mundos imaginários dentro dos quais se encontram personagens que tentam manipulá-los.

“O Prisioneiro” de 2009 claramente se sintoniza com essa tendência: A Vila é mais um desses lugares imaginários, uma cartografia da vida mental feita pela Summakor para “consertar pessoas quebradas” como fala o personagem Dois. A partir da indução por drogas pesadas, a Vila é a construção de uma “alucinação consensual” (definição que o escritor William Gibson deu para o ciberespaço) para onde são enviados os egos de pessoas disfuncionais à ordem social (paranoicas, violentas, deprimidas etc.). Lá vivem numa vila em tons pastéis dentro de uma rotina idílica, simples e inocente.

Michael se insurge contra a Summakor (“nenhuma dessas pessoas pediram para ser consertadas”, diz indignado para número Dois). Ele é mais uma das “pessoas quebradas”, um funcionário insurgente da mega empresa que vigia a todos na busca de comportamentos disfuncionais que necessitem ser enviados à Vila para serem “consertados”.

Simbolismos Gnósticos

Paranóia, pessoas que despertam em mundos paralelos, demiurgos que criam e mantém lugares que aprisionam pessoas que perderam suas memórias. “O Prisioneiro” trabalha com temas clássicos do filme gnóstico. Porém, dois temas da simbologia gnóstica são explorados em profundidade: o papel da mulher (a personagem mítica de Sophia) e a representação distópica da reencarnação (representada pela existência da Vila).

Toda a infra-estrutura da “alucinação consensual” da Vila é criada a partir do material psíquico de M2, esposa de Dois, governador, demiurgo e, na vida real, neurocientista. Junto com sua esposa (ambos formados no MIT – Massachusetts Institute of Technology) criaram a engenharia social da Summakor. Tal como na simbologia gnóstica, Sophia dá vida ao mundo criado por formas etérias e vazias do Demiurgo. Aprisionada nesse cosmos material, a ascensão de Sophia para as dimensões elevadas deverá ser o caminho pelo qual o homem deverá também trilhar (a gnose).

A Vila em “O Prisioneiro” é o próprio simbolismo da natureza regressiva e aprisionadora da reencarnação para o Gnosticismo. Os egos das pessoas “quebradas” chegam à Vila sem lembranças de sua vida “terrena” (com exceção de Michael, que fará de tudo para escapar). Essa é a condição inicial para o tratamento: assim como na reencarnação onde sempre somos condenados a partir do zero, esquecendo-se das outras existências, os habitantes da Vila deletam suas existências e problemas psíquicos para viverem uma vida conformista de uma típica cidade interiorana. Para a engenharia social da Summakor (e para o Demiurgo na mitologia gnóstica) essa é a terapia ideal para, a partir do esquecimento, realizar o eterno retorno da existência na prisão do cosmos material.

Embora a adaptação do canal AMC de “O Prisioneiro” se insira nessa agenda tecnognóstica atual, seu viés é bem mais crítico. Ao contrário de “A Origem” de Christopher Nolan que faz uma apologia das neurociências ao apresentar a heroica luta do protagonista contra as projeções do seu próprio subconsciente, em “O Prisioneiro” o amargo e irônico final nos faz lembrar a máxima de Stephen King no livro “A Tempestade do Século”: “O inferno é a repetição”.

Créditos
  • Série: O Prisioneiro
  • Direção: Nick Hurran
  • Roteiro/adaptação: Bill Galagher
  • Elenco: James Caviezel, Hayley Atwell, Ruth Wilson, Ian McKellen
  • Produção: Granada Internacional, ITV Productions
  • Distribuição: AMC (American Movie Classics)
  • País: EUA
  • Ano: 2009

Trailer de "O Prisioneiro"



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sexta-feira, setembro 03, 2010

Drogas, Discoteca e 3D: a materialização pop do místico e do sagrado

Dos primeiros espaços sensoriais multimídia das discotecas dos anos 70 ao cinema 3D da atualidade, acompanhamos a materialização neo-platônica de toda uma dimensão metafísica mística e sagrada: a materialização de todos os simbolismos arquetípicos da espécie diante dos nossos sentidos por meio da convergência das mídias para as tecnologias digitais. Qual o destino da milenar aspiração mística e religiosa por transcendência num ambiente altamente tecnologizado sob o controle de grandes corporações?


