sexta-feira, outubro 12, 2012

Os Cátaros, Paulo Coelho e o turismo esotérico

Escalar uma "montanha mágica" nos Pirineus para encontrar a fortaleza dos heréticos Cátaros do século XII. O problema é que, para eles, toda a suposta beleza dos céus e da Terra era “obra de um demônio”. Mas para um turista esotérico isso não importa: a jornada descrita pelo famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho confirma os principais mitos dessa agenda “new age” cujo imaginário criou um subgênero na indústria do turismo. Os mitos dessa jornada: Os “Sinais”, O “Todo”, Os “Lugares Especiais” e O “Antigo”.

Em uma das minhas visitas à cidade de Santos (meus pais moram lá) me detive diante de uma banca de jornal e parei na primeira página do jornal “A Tribuna de Santos”. Era domingo, dia em que o jornal vem com o suplemento “ATrevista”, uma revista de variedades culturais, culinárias e dicas de compras. Temas bem amenos para um típico domingo santista ensolarado e quente. Folheando a revista, perdido entre receitas culinárias e páginas publicitárias, encontro uma coluna do famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho intitulado “Montanha Mágica” (clique aqui para ler).

O texto começa com uma típica descrição turística sobre “uma das as mais belas regiões do mundo”, Languedoc nos Pirineus e Sudoeste da França. “Mas foi nesse lugar magnífico que nasceu a primeira grande “heresia” europeia: o catarismo. Muitos livros foram escritos sobre o tema, entretanto, é possível resumir a filosofia cátara numa simples frase: o universo foi criado pelo demônio. Toda esta beleza aparente é uma obra diabólica.” Uauuu! Que tema para um domingo de sol e praia!

Para quem não sabe, os Cátaros foram os responsáveis pelo reaparecimento do Gnosticismo na Europa no século XII, esparramados pelo Sul da França, Languedoc, Catalunha e norte da Itália. Foi um movimento cristão considerado herético pela Igreja, com forte paralelo com os gnósticos do princípio da era cristã, mais precisamente com o dualismo de Mani (viveu no Irã no século III) que sustentava que o cosmos seria dividido por dois poderes opostos: o Bem e o Mal, o verdadeiro Deus e o Demiurgo, uma divindade decaída e enlouquecida com o próprio poder que nos aprisiona em um universo físico corrompido.

sábado, outubro 06, 2012

O mundo que nos expulsa no filme "Lugares Comuns"

O filósofo alemão Hegel dizia que “a coruja de Minerva somente levanta voo ao entardecer” numa alusão à esperança de que a Razão ganhe força em momentos de crise e obscurantismo. E se a Razão falhar? Então, seremos expulsos desse mundo. Esse é o tema filosófico dentro do cenário da crise econômica no filme argentino “Lugares Comuns” (Lugares Comunes, 2002). Um professor de Literatura é compulsoriamente aposentado em um reflexo da crise econômica do país e vê seus valores iluministas e humanistas desmoronarem, sentindo-se um estrangeiro em um mundo cujo lógica não trabalha com soma, mas com subtração.

“Eu sei que existe a desordem, a decepção e a desarmonia. Existe um país nos destruindo, um mundo que nos expulsa, um assassino impreciso que nos mata dia após dia, sem que percebamos. Não tenho uma resposta. Escrevo do caos, da mais completa escuridão”. Essas são as primeiras frases em off do protagonista enquanto escreve apontamentos ou pequenas crônicas para o seu diário. Fernando (Frederico Luppi) é um professor de Literatura em uma universidade em Buenos Aires sob a catastrófica crise econômica argentina do início dos anos 2000 pós-política neoliberais do presidente Carlos Menen.  

Como podemos perceber nessa fala inicial, o filme “Lugares Comuns” fará um paralelo entre a crise em uma dimensão material (a econômica) é a outra crise em um plano metafísico ou filosófico (as velhas questões da Filosofia que, de tão repetidas, tornaram-se “lugares comuns” – caos e ordem, necessidade e liberdade, livre arbítrio e destino).

