quarta-feira, janeiro 07, 2015

Sociopatas produzem as notícias da grande mídia no filme "O Abutre"

O cinema tem mais de 50 anos de uma sólida tradição de filmes críticos à TV e à produção midiática das notícias. Mas o filme “O Abutre” (Nightcrawler, 2014) de Dan Gilroy vai mais além: não só faz uma didática apresentação de como os fatos são semioticamente turbinados para se tornarem “noticiáveis”, mas principalmente como parasitas midiáticos voam como aves de rapina em torno da carcaça daquilo que um dia foi chamado de “notícia”. Para o diretor, o protagonista Lou Bloom (cinegrafista freelance que vive de vender vídeos de acidentes e homicídios para a TV) é o protótipo do homem do futuro – os sociopatas limítrofes que, através dos slogans do empreendedorismo e autoajuda,  tornam-se os mais bem sucedidos manipuladores dos sentimentos humanos. E cada vez mais bem sucedidos na grande mídia.

Desde o filme A Montanha dos Sete Abutres (Ace in The Hole, 1951), o cinema criou uma longa tradição de críticas impiedosas à dinâmica de produção de notícias, principalmente pelas redes de TV. Network – Rede de Intrigas de 1976 (a sádica exploração do desespero de um evangelista televisivo), a ambição assassina da moça do tempo de um telejornal feita por Nicole Kidman em Um Sonho Sem Limites (To Die For, 1995), a manipulação de um episódio com reféns em um museu feita por um repórter de TV em baixa no filme O Quarto Poder (Mad City, 1997), sem falar na exploração humana por reality e quiz shows como Show de Truman, The Hunger Games ou Death Race 2000.

O mais recente exemplar dessa tradição é O Abutre, estreia do roteirista Dan Gilroy na direção e contando com a melhor performance até aqui na carreira de Jake Gyllenhall no papel do protagonista Lou Bloom: armado com uma câmera de vídeo, um rádio da polícia e uma cabeça cheia de dicas de negócios de segunda mão aprendidas na internet repletos de slogans do empreendedorismo e autoajuda, Lou cruza as noites de Los Angeles como um vampiro. Alimenta-se do sangue de vítimas de homicídios e acidentes de carros. Tanto melhor para rejuvenescer a carreira da produtora de TV Nina Romina (Rene Russo). O vídeo dos sonhos de Romina para turbinar a audiência é “uma mulher gritando e correndo rua abaixo com a garganta cortada”. E Lou fará de tudo para corresponder e expandir o seu negócio promissor.

segunda-feira, janeiro 05, 2015

Os olhos dos mortos retornam nos recém-nascidos no filme "I Origins"


Aos 21 anos o diretor Mike Cahill teve um estranho sonho e quando acordou sentiu a necessidade de escrever a seguinte frase: “Os olhos dos mortos retornam nos recém-nascidos”. Catorze anos depois tornou-se interessado no tema da biometria através íris. Junto com a lembrança da misteriosa frase do passado, Cahill escreveu o argumento do roteiro do filme “I Origins” (2014) – um biólogo molecular obcecado pelo design complexo do olho humano quer terminar de vez o debate entre criacionistas e evolucionistas, conseguindo preencher definitivamente a lacuna do mapeamento evolutivo do órgão humano, provando a inexistência de Deus. Sem ser um filme New Age disfarçado, Cahill opõe os argumentos dos dois lados, mostrando que Ciência e Espiritualidade podem andar juntas, embora em planos separados da existência. E o que as uniria seria o acaso, representado por uma misteriosa garota com a íris multicolorida, a "Sophia" da mitologia gnóstica. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sexta-feira, janeiro 02, 2015

Em Observação a lista dos 10 filmes mais estranhos de 2014

Um homem luta box sem luvas contra um palhaço de circo afeminado vestido como uma cenoura. O pai é um sujeito com a cara de Joseph Stalin e a mãe só se comunica através do canto lírico. Essa é uma passagem do filme “Dança da Realidade” dos mestre dos “Weird Movies”, Alejandro Jodorowsky. “Weird Movies”, ou “filmes estranhos”, numa tradução próxima, são filmes que exploram o duplo sentido da palavra “weird”: “destino” ou “estranho, surreal”. Nessa lista dos filmes mais “weird” ou “estranhos” de 2014, percebemos a proximidade dessas produções com a noção de “filme gnóstico” – o surreal e o estranho como instrumentos de desconstrução do princípio de realidade - na foto "Dança da Realidade" de Alejandro Jodorowsky.