Em uma aula da disciplina Comunicação Visual na Universidade Anhembi Morumbi discutia com meus alunos as referências visuais de cada década. Em relação aos anos 70, apresentava as referências visuais da Disco Music: moda, comportamento e, principalmente, os espaços multi-sensorias que eram as discotecas. Luzes estroboscópicas, pistas de dança com luzes em movimento criando formas geométricas randômicas, gelo seco etc. Em termos de comportamento, sabemos que, ao longo das décadas as drogas acompanham cada tendência dentro da cultura pop. Na era da Disco Music acompanhamos a decadência das drogas lisérgicas e a ascensão das drogas "speed" como a cocaína. Diante de tanto estímulo sensorial, o importante era ficar ligado e dançar a noite inteira.

Um aluno levantou uma consideração importante: em ambientes como a discoteca já não eram mais necessárias as drogas lisérgica: os aparatos multisensorias já reproduziam os efeitos das viagens dos ácidos. Portanto, o mais importante era se manter ligado para estender a “viagem” promovida pela tecnologias sensoriais.

Essa talvez seja a questão crucial para entendermos o porquê da decadência das drogas lisérgicas e a ascensão das drogas “speed” (da cocaína ao ecstasy) que acompanhou as sucessivas tendências em moda e comportamento das últimas décadas. E mais do que isso. Nesta questão está embutida outra: se no estado alterado de consciência do lisérgico já estava presente a possibilidade de experiências místicas ou religiosas, será que a motivação secreta das tecnologias sensoriais e multimídia não seria a da materialização dessa possibilidade de uma forma mercantilizada e controlada? Em outras palavras: a virtualização das experiências místicas e religiosas através de uma catarse tecnológica multimídia.

No final de sua vida o neurocientista norte-americano Thimoty Leary (considerado o guru do LSD nos anos 60) já acreditava que os softwares dos computadores iriam substituir o LSD como meio indutor a estados alterados de consciência. Para ele, a televirtualidade era a palavra chave: com capacete e luvas de velcro, “smart drugs” na cabeça e programas que convertam na tela as ideias presentes no cérebro teríamos a libertação psíquica onde cada indivíduo criaria sua própria realidade.

Não é mera coincidência acompanharmos o crescimento das smart drugs paralelo ao desenvolvimento das tecnologias computacionais e virtuais, dos espaços multisensoriais de entretenimento (das danceterias habituais às raves) e da música eletrônica cujos artistas fazem constantes associações entre o som, transe e esoterismo new age.

Essa parece ser a essência da tecnognose: por meio do desenvolvimento de uma tecnologia que busca aprimorar a derradeira interface (as conexões entre as redes neuronais e redes eletrônicas), criar uma espécie de atalho para a aspiração sagrada por transcendência. Sob o pretexto de que as tecnologias oferecem um canal mais “limpo” e menos “químico” do que as drogas lisérgicas, a tecnognose cria as condições para o solipsismo (onde cada indivíduo cria seu próprio horizonte narcísico de experiências) e, ao mesmo tempo, favorece o controle por meio de sistemas de vigilância.

Materialidade das Imagens

Todas as tecnologias de produção de imagens, do cinema ao audiovisual, irão acompanhar esse movimento de materialização da experiência do místico e do sagrado. Por exemplo, no cinema acompanhamos uma profunda alteração no próprio dispositivo cinematográfico.

Com a evolução dos recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.), hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os mitos, sonhos e fantasias.