Fernando é casado com Lili (Mercedes Sampietro) uma assistente social que acompanha de perto as consequências da crise no país. Apegado ao pensamento crítico, ao Iluminismo e Humanismo tenta exercer a crítica literária e, ao mesmo tempo, ensina seus alunos a pensarem e manterem-se longe dos dogmas políticos e religiosos. Tenta transformar a Razão em bússola em um momento de crise e caos social. A frase de Hegel de que “a coruja de Minerva levanta voo somente no entardecer” (a Razão torna-se mais forte em momentos de obscurantismo) seria a convicção salvadora de Fernando.

quinta-feira, outubro 04, 2012

Em busca do Cinema Acontecimento

Uma época em que o cinema não era apenas entretenimento, mas um acontecimento capaz de transformar vidas. Do início do cinema lembramos principalmente dos Irmãos Lumière e de Meliés. Mas poucos pesquisadores dão espaço para relatos sobre uma produção cinematográfica norte-americana do começo do século XX que tematizava os conflitos capital-trabalho, o sindicalismo e a dura vida de imigrantes e trabalhadores em fábricas e minas. O maravilhamento do primeiro público do cinema formado pelos estratos inferiores da sociedade ao se ver representado na tela transformava as primeiras salas de cinema em eletrizantes acontecimentos de participação e interatividade. Logo esses verdadeiros filmes-acontecimentos foram reprimidos e enquadrados por Hollywood e, a partir de 1924, considerados "anti-americanos" (comunistas) pelo Bureau of Investigation de Edgar Hoover. Desses primeiros tempos ficou o desejo da ruptura da ordem e da rotina que nos acompanha a cada ida ao cinema, o anseio pelo Acontecimento. 

Para a maioria dos espectadores, ir ao cinema não é uma atividade que esteja associada ao perigo e comportamentos transgressivos. Tido como um local onde fantasias podem ser vividas e tudo pode acontecer em um universo ficional, está mais comumente associado ao entretenimento ou, no mínimo, a uma fuga dos problemas ou do esquecimento momentâneo dos aborrecimentos do dia-a-dia.

Mas nem sempre foi assim ou, talvez, nunca tenha sido. De um lado há uma história descrita por pesquisadores que localiza no chamado primeiro cinema um tipo de experiência estética que não se resumia unicamente a uma forma de entretenimento: pelo contrário, era uma forma de experiência que poderia transformar vidas; de outro, pesquisas críticas que descrevem o cinema e a própria experiência estética como uma arena de tumulto e contenção, quebras e retornos à ordem, crítica e reação. Para esses pesquisadores, desde o primeiro cinema e a posterior industrialização, enquadramento e controle, o cinema traria ainda dentro de si a potencialidade em transcender a si mesmo, mudar vidas de espectadores, transformar a experiência estética em um acontecimento.

domingo, setembro 30, 2012

O olhar surrealista sobre o consumismo em "Little Otik"

Se nos contos de fadas tradicionais ogros, lobos e bruxas ameaçam devorar crianças, em “Otesánek” (Little Otik, 2000) do animador e diretor checo Jan Svankmajer vemos o inverso: uma criança ameaça devorar seus próprios pais. Ligado ao movimento surrealista desde a década de 1970, Svankmajer oferece um olhar carregado de humor negro sobre uma cultura de consumo baseado na regressão infantil à compulsão e voracidade oral onde objetos assumem dimensões fetichistas e mágicas ganhando vida própria, e nos prometendo a redenção das frustrações. O olhar surrealista de Svankmajer questiona: estaria nessa verdadeira cultura da devoração do outro a origem das guerras, desigualdades e terrorismo do mundo contemporâneo?