Uma das fontes de informações cinematográficas alternativas para o Cinegnose é o site 366 Weird Movies, uma espécie de radar de filmes cinematicamente estranhos, bizarros e surreais. O seu interessante conceito de “filme estranho” muitas vezes coincide com a noção de “filme gnóstico” explorada por esse blog.

A espinha dorsal do site é a construção sempre mutante de uma lista de 366 filmes estranhos. Por que 366? Essa é uma explicação também estranha: um filme para cada dia do ano (um a mais para os anos bissextos). Como cada dia do ano está associado a um santo católico, os autores do site acreditam que todos os dias deveriam ter seu próprio filme estranho...

quarta-feira, dezembro 31, 2014

No quinto aniversário o blog deseja ao leitor um feliz 2015

Em dezembro o blog “Cinema Secreto: Cinegnose” completou o seu quinto ano de atividades. Agradecemos aos nossos leitores pelos comentários, críticas e constantes sugestões de filmes para serem analisados e pautas para serem abordadas. Graças ao estímulo dos nosso leitores o blog alcançou várias conquistas como ampliar parcerias com outros blogs e portais de notícias e desenvolver pesquisas científicas que resultaram em descobertas como: as cartografias e topografias da mente, adgnose, o fenômeno das bombas semióticas, sincromisticismo, parapolítica entre outras. Essa expansão física e de resultados do blog, impõe o desafio mais importante para o próximo ano – a busca da sustentabilidade financeira para manter o “Cinegnose” em atividade. O que nesse final de ano resultou no conflito com o Google AdSense por supostas “violações” e a tentativa de censura em nossos conteúdos. Um Feliz 2015 para nossos leitores, repleto de iluminações gnósticas!

(Na foto algumas personalidades e filmes que fazem a cabeça do "Cinegnose": Freud, Theodor Adorno, Jean Baudrillard, o diretor Stanley Kubrick e os filmes Matrix, Show de Truman, Lucy e The Machine)

Há 5 anos, no encerramento de uma disciplina da pós-graduação na ECA/USP, a professora Glória Kreinz indagou para mim: por que não faz um blog? Era o início da ideia do “Cinema Secreto: Cinegnose”.

Muito material de análise fílmica tinha ficado de fora da dissertação de Mestrado chamada Cinegnose – a recorrência de elementos gnósticos na atual produção cinematográfica norte-americana, pela própria limitação de espaço de uma pesquisa dessa natureza. Um blog seria o espaço perfeito para publicar as análise fílmicas de 20 filmes que fizeram parte do universo de pesquisa da dissertação. Mais tarde, a dissertação se transformaria no livro Cinegnose, publicado pela editora Livrus.

segunda-feira, dezembro 29, 2014

Blog censurado pelo delírio digital do Google AdSense

Para minha surpresa, o blog “Cinema Secreto: Cinegnose” foi acusado, julgado e executado às vésperas do Natal. Acusação: disseminação de conteúdos “chocantes” de “violência”, “pornografia”, “sangue” e “atitudes repulsivas”. Pelo menos é o que disseram os robôs e scripts do Google AdSense, lembrando a elite de juízes de rua do filme “Judge Dredd” que julgava e executava instantaneamente os violadores – “veiculação de anúncio do Google AdSense foi desativada no seu site por violação do regulamento do programa”, informava o e-mail executor!. Esse será o admirável mundo novo do Google: o delírio digital dos códigos binários que, sem compreender contextos, reduzirá a realidade ao denominador comum do 0/1. Como um blog que analisa filmes e a mídia como sintomas do imaginário social de uma determinada época, poderá tratar dessa temática sem cair na “malha fina” dos onipresentes e oniscientes robôs digitais? Bem vindo à futura blogosfera “disneyficada” e pacificada em tons pastéis semelhantes à cidade cenográfica de Seaheaven do filme “Show de Truman”.

Entre um e-mail e outro na caixa de entrada na véspera de Natal, com os tradicionais desejos de boas festas, surge um com título ameaçador: “A veiculação do anúncio do Google Adsense foi desativada para o seu site”. Um estranho e-mail cujo conteúdo narra algum tipo de julgamento feita à minha revelia no qual fui acusado, condenado e executado! Isso depois de seis meses de anúncios adsense no blog.

sábado, dezembro 27, 2014

Em Observação: "Êxodo: Deuses e Reis" (2014) - Deus é o vilão?