Recursos tecnológicos aprimorados como o 3D ajudam a materializar todo um universo arquetípico do nosso inconsciente coletivo. Se no passado, era necessário a ascese, a disciplina da meditação, o domínio de técnicas e filosofias herméticas ou a indução a experiências místicas por meio de drogas pesadas, agora tudo o que buscávamos por meio desses instrumentos se materializa diante de nossos olhos numa tela.

Enquanto nossos corpos jazem inertes na poltrona confortável de um multiplex, nossos olhos veem a materialização das nossas aspirações arquetípicas.

Portanto, qual o destino de toda a dimensão metafísica do sagrado e da transcendência num contexto tecnológico multimídia? Se testemunhamos uma era neo-platônica onde toda a metafísica se materializa não só para nossos olhos, mas, cinestesicamente, para todos os sentidos, qual o destino da experiência do místico e do sagrado?

Toda a euforia de Thimoty Leary, que via nas tecnologias computacionais uma estrada de libertação psíquica, o fazia desprezar um importante detalhe: as grandes corporações que, afinal, detém o monopólio tecnológico do desenvolvimento e fabricação dos softwares e hardwares.

Se o futuro do cinema aponta para o fim do próprio suporte (a película) substituído por arquivos digitais transmitidos em streaming para as salas de projeção (realizando a convergência de todas as mídias às tecnologias computacionais), temos, então, a perigosa tendência da concentração midiática em poucos gigantes corporativos.

Na medida em que todo o material simbólico arquetípico (sonhos ou aspirações por transcendência da espécie) for materializado para fins de pura catarse ou entretenimento a transcendência se perderá na imanência: o controle político e social das grandes corporações. Ou, colocado de outra forma: se as drogas pesadas e lisérgicas podiam produzir não a transcendência ou iluminação, mas a dependência e auto-destruição, da mesma forma a materialização das imagens pode criar uma progressiva dependência viciosa de formas de entretenimento patrocinadas por um sistema sócio-político que a própria motivação mística e sagrada procurava transcender.

quinta-feira, agosto 26, 2010

O Gnosticismo Alquímico de Nikola Tesla

Em O Grande Truque (The Prestige, 2006), Christopher Nolan rende homenagem ao misterioso e controvertido cientista Nikola Tesla com uma performance memorável do gnóstico pop David Bowie. Tesla talvez tenha sido o último dos cientistas alquímicos, cuja tecno-utopia era redimir a matéria ao criar uma tecnologia fundamentada em princípios holísticos e alquímicos que conduziria a uma forma de energia livre e gratuita para a humanidade. Pagou o preço disso ao ter seu nome banido da história da Física e morrido no esquecimento.

Em postagem anterior sobre o filme “A Origem”, falávamos da surpresa de o diretor Chistopher Nolan , após filmes críticos e com sabor gnóstico como “Amnésia” e “O Grande Truque”, cair sob o fascínio das neurociências. Discutíamos que o protagonista Cobb não está interessado em iluminação ou qualquer tipo de reforma íntima.

Ele apenas procura deletar sua culpa, materializada nas insistentes projeções do seu subconsciente que atrapalham a sua missão corporativa e pessoal (voltar para seus filhos). Daí a surpreendente postura acrítica de Nolan diante das tecnociências contemporâneas.

Essa discussão fez-me lembrar de outro filme dirigido por Christopher Nolan, “O Grande Truque” (The Prestige, 2006) e, principalmente, do personagem histórico e misterioso cientista e físico Nikola Tesla, performado pelo gnóstico pop David Bowie nesse filme.

A figura controvertida e polêmica de Tesla é lembrada por um grande arco de discussões que vai desde as Teorias Conspiratórias (as aplicações militares das suas invenções e experiências pelo governo dos EUA e sua misteriosa morte quando seu arquivo com suas anotações e projetos estranhamente desapareceram) até as discussões sobre as possíveis relações entre tecnologia e motivações místicas (no auge da sua carreira, Tesla começou a lidar com noções teosóficas da ciência védica).