Membro do movimento de artistas surrealistas checos desde os anos 1970, Jan Svankmajer possui em seu currículo uma série de curtas e filmes longa metragem onde animações em stop motion, fantoches e animações 2D interagem com atores. Como cineasta, tenta livrar seu trabalho de tendências decorativas, maneiristas ou “artísticas” (palavra que Svankmajer rejeita em favor da “criação”) para buscar em suas narrativas realidades disfarçadas por trás do utilitário e do convencional.

Dessa maneira, Svankmajer neste filme “Otesánek” (Little Otik, 2000) transforma o prosaico ato de comer associado a um conto de fadas checo e referências explícitas a Luis Buñuel (como na sequência onde um homem pega bebês e os envolve em jornais para serem vendidos com peixes para a ceia de Natal) como metáforas do inconsciente por trás da cultura do consumo.

“Little Otik” é baseado em um antigo conto de fadas tcheco sobre um casal que descobre que não pode ter filhos, mas adquire um bebê de forma incomum: o Sr. Horák, um pacato burocrata que trabalha em uma repartição, ao cavar a terra no fundo do jardim para arrancar uma árvore, encontra uma raiz com forma curiosa que lembra vagamente uma criança. Horák esculpe a raiz dando formas definitivas e apresenta à esposa que, de imediato, adota como um bebê imaginário: secretamente lhe dá banho e o “alimenta”. 

quarta-feira, setembro 26, 2012

Espiritismo e iconolatria no filme "Chico Xavier"

Mais do que um filme que evita tratar o tema Espiritismo para um nicho de público especializado, "Chico Xavier" de Daniel Filho apresenta um sintoma do destino da religisiosidade e do sagrado na atualidade. Ao tratar o tema de forma comercial para um grande público (sejam ateus, católicos ou mesmo espíritas) acaba reduzindo o Espiritismo ao mínimo denominador comum de toda religiosidade na indústria do entretenimento: iconolatria e um, por assim dizer, ecumenismo pós-moderno que filtra a vida de Chico Xavier através do ideário pragmático da autoajuda.

Depois da comédia de costumes, os olhos do cinema de massa do chamado período de “retomada” do cinema brasileiro volta-se para o Espiritismo e religiosidade. Depois do sucesso de “Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito” de Glauber Filho e José Pimentel, o diretor Daniel Filho (no esteio de sucessos de bilheterias à época como “Se Eu Fosse Você”) explorou esse novo filão temático do cinema brasileiro.

A primeira coisa que chama a atenção no filme “Chico Xavier” é o apuro técnico com muitos travellings e movimentos de grua com câmera, a decupagem “clipada” e inquieta, a narrativa marcada por sucessivos flash backs (o eixo da narrativa – o “tempo presente” – é a noite da histórica participação do protagonista no Programa “Pinga Fogo” da TV Tupi em 1971 que, programado para uma hora, acabou se estendendo para três). 

domingo, setembro 23, 2012

Desconstruindo o yuppie em "Depois de Horas"

Depois da experiência da direção do filme “O Rei da Comédia” com um amargo Jerry Lewis e um esquizofrênico Robert De Niro, Martin Scorsese mergulhou de cabeça na paranoia e ansiedade em “Depois de Horas” (After Hours, 1985). O filme tornou-se o paradigma de um curioso subgênero da década de 1980, o “Desconstruindo o Yuppie” onde um protagonista certinho e bem sucedido é vítima de uma sequência de eventos em cadeia exponencialmente perigosos. Forma e conteúdo do filme coincidem com a própria experiência estética do espectador que caracteriza o cinema: o “deixar se perder” no fluxo da edição e montagem. Porém, “Depois de Horas” não consegue transformar-se em “cinema acontecimento”, limitando-se a um terapêutico “cinema recuperativo” que nos prepara a voltar para a realidade quando são acesas as luzes do cinema.

A vivência da experiência estética de produtos ficcionais do cinema ou da TV é totalmente distinta do assistir um telejornal, da leitura da imprensa escrita ou do radiojornalismo. O jornalismo estaria no campo do profano, dos discursos racionais, enquanto os produtos ficcionais estariam no campo do sagrado (festas e envolvimento coletivo e emocional) onde os participantes consentem em se “perder”.