“Êxodo: Deuses e Reis” é mais um filme da tendência atual de produções hollywoodianas de temas bíblicos. Os produtores escolheram o diretor certo: Ridley Scott, cujos filmes parecem ter um tema recorrente – a morte dos deuses. Assim como no filme “Noé” de Aronofsky, o Deus do Velho Testamento bíblico é apresentado de forma gnóstica como um Demiurgo – ciumento, rancoroso e vingativo. O filme desperta protestos de teólogos e cristãos sobre essa visão tão sombria de Deus: “Como um Moisés horrorizado pode acompanhar o Senhor?”.

quinta-feira, dezembro 25, 2014

Walt Disney mexicano treina crianças para o mundo corporativo


Apontado como o Walt Disney mexicano, com um toque de Willy Wonka e sua fantástica fábrica de chocolate, o empresário Xavier López Ancona desde 1999 comanda a KidZania. É uma rede de parque temático para crianças presente em 16 países, e agora também em São Paulo. “Crianças necessitam de histórias de êxito”, diz o empresário cujo parque simula em escala infantil uma cidade onde, através de jogos de role playing, os pequenos performam atividades adultas remuneradas pela moeda local. Expostas ao bombardeio de marcas globais e acompanhadas por pais orgulhosos, os pequenos tornam-se médicos, bombeiros, jornalistas ou chef de cozinha. É a “edu-diversão”: crianças tornam-se espelhos dos adultos – subliminarmente são treinadas em jogos e simulações para o mundo dos processos seletivos corporativos dos administradores, call centers e funcionários – é a “gameficação” e a simulação como ferramentas de administração. Esqueça o jogo lúdico e infantil. Agora o jogo deve ser focado no futuro e nos negócios.

quarta-feira, dezembro 24, 2014

Cristo já está dentro de nós nesse Natal?

“Aquele que beber da minha boca se tornará como eu e eu serei ele”. Essa frase atribuída a Jesus no evangelho gnóstico de São Tomas encontrado no Egito há quase 70 anos é fonte de controvérsia por inspirar uma visão herética de Cristo e da sua missão aqui na Terra: Ele não veio nos “salvar”, mas nos “curar”, isto é, despertar Ele dentro de nós mesmos.

O historiador e mitólogo Joseph Campbell no livro O Poder do Mito nos oferece uma didática interpretação dessa passagem do Evangelho de São Tomas. “Que blasfêmia”, teria observado um padre na plateia em uma conferência de Campbell. Claro, "somente um deus pode se equiparar a outro deus."

Para além da sua figura histórica, como Mito, Jesus Cristo reflete nossas potencialidades espirituais, evocando poderes em nossas próprias vidas. Para Campbell é uma ideia potencialmente revolucionária: além da fé em Cristo suplantar a própria religião institucionalizada, significa, também, superar o nosso próprio ego ao voltarmos à raiz da palavra “religião”: religio, religar, onde a nossa vida isolada é ligada a uma vida una.

domingo, dezembro 21, 2014

Nossa consciência é uma ilusão no filme "Em Transe"

Uma gangue de ladrões que ao invés de assaltar um banco, tenta invadir a mente de alguém para reaver um valioso quadro de Goya perdido em uma frustrada tentativa de roubo a uma casa de leilões de artes. Com esse argumento que mistura os filmes de Nolan “A Origem” com “Amnésia”, o diretor Danny Boyle faz um interessante thriller psicológico noir no filme “Em Transe” (Trance, 2013). Boyle explora os principais ingredientes de um filme noir: homens durões, uma mulher fatal e um mundo de ilusões onde nada é o que parece ser. Nessa clássica receita de um thriller noir, Boyle acrescentou um ingrediente bem contemporâneo: a psicologia gnóstica – “Em Transe” faz uma espécie de engenharia reversa do processo de perda da nossa consciência na ilusão que conhecemos como “realidade”: quanto mais acreditamos que temos livre-arbítrio, menos percebemos que somos escravos de um estado hipnótico. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Quatro figuras semi-nuas estão se contorcendo no ar. Três delas usam chapéus pontudos, e estão segurando a quarta contra a sua vontade. Seu rosto está contorcido em uma careta agonizante e seus captores parecem chupar sua carne e sangue. Abaixo dessa imagem horrível está uma quinta figura que se esconde sob um cobertor com os punhos estendidos numa vã tentativa de afastar o tormento que paira acima dele – ou talvez no interior da sua própria cabeça.