Mas, acompanhar sua trajetória (muitos afirmam que suas descobertas teriam sido mais importantes que as de Einstein) é perceber o desparecimento de um tipo de concepção da ciência e tecnologia de cunho alquímico, que progressivamente, no século XX, deu lugar à tecnognose cabalística, identificada com códigos de controle e exclusão.

Uma Física Alquímica
“Através do século XIX, símbolos e práticas em torno da eletricidade mantiveram acesa a chama da velha Alquimia. O vitalismo elétrico e os transes magnéticos mantiveram vivo o espírito do animismo em plena era do mecanismo. Comunicação elétrica, a fotográfica captura das ondas de luz, e a descoberta do espectro eletromagnético ajudaram a dissolver o mundo do materialismo atomista no interior de um universo de vibrações incorpóreas. Mas a eletricidade e o espectro eletromagnético também materializaram a mais prometéica e tecno-utópica dimensão da mentalidade alquímica.”(DAVIS, Erik. Techgnosis. London: Serpents Tail, 2004, p. 84.

Em pleno século do paradigma do mecanismo, a descoberta dos fenômenos da eletricidade e do eletromagnetismo acenderam a imaginação científica prometéica e alquímica. Esses fenômenos de natureza etéria e imprevisível ameaçaram quebrar o paradigma cabalístico da ciência mecanicista, marcada pelas ideias de confinamento, especialização, abstração, controle e segregação. Em outras palavras, uma certa visão de que a matéria seria algo disforme, necessitando de uma codificação abstrata fornecida pela ciência (números, cálculos etc.) para criar ordem, hierarquia, direcionamento, tudo sob o controle de uma elite esclarecida.

O sérvio Nikola Tesla (nascido em 1856 na Croácia) talvez tenha sido o mais prometéico dos cientistas que lidaram com esses fenômenos que fascinaram a imaginação popular na virada de século. Tesla chegou à América em 1884, sem um tostão no bolso e com uma ideia na cabeça: duas bobinas, posicionadas em ângulo reto e alimentadas com uma corrente alternada com noventa graus de fase entre sí fazendo um campo magnético girar, sem a necessidade do comutador utilizado em motores de corrente contínua. Era a descoberta da Corrente Alternada (AC), superior tecnologicamente a Corrente Contínua de Thomas Edison. A vantagem era a possibilidade de transportar a eletricidade a longas distâncias.

Na verdade, essa “ideia” de Tesla surgiu como uma imagem completa na sua cabeça na juventude. Tesla era avesso a papéis e arquivos, evitava-os o máximo possível. Seu raciocínio científico era analógico e intuitivo. Era contrário aos métodos dedutivos ou indutivos: "No momento em que uma pessoa constrói um aparelho para levar a cabo uma idéia crua, ela se encontra inevitavelmente envolvida com os detalhes deste aparelho", Tesla escreveu em sua autobiografia. "Conforme ele procede em tentar melhorar e reconstruir o aparelho, sua força de concentração diminui e ele perde de vista o Grande Propósito".

Esse ponto de partida alquímico estruturou toda sua visão sobre o propósito da ciência e tecnologia. Da ideia da AC, Tesla partiu para intensas pesquisas no laboratório de Colorado Springs, financiado por George Westinghouse. Mas Tesla queria ir além dos interesses econômicos monopolistas dos seus financiadores. Ele vislumbrava não mais a eletricidade confinada em fios e ordenada por sistemas de distribuição, mas livre para todos, a eletricidade sem fios, transmitida por ressonância através da atmosfera e do próprio planeta! Energia de graça para todos!

Ressonância e mutação. Dois princípios analógicos, alquímicos. Uma pequena quantidade de energia seria capaz de exponencialmente expandir em escala e frequência, ampliando a potência até cobrir toda a atmosfera e atravessar todo o planeta. Tesla tinha em seu poder a pedra filosofal: uma energia poderosa a partir de princípios holísticos simples, assim como era simples a “bobina Tesla”, simples o bastante para qualquer interessado construir, e totalmente funcional em modelos caseiros. Uma inovação impressionante, que foi a base para o rádio, televisão, e meios modernos de comunicação sem fio.