Desde o primeiro cinema o perigo, a ansiedade, a paranoia, a vertigem e a perseguição se constituíram na essência de uma mídia onde a sensação de desorientação e quebra da ordem passou a ser o elemento definidor da experiência estética – não é à toa que o primeiro gênero de sucesso popular no cinema foi o filme de perseguição com o “The Great Train Robbery” de 1903.

Talvez um dos filmes que melhor exemplifique essa natureza da experiência do cinema seja “Depois de Horas” de Martin Scorsese. Nele acompanhamos um protagonista em uma situação tal e qual Alice de Lewis Carroll: ele irá escorregar por um buraco urbano que o fará encontrar um submundo onde “após a meia-noite as leis mudam”, como afirma um dos alucinados personagens que ele encontrará em sua jornada.

segunda-feira, setembro 17, 2012

Hollywood e a engenharia dos sonhos dos ratos do MIT

Coincidência? A vida imita a arte? Ou simplesmente o cinema hollywoodiano é um instrumento para tornar a agenda tecno-científica atual politicamente aceitável e natural para a sociedade? Uma dupla de pesquisadores do Departamento de neurociências do MIT anunciou em artigo publicado na “Nature Neuroscience” online o sucesso na manipulação do conteúdo de sonhos em ratos. Isso abriria a perspectiva de uma “engenharia dos sonhos”: o controle amplo das memórias através de bloqueios, seleção ou alteração. Isso faz lembrar uma série de filmes cujos roteiristas anteciparam ou simplesmente replicaram essa agenda de início do século: “Quero Ser John Malkovich”, “Vanilla Sky”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, “Ciência dos Sonhos”, entre outros.

Foi publicado neste mês um artigo de Matthew Wilson e Daniel Bendor na edição on line da “Nature Neuroscience” intitulado “Biasing the Content of Hippocampal Reply During Sleep” (leia aqui o artigo). Os autores são, respectivamente, professor do Departamento de Neurociências e pesquisador do Instituto de Aprendizagem e Memória do MIT (Massachusetts Institute of Technology – EUA). No artigo descrevem o sucesso na manipulação dos conteúdos de sonhos de um rato. Segundo eles, a descoberta reforçaria a nossa compreensão de como a memória se consolida durante o sono, produzindo a perspectiva da criação de uma espécie de “engenharia do sonho”.

O cientista explorou a forma como o hipocampo do cérebro codifica os eventos na memória. A equipe de Wilson e Bendor treinou um grupo de ratos a percorrer um labirinto usando duas diferentes orientações sonoras, ao mesmo tempo em que eram gravadas as atividades neurais. Mais tarde, quando os ratos estavam dormindo, os pesquisadores registraram a mesma atividade neural (os ratos sonhavam com as atividades no labirinto do dia anterior). Os mesmos sinais sonoros de orientação foram tocados, quando os pesquisadores perceberam algo interessante: os ratos sonhavam com a mesma seção do labirinto correspondente ao sinal que era tocado.

Olhando para o futuro, os pesquisadores acreditam que este exemplo simples de “engenharia sonho” poderia abrir a possibilidade de um controle mais amplo do processamento da memória durante o sono - e até mesmo a noção de que as memórias podem ser selecionadas ou reforçadas, bloqueadas ou alteradas. Wilson e Bendor também apontaram para a possibilidade de se desenvolver novas abordagens à aprendizagem e à terapia comportamental através de tipos semelhantes de manipulação cognitiva.

domingo, setembro 16, 2012

O corpo é uma prisão em "Quero Ser John Malkovich"

Muitos consideram o filme “bizarro”, “esquisito” e “sem sentido”. Antes das viagens ao interior da mente em filmes como “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) e “Sinedoque: Nova York” (2008), o roteirista Charlie Kaufman nos oferece a estranha narrativa do filme “Quero Ser John Malkovich” (Being John Malkovich, 1999). Em parceria com o diretor Spike Jonze, Kaufmann conta uma parábola contemporânea  sobre identidade, mediações, avatares e reencarnação através de pessoas que querem encontrar a felicidade no corpo de outras pessoas. Como? Escorregando para o interior da cabeça de um famoso ator: John Malkovich.