Esta não é uma cena do thriller psicológico de Danny Boyle Em Transe (Trance, 2013): é na verdade uma descrição do quadro chamado Bruxas no Ar do pintor espanhol Goya, pivô de toda a trama do filme que gira em torno do seu roubo. Mas lá pela metade do filme, provavelmente o espectador vai se identificar com o personagem do quadro que tem o cobertor sobre a cabeça e compreender o porquê dessa obra ser o centro de tudo: o que entendemos como realidade pode ser nada mais do que a soma de todas as impressões, sugestões ou sentimentos criados por nós ou simplesmente inseridas em nossa cabeça – acreditamos no livre-arbítrio de nossas ações e, baseado nisso, construímos nossas vidas. Mas até que ponto isso é verdade?

sexta-feira, dezembro 19, 2014

Papai Noel: modo seguro de usar

Jamais fume, fale palavrões, beba álcool ou tenha atitudes inconvenientes ao lado de um Papai Noel. Ele poderá matá-lo. Isso porque por baixo da roupa natalina esconde-se um raro ser ardiloso e cruel, caçado na Finlândia, treinado para executar o papel do bom velhinho e exportado para todos os shopping centers do mundo pela empresa Rare Exports Inc. Pelo menos é o que pensa o cineasta finlandês Jalmari Helander, um estudioso não só das origens do mito, mas da sua conversão publicitária norte-americana feita pela Coca-Cola. Os curtas “Rare Exports Inc.” (2003) e “The Official Rare Exports Inc. - Safety Instructions” (2005) são produtos da fixação do diretor pelo personagem e que, mais tarde, acabou resultando no longa metragem “O Papai Noel das Cavernas” (2010): são fábulas que mostram o quanto de frieza administrativa, gerenciamento e treinamento de recursos humanos está por trás de cada rosto feliz dos papais noéis, funcionários e atendentes de toda a estrutura comercial que se traveste com signos da compaixão e do amor ao próximo. Veja os dois curtas.
De onde vêm os papais noéis de todos os shoppings centers do mundo? São velhinhos aposentados que fazem bico no final de ano para aumentar um pouco a renda? Não, segundo o diretor finlandês Jalmari Helander: eles são raros produtos de exportação do seu país, caçados por corajosos homens na Lapônia para serem vendidos para todo o mundo
“Antes de cair a primeira neve do inverno, caçadores profissionais começam o seu trabalho. O longo processo de rastreamento, caça e transformação desse rei da floresta em um produto acabado é um longo processo, mas o resultado final é motivo de comemoração."

quarta-feira, dezembro 17, 2014

Pequeno manual de guerrilha semiótica antimídia

É inacreditável que depois de quase um século de legado em instrumentos, estratégias e pesquisas na Ciência da Comunicação, a única reposta possível do PT à agenda imposta pela grande mídia seja a articulação de um “gabinete de crise”. Administrar os estragos provocados pelas explosões das bombas semióticas apenas legitima e dá pertinência à pauta diuturnamente elaborada pelas redações dos grandes veículos. O PT repete o mesmo erro estratégico das esquerdas em todos os tempos: pensar a comunicação ainda de forma tradicional (iluminista) como uma questão de Fonte de transmissão dentro da cadeia de comunicação. As bombas semióticas demonstraram que a grande mídia já está à frente com o chamado “softpower” – não mais tentar convencer ou persuadir, mas agora criar pânico e moldar percepções.   Guerrilhas semióticas são a única estratégia possível frente ao cerco das grande mídias: criar uma contra-agenda atuando na recepção e nos códigos. Nessa postagem, um esboço inicial de uma guerrilha no interior dos processos de comunicação. 

A notícia de que o ex-presidente Lula articula a criação de um “gabinete de crise” para enfrentar o impacto das denúncias da Operação Lava Jato é tudo aquilo que a grande mídia esperava ouvir: um “gabinete de crise” apenas vai retroalimentar a agenda criada diariamente pelos colunistas e editoriais, legitimando a pauta pré-estabelecida, como se o PT fosse um bom adversário que aceita as regras do jogo.

Foi também noticiado que o gabinete será formado por um “grupo de notáveis” (sempre os “notáveis”... Marina Silva também pretendia montar um ministério com “notáveis”...).

segunda-feira, dezembro 15, 2014

"Som do Ruído" dispara bombas musicais contra indústria do entretenimento

Apesar de ter nascido em uma família de longa tradição de músicos famosos, Amadeus é um investigador de polícia que odeia música. Mas ironicamente destinam a ele o caso mais difícil da sua vida: seis bateristas excêntricos, liderados por um gênio musical anarquista, decidem lançar uma ataque em escala sonora transformando torres de alta tensão, salas de cirurgia e agências bancarias em inesperados instrumentos de música e ritmos. Bandidos de uma nova geração: terroristas que explodem bombas musicais. Esse é a produção sueca “O Som do Ruído” (Sound of Noise, 2010), claramente inspirado no manifesto musical futurista de 1913 “Arte dos Ruídos”. O filme é uma comédia e, ao mesmo tempo, um manifesto estético-político que mostra como a música pode produzir conformismo. Mas também no diz como é possível reagir através de guerrilhas sonoras-musicais que nos libertem da música produzida pela indústria do entretenimento.