A Maior Descarga Elétrica da História

O relato da experiência em ressonância com eletricidade posta em prática em uma noite em Colorado Springs, em 1899, é impressionante:
“Certa noite em 1899, Tesla acionou sua máquina em força total, na esperança de produzir um fenômeno que ele chamou de "crescente ressonante". Sua torre descarregou na Terra dez milhões de volts. A corrente atravessou o planeta na velocidade da luz, forte o bastante para não morrer antes do final. Quando ela chegou ao lado oposto do planeta, ela foi rebatida de volta, como círculos de água voltando à sua origem. Ao voltarem, a corrente estava em muito enfraquecida, mas Tesla estava emitindo uma série de pulsos que se reforçavam um ao outro, resultando em um tremendo efeito cumulativo.
No ponto focal, aonde Tesla e seus assistentes assistiam, a crescente ressonante manifestou-se como uma demonstração alienígena de raios que ainda estão até hoje catalogados como a maior descarga elétrica da história. A corrente de retorno formou um arco voltaico que elevou-se até o céu por dezenove metros. Trovões apocalípticos foram ouvidos a trinta e três quilômetros de distância. Tesla, anteriormente, estava preocupado com a possibilidade de haver um limite para a geração de descargas ressonantes, mas, naquele evento, ele passou a crer que o potencial era ilimitado. A demonstração teve um fim inesperado, quando as descargas fizeram com que o gerador de força de Colorado Springs se incendiasse. Tesla não mais recebeu energia grátis dos donos da companhia desde então.” TRULL, D. Tesla: The Eletric Magician. Disponível em http://www.parascope.com/en/1096/tesindex.htm).

Após descobrirem o seu tecno-utópico propósito, seus financiadores como JP Morgan e Westinghouse o abandonaram. Tesla ainda tentou ludibriar Morgan ao dizer que a torre que construía era para construir um equipamento de transmissão de rádio intercontinental que lhe garantiria o monopólio das comunicações mundiais. Mas o propósito era outro: a transmissão de energia grátis para o planeta.

Aos poucos Tesla aproximou-se da Teosofia através dos ensinamentos de Swami Vivenkanada, na época (1891) em visita aos EUA. Tesla passou a descrever os fenômenos que manipulava em termos sânscritos como Akasha, Prana e o conceito de “Éter Luminífero” para descrever a fonte, existência e construção da matéria.

Mas se Tesla com seus princípios alquímicos pretendia a mutação da matéria em termos de ondas, ressonância, éter etc., enquanto isso o mainstream científico apenas queria a transcodificação da matéria, isto é, confiná-la, represá-la para direcioná-la por meio de uma linguagem codificada e hermética (isto é, acessível somente a uma elite esclarecida) para fins de dominação econômica e política. O digital, a linguagem, a tecnologia sobrepondo o analógico, o sensual, a ciência.

Por isso Tesla, como um dos últimos cientistas alquímicos, pagou seu preço: morreu em 1943, solitário em um quarto de um hotel onde morava em Nova York. Financeiramente quebrado e na companhia de um bando de pássaros, que considerava seus únicos amigos. E seu nome jogado na obscuridade e banido da história da Física, apesar da sua mais de 700 patentes registradas em equipamentos diversos que foram surgindo como decorrência das pesquisas sobre o maior propósito: a energia livre para todos.

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sábado, agosto 21, 2010

Filme "A Origem": Nolan cai sob o fascínio das neurociências

Apesar da embalagem gnóstica (questionamentos sobre a natureza do real, os sonhos como um mundo paralelo, e personagem feminino que exorta o protagonista a despertar do sono da realidade) "A Origem" (Inception, 2010) de Christopher Nolan é extremamente reacionário ao fazer a apologia da engenharia do espírito das neurociências. O simbolismo dos sonhos substituído pela cartografia invasiva da mente.