Você já se sentiu preso em seu próprio corpo, desejando ardentemente ir para outro lugar e ter um novo nome, novo emprego e até mesmo uma nova personalidade?  Você já teve fantasias escapistas de ganhar na Mega Sena para fugir de uma rotina cinzenta, ficar milionário e ter o amor e as coisas com que sempre sonhou? 

Até onde você estaria disposto a ir para ganhar dinheiro, ou seja, achar que seria uma boa ideia invadir a privacidade de uma pessoa através de um telescópio instalado em seu escritório e cobrar taxas de pessoas que querem secretamente espionar a vida de alguém famoso? Você sempre quis ser famoso não apenas por 15 minutos, mas se tornar um tipo que usasse óculos de sol apenas para dar um passeio em torno do quarteirão e não ser reconhecido e incomodado por pedidos de autógrafos? 

Finalmente, você já foi incomodado por pessoas que lhe fazem perguntas como estas?

Pois se você respondeu “Sim” a algumas dessas perguntas ou se mesmo acha tais perguntas totalmente sem sentido está preparado para assistir a um filme estranho, bizarro e nonsense chamado “Quero Ser John Malkovich”.

Um titereiro fracassado chamado Craig (John Cusack) vive com sua esposa Lott (Cameron Diaz, irreconhecível) e com um chipanzé vitimizado por um “trauma infantil”. Desempregado, autoindulgente (se vê como um “artista torturado”) Craig consegue um misterioso novo emprego que unicamente exige do candidato “dedos ágeis”. Lá encontra uma porta escondida por trás de um arquivo que conduz a um escuro é úmido túnel que o faz escorregar para dentro da mente do famoso ator John Makovich, onde pode permanecer por 15 minutos vendo e experimentando sensações por meio da mente hospedeira. 

Passado o tempo limite, Craig é cuspido para uma estrada na periferia da cidade. Impressionado com a descoberta, resolve montar um negócio vendendo passagens para outras pessoas infelizes com suas próprias vidas que desejem ser por, alguns instantes, outra pessoa.

sábado, setembro 08, 2012

Nos abismos metalinguísticos da TV Globo

No ônibus-estúdio do programa “Globo Esporte” da TV Globo o jornalista Tiago Leifert comanda uma espécie de “narrativa em abismo” em pleno CT do São Paulo F.C.: um programa televisivo em um estúdio itinerante mostra através do monitor que compõe o cenário um evento (coletiva do técnico da seleção brasileira de futebol Mano Menezes) programado para coincidir com o próprio programa esportivo global. Qual é afinal a notícia: a novidade do ônibus-estúdio estacionado no meio de um centro de treinamento ou a coletiva que, no final, era um “evento-encenação” programado para acontecer dentro da grade horária da emissora? Nesse abismo metalinguístico encontramos tanto o resultado da evolução histórica das mídias quanto a constituição do próprio monopólio midiático e político da TV Globo.

Vemos imagens de uma tomada aérea do Centro de Treinamento do São Paulo FC e percebemos, em destaque, no centro do campo visual, o teto do ônibus-estúdio do programa “Globo Esporte” da TV Globo. Corta para dentro deste estúdio onde vemos o apresentador Tiago Leifert fazendo as tradicionais introduções ao noticiário esportivo da seleção brasileira. Em segundo plano uma tela onde vemos a imagem do repórter Mauro Naves, pronto para iniciar a cobertura de uma coletiva à imprensa com o técnico da seleção brasileira Mano Menezes. “Está iniciando nesse momento a coletiva do técnico da seleção...”, começa a falar o repórter. Na verdade “está iniciando nesse momento” é um eufemismo para dizer “está iniciando dentro do Globo Esporte”, isto é, a assessoria de imprensa da CBF apenas esperava a introdução de Tiago Leifert para iniciar o evento.