Quando falamos em filmes gnósticos imaginamos dramas ou thrillers de ficção científica cheios de ação como Matrix ou A Origem, ironia social como em Show de Truman ou intrincadas narrativas que confundem a ilusão com a realidade como em Ilha do Medo. Os simbolismos gnósticos são pesados e épicos ao denunciarem que a realidade é ao mesmo tempo ilusão e prisão.

Um filme que combina comédia, música e romance pode também lidar com temas gnósticos profundos? Assistindo ao filme sueco O Som do Ruído (Sound of Noise, 2010) podemos chegar a uma surpreendente conclusão positiva.  Sim, a música e o som que nos rodeiam podem também modelar a nossa experiência, criar o senso comum e nos faz aderir a valores sociais, produzindo conformismo ao status quo.

sábado, dezembro 13, 2014

Rio de Janeiro leva crianças para o Capitalismo Cognitivo

Prefeitos, governadores e presidentes vivem a pressão política  e mercadológica de tornar visíveis para a mídia e opinião pública suas obras e realizações. Mas às vezes essa corrida contra o tempo cria verdadeiros atos falhos onde a peça publicitária se trai e a verdade sobe à tona em meio a camadas de discursos e eufemismos. O exemplo mais recente é a da inacreditável publicidade veiculada no jornal “O Globo” do programa “Fábrica de Escolas do Amanhã” da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro: crianças em carteiras sobre uma esteira de linha de produção ao melhor estilo do vídeo clip “Another Brick in The Wall” do Pink Floyd. Qual concepção de educação pública é passada pelo ato falho visual? Para onde aquela esteira está levando as crianças da foto? Uma análise iconográfica e semiótica da peça publicitária pode revelar: a esteira leva para o futuro, para o Capitalismo Cognitivo.

Como diz aquele provérbio, uma imagem vale mil palavras. Publicidade veiculada no último domingo no jornal O Globo do programa “Fábrica de Escolas do Amanhã”, da Secretaria Municipal da Educação do Rio de Janeiro, mostra uma fotografia onde explicitamente faz uma aproximação de uma escola com uma linha de produção industrial.

Acima da foto em que vemos crianças nas carteiras escolares sobre uma esteira de linha de produção há um texto que diz: “Nossa linha de produção é simples. Construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros”. A peça publicitária divulga o programa da prefeitura que constrói estruturas pré-moldadas para a construção e escolas, além de armazenar e distribuir material para as unidades da rede de ensino.

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Efeito Pinball potencializa bombas semióticas na mídia

Quem não conhece o jogo de arcade chamado Pinball? Um lançador dispara uma bolinha de metal que bate e rebate em pinos somando pontos a cada tilintar barulhento. Numa tragicômica analogia, a grande mídia parece ter transformado o País numa gigantesca arcade ao chegar no estado da arte de impor sucessivas agendas que se assemelham a bolinhas metálicas disparadas em um Pinball: “mensalão”, “caos aéreo”, “o gigante acordou”, “petrolão” etc. O Governo responde aqui e ali com notas, criando um círculo infernal de bate-rebate que só legitima a agenda anteriormente criada. O Efeito Pinball se transforma no meio condutor das bombas semióticas que são detonadas diariamente nas mídias. Por si só elas não têm força: necessitam do meio condutor da agenda, assim como as ondas de choque produzidas por uma bomba química necessitam do ar.

Nas últimas edições do telejornal SPTV da Globo, o apresentador Cesar Tralli tem se mostrado particularmente indignado, não se sabe porque orientado pelo ponto para que ele eleve o tom das críticas ou se está contaminado pelo clima do chamado “terceiro turno” que se seguiu após as eleições.

Em sucessivas matérias Tralli tem demonstrado uma indignação tão cívica quanto seletiva. Na inauguração de mais uma ciclo-faixa, na Zona Norte da cidade de São Paulo, dispara inconformado: “assim é fácil fazer 400 quilômetros de ciclo-faixas, passar a tinta sobre buracos”, diz mostrando um close up de um buraco no meio da faixa recém-inaugurada. Pelo tipo de lente e esmero da teleobjetiva parecia mais uma cratera lunar!