É sabido que nos EUA a Psicanálise freudiana não goza de credibilidade científica. Conceitos como psiquismo e inconsciente são ignorados por não serem científicos, sem comprovação empírica. Discutir os sonhos e desejos humanos a partir da sexualidade e das relações infantis com a boca e excrementos é bizarro demais para o puritanismo norte-americano.

A cultura norte-americana é mais prática: se Freud pretendia analisar o simbolismo dos sonhos, o imaginário tecnológico atual pretende fazer uma cartografia e topologia dos sonhos. Muito mais prático, como bem comprovam as neurociências e o neuromarketing. Símbolos são filosóficos demais, enquanto uma cartografia e uma topologia é muito mais eficaz para apontar caminhos para inserir ideias nas mentes.

“A Origem” (Inception, 2010) comprova essa agenda tecnológica. Embora a narrativa do filme ocorra nos sonhos, nenhuma vez ouvimos a palavra inconsciente. Ela é substituída pelo genérico conceito de subconsciente, expondo essa matriz do pragmatismo neurocientífico.

Embora a princípio "A Origem" pareça ser um filme gnóstico, esotérico ou “filosófico”, tal como “Matrix”, ele tem um profundo sentido pragmático: a exploração do último refúgio do indivíduo (a mente, os sonhos) no invasivo mundo atual dos interesses corporativos (marketing, publicidade, fusões, aquisições etc.).

Embalagem Gnóstica

A narrativa de “A Origem” utiliza muitos elementos e tiradas dos filmes gnósticos, atribuindo uma roupagem “séria” à estória, dando a entender ao público que estamos diante de profundos insigths filosóficos. Por exemplo, quando os protagonistas vão para Mombasa recrutar um farmacêutico especialista em drogas pesadas para auxilia-los na missão, encontram em um porão dezenas de pessoas adormecidas. Elas vão para lá diariamente para viverem seus sonhos como uma realidade paralela. “Elas vêm aqui não para dormir, mas para despertar”, diz o responsável pelo local. Evidente tirada gnóstica que lembra as questões do personagem Morpheus no filme “Matrix”. Mas os protagonistas estão naquela farmácia de manipulação menos para discutir a natureza filosófica ou místicas dos sonhos, mas para usar pragmaticamente as drogas para resolver os problemas corporativos do cliente de Cobb (Leonardo Di Caprio).

Ou ainda a personagem Mal, a falecida esposa de Cobb. Aparentemente ela representa o personagem mítico gnóstico de Sophia, ao alertar Cobb sobre a natureza fictícia da realidade, apelando para que seu marido desperte. No sonho está a realidade e a realidade é uma ilusão! Ela constantemente fala para Cobb “retornar para casa” com ela, ou seja, retornar a uma origem idílica perdida durante o sono da realidade. Ela fala para Cobb: “você não se sente atormentado, perseguido pelo mundo por empresas anônimas?” Uau! Parece até que estamos diante das tramas gnósticas de Philip K. Dick! A personagem feminina que vai conduzir o protagonista para o despertar, como no filme O Pagamento (Paycheck, 2003).

Puro engano. Mal não passa de projeção do subconsciente de Cobb, originado pelo sentimento de culpa pela morte da esposa. Tal como nas terapias baseadas em neurociências (PNL, Cientologia etc), ele apenas quer deletar a culpa da sua consciência. Toda a aventura dos protagonistas nos diversos níveis dos sonhos em inserir (inception) a semente de uma ideia na mente de uma pessoa por interesses corporativos, servirá apenas para resolver os problemas de Cobb com sua consciência: deletar a projeção subconsciente da culpa.

O Reacionarismo de "A Origem"

Por isso, “A Origem” é um filme extremamente reacionário. Comparado com filmes como “Brilho Eterno de uma Mente Sem lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004), O Pagamento (Paychek, 2003) e Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), “A Origem” glorifica as tecnologias neurocientíficas que querem basear a felicidade no esquecimento. Se nos filmes gnósticos há a denúncia da secreta aliança da tecnologia servir aos interesses que nos aprisionam a uma realidade por meio do esquecimento, em “A Origem” temos a apologia da eficácia das tecnociências.