A imagem do apresentador do Globo Esporte tendo ao fundo uma tela de um evento logisticamente programado para a grade horária da TV Globo produz uma estranha sensação daquilo que os teóricos do cinema chamam de “narrativa em abismo”: vemos um filme sendo produzindo e dentro dele outro filme também é produzido. Um curioso efeito recursivo, reforçado pelo enquadramento de câmera que sugere uma “profundidade de campo” que lembra o expressionismo alemão e o filme noir: quadros dentro de quadros com a presença de janelas, portas e espelhos.

Porém, estamos falando de uma emissora de TV com controle monopolístico onde tudo isso que descrevemos acima nada tem a ver com os profundos significados que a profundidade de campo produz na narrativa cinematográfica - ligação com outras dimensões, o medo e ilusões. Há uma espécie de saturação ou abismo metalinguístico: os sistemas de comunicação midiáticos parecem funcionar como se eles mesmos fossem o mundo e como se não houvesse nenhum mundo além deles.

sábado, setembro 01, 2012

A "zona cinza" do conservadorismo

Em debate na Faculdade de Ciências Sociais da USP sobre “A Ascensão Conservadora em São Paulo”, a filósofa Marilena Chauí sugeriu em sua fala uma interessante conexão entre os “aparatos neoliberais” oferecidos à classe média, o encolhimento da esfera pública e a expansão da privada e o conservadorismo político. Talvez tenhamos aqui uma novidade: a percepção de uma zona cinza ou desconhecida ainda não plenamente explorada nem pela psicologia ou pelas ciências sociais: seriam possíveis os aspectos sensoriais e cognitivos envolvidos nas diferentes "acoplagens" das pessoas com esses “aparatos” (automóvel, computador, celulares, TV etc.) moldarem visões de mundo e ideologias?

Na história da ciência a psicologia social surgiu como uma tentativa de criar uma ponte entre as ciências sociais (sociologia, antropologia e ciência política) e a psicologia. Na verdade, procurava dar conta de uma urgência muito mais dramática: compreender os movimentos ideológicos de massa do século XX (em particular o nazi-fascismo) baseados no linchamento, racismo, homofobia e fanatismo coletivos. Entender o porquê do surgimento de uma psicologia de massas que, muitas vezes, era diametralmente oposta à individual: indivíduos aparentemente civilizados de repente podem tornar-se violentos e regressivos em ambientes públicos e de interação interpessoal.  

Esforços como os estudos sobre a formação da personalidade autoritária liderados por Theodor Adorno na década de 1950 e a criação da chamada “Escala F” (a aplicação de um questionário para detectar traços protofascistas na personalidade) tentavam compreender a dinâmica desse “encaixe” entre o individual e o coletivo.

A fala da filósofa Marilena Chauí em um debate sobre “A Ascensão Conservadora em São Paulo” na Faculdade de Ciências Sociais da USP no dia 28 (veja vídeo   abaixo) sugeriu um novo enfoque nessa discussão: a conexão entre os “aparatos neoliberais”, encolhimento da esfera pública e o conservadorismo da classe média paulistana.

Chauí parte do fenômeno clássico objeto da psicologia social: “a classe média paulistana é um mistério. Convidam você para ir a casa deles, é bem recebido, fazem uma comida especial para você, te levam até a porta, oferecem carona etc. Mas basta dirigir um carro, entrar numa fila ou num espaço que deve ser compartilhado para se transformarem em bestas selvagens”.

quinta-feira, agosto 30, 2012

"Matrix" revisitado: por que Jean Baudrillard não gostou do filme?