Série "Além da Imaginação" e a sensibilidade gnóstica atual

A comparação do episódio “Special Service” da terceira temporada da série de TV “Além da Imaginação” (1988-89) com o filme “Show de Truman” (1998) revela didaticamente com a sensibilidade gnóstica atual está por trás de adaptações dos clássicos da TV e do cinema. O episódio de 1988 inspirou  Andrew Niccol a escrever o roteiro de “Show de Truman”: enquanto no episódio original vemos uma típica ficção científica orwelliana onde a paranoia e conspirações dominam o protagonista, na adaptação de Niccol vemos esses mesmos elementos transmutados em drama e sátira social. Mas Niccol colocou algo mais: a suspeita de que o reality show não seja apenas televisivo, mas cósmico.

A postagem anterior sobre o filme brasileiro O Efeito Ilha (1994) e a possibilidade sugerida pelo diretor Luís Alberto Pereira de que Peter Weir teria “chupado” a ideia do filme para construir o roteiro de Show de Truman (Truman Show, 1998), provocou polêmica aqui no blog – clique aqui.

Como vimos, essa suspeita não procede, já que o tema do controle da privacidade que é transformado em show pela mídia são tratados de forma invertida: em O Efeito Ilha, a transmissão televisiva involuntária da vida do protagonista é tratada como “dissonância cognitiva, isto é, elemento dissonante que faz os espectadores tomarem consciência da TV como instrumento de alienação; enquanto em Show de Truman, a vida do protagonista é transformada em um autêntico reality show, como instrumento de alienação para as massas.

domingo, dezembro 07, 2014

Filme "O Efeito Ilha": "Show de Truman" plagiou filme brasileiro?

Em um tom quase profético, o filme brasileiro “O Efeito Ilha” (1994) de Luís Alberto Pereira antecipou toda a onda posterior dos reality shows na TV. Quatro anos depois o filme “Show de Truman” retomaria o tema da invasão de privacidade como show, levando Pereira a declarar que Peter Weil teria “chupado” sua ideia. Posteriormente o filme “O Efeito Ilha” seria lançado em VHS como “The Man In The Box” – um técnico de TV é vítima de um estranho fenômeno eletromagnético através do qual sua vida passa a ser transmitida ao vivo em todos os canais de TV. “O Efeito Ilha” captou o espírito do seu tempo (naquele momento o Projeto científico Biosfera 2 e o “Real World” da MTV eram os embriões de um novo gênero televisivo). Por que, ao contrário dos EUA, o cinema brasileiro não continuou explorando esse tema, relegando o filme “O Efeito Ilha” ao esquecimento?

quarta-feira, dezembro 03, 2014

O Inferno alquímico de Dante no filme "O Reflexo do Medo"


Conhecida como "Cidade Luz", Paris também é escura e misteriosa: sob a cidade se estende uma vastíssima rede de mais de 300 quilômetros de túneis e labirintos. São as chamadas “catacumbas de Paris” ou “cidade dos mortos” onde jaz os restos de seis milhões de pessoas, além de vestígios de cultos celtas, franco-maçons, gravuras e sinais ritualísticos sagrados. Nessa atmosfera claustrofóbica e sombria se movem os arqueólogos urbanos do filme “O Reflexo do Medo” (As Above, So Below, 2014), misturando terror com thriller psicológico no estilo falso documentário ou “found footage”. Como informa o título original, a narrativa explora o princípio alquímico da Correspondência, repleto de referencias ao chamado esoterismo cristão presente na obra de Dante Alighieri “A Divina Comédia”, na qual o diretor John Erick Dowdle se inspirou para escrever o roteiro.

sábado, novembro 29, 2014

"Veja São Paulo" detona bomba semiótica na Cracolândia

Feios, sujos, malvados e viciados retornam à Cracolândia, levantando uma mini favela em plena rua do Centro. A grande mídia esfrega as mãos para denunciar uma suposto fracasso do programa da Prefeitura de São Paulo “De Braços Abertos”. Assim como os black blocs (úteis na oportuna criação de imagens midiáticas de caos no País em ano eleitoral) foram glamurizados através de Dani Pantera e Emma, agora o “fracasso” na Cracolândia é midiatizado pela personagem da “Cinderela às avessas”, a ex-modelo Loemy que se tornou viciada em crack e vaga pelas ruas do Centro. Matéria da "Veja São Paulo" a transforma em mais uma bomba semiótica, assim como foi a “musa” black bloc Dani Pantera: a bomba da “good-bad girl”.  A matéria se mostra menos uma reportagem e muito mais um sintoma do DNA dos cursos internos de jornalismo da Editora Abril: a frenética busca por personagens que confirmem narrativas que o próprio Jornalismo já tem de si mesmo.