Se em “Brilho Eterno”, “O Pagamento” e “Vanilla Sky”, os personagens femininos Clementine, Rachel e Sofia são peças-chave para o despertar (a gnose) do protagonista, em “A Origem” a parsonagem Mal é a mera projeção subconsciente da culpa. Com a mesma tecnologia que serve os interesses corporativos, ele “cura” a si mesmo eliminando a culpa dos seus sonhos.

Isso é surpreendente, já que Christopher Nolan vem de autênticos filmes de questionamentos gnósticos da realidade como “Amnésia” (Memento, 2000) e “O Grande Truque” (The Prestige, 2006 com a participação do gnóstico pop David Bowie como o misterioso cientista NiKolas Tesla).

Se em "Brilho Eterno" toda a tecnologia que quer manipular os sonhos e memórias cai diante da irrupção do insconsciente como a única resistência que o indivíduo ainda possui para enfrentar os interesses corporativos, em “A Origem” isso desaparece para dar lugar a um subconsciente que aparece como mera disfunção ou obstáculo para a aventura dos protagonistas.

Se em “Vanilla Sky” e “Brilho Eterno” as tecnologias da engenharia do espírito (neurociências) são tematizadas criticamente ao ponto da ironia e ridicularização, em “A Origem” elas são enaltecidas (as engenhosas descrições da utilização das arquiteturas impossíveis de Escher nos sonhos – paradoxos, loopings etc.) e vendidas ao espectador como instrumentos para a felicidade de uma vida sem culpas.

Para a psicanálise freudiana a questão sonho é simbólica, isto é, o conhecimento das chaves que abrem as portas para resgatarmos aquilo que nos foi esquecido pelos mecanismos represssivos da realidade. Mas para as neurociência o sonho é uma simples questão de cartografia e topografia: um mapa de associações mentais para mais facilmente deletarmos as disfunções que nos incomodam.

Assim como no neuromarketing onde colocam-se eletrodos na cabeça de um consumidor prototípico para mapearmos as reações mentais diante de peças publicitárias.

Por que esse retrocesso em Christopher Nolan? Em “Amnésia” ele nos apresentou brilhantes e gnósticos insigths sobre a natureza da percepção, memória e realidade e em “O Grande Truque” um brilhante cenário das origens da tecnologia moderna num ambiente histórico (virada de séculos XIX-XX) onde ciência, misticismo e magia se confundiam. Talvez Nolan tenha se rendido ao fascínio pelas neurociências que, afinal, oferecem um modelo simplificado, visual (cinematográfico) e muito mais pragmático do que as complicadas interpretações simbólicas. Projeções subconscientes com armas na mão e o inconsciente traduzido como cofres dentro do qual guardamos nossos segredos e depois jogamos fora a combinação são imagens muito mais convincentes e compreensíveis. “A Origem”, assim como as neurociências, não quer descobrir a combinção, mas apenas destruir o cofre.

Portanto, o filme apresenta uma aparência gnóstica por supostamente ter profundos questionamentos filosóficos ou existenciais sobre a natureza da realidade. A brilhante e complexa narrativa (marca dos filmes de Nolan) de sonhos dentro de sonhos e o final ambíguo (que leva o espectador a questionar o próprio ponto de partida do filme – onde termina o sonho e começa a realidade?), marca da ironia narrativa dos filmes gnósticos, estão em “A Origem” como uma embalagem atraente para seduzir públicos “cabeças”. Mas o seu interior é extremamente reacionário e sintonizado com a agenda tecnognóstica da glorificação das engenharias do espírito.

Ficha Técnica:
  • Título: A Origem (Inception)
  • Diretor: Christopher Nolan
  • Roteiro: Christopher Nolan
  • Ano: 2010
  • Elenco: Leonardo Di Caprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy.
  • Produção e Distribuição: Warner Bros.
  • País: EUA
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