- Olá, querida - gritou Joe Louis a sua mulher ao vê-la o esperando no aeroporto de Los Angeles. Ela sorriu enquanto aproximava-se e quando estava a ponto de ficar na ponta dos pés para lhe dar um beijo, deteve-se de pronto.
- Joe, onde está sua gravata? - perguntou.
- Ai, querida - ele desculpou-se encolhendo os ombros - estive fora toda a noite em Nova York e não tive tempo... (...)

Houve uma época em que jornalistas buscavam personagens (como o protagonista desse diálogo, o boxeador Joe Louis) para mostrar o lado humano de figuras que o tradicional texto jornalístico não permitia. Nesse texto da revista Esquire em 1962, Gay Talese (um dos precursores do chamado Novo Jornalismo – gênero jornalístico do início dos anos 60 nos EUA que misturava narrativa jornalística com estilo literário) procurava mostrar o lado humano de um campeão de boxe capaz de expressar fragilidade ao encolher os ombros em uma pequena discussão com sua mulher no aeroporto.

domingo, novembro 23, 2014

Amor e entrelaçamento quântico no filme "Interestelar"

Depois de desafiar os espectadores com desconstruções narrativas como “Amnésia” e articular sucessivas camadas de mundos oníricos em “A Origem”, agora Christopher Nolan em “Interestelar” (Interstellar, 2014) nos desafia com os paradoxos da mecânica quântica e relatividade.  Aqui não há mais heróis tentando salvar a Terra, mas pessoas que se sacrificam na procura de um caminho para a humanidade abandonar um planeta agonizante. E a única saída será através de buracos negros e “buracos de minhoca” cósmicos. Porém, as equações falham em tentar conciliar a dimensão quântica e a relatividade. Qual a solução proposta por Nolan? Amor e Comunicação, os únicos elementos que atravessam os diferentes espaços-tempos e que resolveriam o enigma do chamado “entrelaçamento quântico”. Tudo com muitas alusões gnósticas e religiosas, criando uma poderosa atmosfera mística.

John Smith trabalha como projetista em um cinema nos EUA. John fez um curioso relato no início desse mês: ao receber a cópia do filme Interestelar percebeu que ela veio embrulhada e rotulada como “Flora’s Letter” – The Hollywood Reporter, 22/10/2014.

Já é bem conhecida essa estratégia onde os filmes são distribuídos ou mesmo produzidos com títulos falsos a fim de dificultar a pirataria ou roubo.

Mas também é conhecido que muitos produtores não resistem à tentação de deixar nesses falsos rótulos pistas inteligentes e sugestões. É o exemplo de filmes anteriores de Nolan que foram distribuídos dessa maneira, com intrigantes pistas: “Backbreaker” para o filme Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) e “Be Kind, Rewind” para Amnésia (Memento, 2000).

sábado, novembro 22, 2014

Da caridade ao cinismo do marketing social em "Quanto Vale ou é por Quilo?"

Desde a ideia do amor ao próximo transmitida por Jesus, a tragédia transformou-se em farsa: a caridade transformou-se em filantropia para, nos tempos cínicos atuais, finalmente se converter em marketing social. Esse é o tema do filme de Sérgio Bianchi “Quanto Vale ou é por Quilo?” (2005). Inspirando-se num conto de Machado de Assis e em processos judiciais do século XVIII disponíveis no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Bianchi faz de uma narrativa que mistura sarcasmo e drama um flagrante de como a “escravidão moderna” perpetua as formas coloniais de dominação através do chamado Terceiro Setor com suas ONGs. Partindo do mito da exclusão e marginalidade, o marketing social esquece de que a miséria já está há muito tempo integrada: como oportunidade de lucro, lavagem de dinheiro e formas irregulares de captação de dinheiro público.

Misericórdia, compaixão, amor ao próximo e o perdão foram os valores civilizatórios trazidos pela ética e moralidade cristã. As epístolas do Novo Testamento descrevem como Jesus queria que o ódio e a indiferença fossem substituídos pelos “amar o próximo como a si mesmo”, forma de Deus permanecer em nós.

Depois disso, a caridade passou a ser considerada obra piedosa onde o autor abdicaria de toda a sua vaidade. O anonimato é o valor máximo por ser o ato da caridade uma descoberta íntima de Deus. As hospedarias para peregrinos de Santo Agostinho e o hospital para vítimas da fome e epidemia em Constantinopla de São João Crisóstomo na Idade Média foram exemplos do ascetismo como impulso voltado para o interior de si mesmo.

Tudo muda em meados do século XVIII quando a caridade se transforma em filantropia, entendida como a caridade cristã laicizada: “fazer o bem” deixa de ser uma virtude cristã para ser uma virtude social.

quinta-feira, novembro 20, 2014

A fotografia pode roubar nossa alma no filme "Skew"


Aclamado em diversos festivais de filme de terror, o filme independente “Skew” (2011) parte de uma curiosa teoria da fotografia formulada pelo escritor francês Balzac no século XIX: toda fotografia é um “crime espectral” – cada exposição à câmera nos rouba uma das camadas espectrais que compõem o nosso ser. A cada fotografia morremos um pouco. Com essa premissa, o diretor Sevé Schelenz constrói uma narrativa com câmera na mão que no início parece se filiar a estilo de filmes como “Bruxa de Blair” ou “Rec”. Apenas parece. Ao se inspirar  no temor de Balzac, Schelenz não só leva a premissa às últimas consequências como também a atualiza: na verdade, as imagens estariam roubando não as nossas camadas espectrais, mas as camadas de memórias que compõem quem nós somos. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

segunda-feira, novembro 17, 2014

A escassez de água é uma bomba semiótica?

Enquanto a Grande São Paulo vive a contagem regressiva para o fim do volume morto na crise de abastecimento de água do sistema Cantareira, sincronicamente estreia nos cinemas “Interestelar” cujo plot se inicia com o planeta Terra devastado por tempestades de areia e escassez de recursos naturais. Hollywood e os telejornais da grande mídia se tornaram uma verdadeira caixa de ressonância: enquanto o jornalismo diariamente apresenta sua natural presunção pela catástrofe ao querer “globalizar” a crise de água da Grande São Paulo como exemplo de uma suposta crise climática mundial, nos últimos 20 anos Hollywood aumenta o número de produções cujo tema da escassez e luta pelo controle da água é a chave central do roteiro. Depois de catorze anos da chamada “Guerra da Água” na Bolívia, São Paulo seria o “Beta Test” de uma agenda mundial de mercantilização da água? Esse sincronismo faria parte de uma engenharia de opinião pública cujo mito da escassez de água seria a principal bomba semiótica?

Em meio à verdadeira contagem regressiva diária para o fim do chamado volume morto do sistema Cantareira de abastecimento de água da Grande São Paulo, o apresentador do SPTV da Globo, César Tralli, fala em tom dramático: “temos que economizar água, gente. Está acabando a água em todo o planeta!”.

Sincronicamente, estreia nos cinemas o filme Interestelar de Christopher Nolan, cuja narrativa se situa em um futuro próximo onde as fontes naturais do planeta Terra se tornam escassas e os ecossistemas são varridos por tempestades de areia, ameaçando a sobrevivência da espécie humana.

quinta-feira, novembro 13, 2014

Lenin inventou o Marketing?

“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. Isso é o Marketing!”. Essa linha de diálogo do filme “Branded” (2012), sobre um protagonista que se transforma em expert em Marketing na Rússia pós-comunismo, seria mais do que uma piada irônica? O líder da Revolução Bolchevique que abalou o mundo em 1917 teria sido o precursor da invasão da sociedade pelas marcas? Enquanto o capitalismo vivia a era da Publicidade como “a arte de vender a qualquer preço”, Lenin estaria na vanguarda da política como a “venda” da marca – o Marketing não trata mais de vender produtos ou serviços, mas da valorização do imaterial, do intangível. Da marca da foice e do martelo ao “M” do McDonald’s o Capitalismo levou algum tempo para entender isso. Se isso for verdade, teria existido uma linha de continuidade entre União Soviética e Sociedade de Consumo? A Guerra Fria teria sido na verdade um “Teaser” para aquecer o mercado de marcas?

Na coprodução Rússia/EUA chamada Branded (2012), filme sobre a trajetória do jovem russo Misha que se transforma em expert em Marketing e espião corporativo na Rússia pós-comunismo, a certa altura o protagonista formula uma polêmica tese: Lenin foi o inventor do marketing em 1918 ao criar uma forma absolutamente única de divulgar o Comunismo – ele teria feito o produto prometer algo: terra para os camponeses, fábricas para os trabalhadores e paz para os soldados.

“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. E isso é o Marketing! Os melhores designers... as marcas oficiais de cor... o vermelho, o logotipo com a estrela de cinco pontas. A super-marca. A KGB veio depois, como uma espécie de polícia da marca”, defende Misha ao contemplar os cartazes da estética realista socialista nas cores dominantes preto, branco e vermelho – sobre o filme Branded clique aqui.

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