“’Matrix’ é certamente o tipo de filme sobre a matriz que a matriz teria sido capaz de produzir”, afirmou de forma mordaz o pensador francês Jean Baudrillard em uma das raras entrevistas sobre o filme dos irmãos Wachowski. Além dos irmãos terem se inspirado no livro “Simulacros e Simulações” do francês para o argumento de “Matrix”, convidaram-no para assessorar a continuação da trilogia. Baudrillard prontamente declinou do convite passando a raramente opinar sobre a relação do filme com seus conceitos filosóficos. Em uma das poucas entrevistas sobre o filme concedida ao "Le Nouvel Observateur" em 2003, Baudrillard criticou a ausência de ironia em "Matrix" e de ter tomado os princípios de "simulacro" e "simulação" a partir das categorias da realidade.

Certamente o filme “Matrix” tornou-se um clássico, não tanto pelas suas virtudes cinematográficas (na verdade, um típico blockbuster com todas as convenções do gênero), mas por ter se tornado uma síntese dos temas explorados em filmes como “Show de Truman”, “O Décimo Terceiro Andar”, “Ed TV” etc.: as crises decorrentes do apagamento das fronteiras entre o real e o virtual. Embora o filme faça uma alusão ao pensador francês Baudrillard, nas poucas entrevistas concedidas sobre “Matrix” ele demonstrou a estranheza de ver um conceito filosófico transposto para a realidade com muitos efeitos especiais. Para ele, o filme foi equivocado em aproximar o tema da noção do Mito da Caverna de Platão, além de conceber a simulação da matriz a partir das categorias da realidade.

Na entrevista que transcrevemos abaixo concedida ao Le Nouvel Observateur, Baudrillard afirma que o equívoco de Matrix foi retirar a ambiguidade do choque entre o virtual e o real e conceber a Matriz como uma tecnologia de onde é retirado o perigo e o negativo. Uma narrativa esquemática onde o deserto do real (sujo, decadente e perigoso) é substituído por uma tecnologia maquiavelicamente precisa, onde até as anomalias e revoltas já estariam previstas nas equações. Em outras palavras, sob a aparente crítica “Matrix” representaria um sintoma do fascínio cultural pelas tecnologias computacionais.

domingo, agosto 26, 2012

Ocultismo e política no fenômeno viral "I, Pet Goat II"

Propaganda Iluminati? Denúncia à hipocrisia da política anti-terror dos EUA? Uma metáfora da decadência espiritual do Ocidente? O curta canadense de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral da Internet, produzindo as interpretações mais extremas. Elegante e ao mesmo tempo bizarro, o vídeo mergulha em uma série de simbolismos relacionados com fundamentalismo religioso, propaganda política e ocultismo. Mas ao mesmo tempo a narrativa contém uma estranha ambiguidade: será que o vídeo não cai na mesma armadilha ideológica de todos os fundamentalismos que procura denunciar – o messianismo?

O curta de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral na Internet. O curta multiplicou-se em uma série de vídeos onde se tenta enumerar e explicar, sequência por sequência, os inúmeros simbolismos presentes na animação do canadense Louis Lefebvre. Simbolismos políticos, místicos, ocultistas e conspiratórios que fazem a delícia tanto dos teóricos de conspirações quanto dos estudiosos em propaganda e política internacional.

O curioso é que as interpretações são ambíguas e extremas: de um lado veem na animação uma denúncia à política anti-terror dos EUA e a utilização da religião como forma de manipulação das mentes conformadas; do outro, interpretam o vídeo como uma propaganda Iluminati e o personagem central da narrativa (Jesus redivivo sob uma roupagem esotérica) como o próprio Anti-Cristo que estaria por trás da construção da chamada “Nova Ordem Mundial” (NWO, em inglês).

O curta de animação é uma produção do estúdio canadense Heliofant (o nome sugere um trocadilho entre o termo “hierofante” – sacerdotes da alta hierarquia dos mistérios da Grécia e Egito antigo -  “Heliópolis” – cidade do antigo Egito cuja divindade máxima era “Rá”) formada por um grupo de artistas nas áreas de dança, música, animação digital e artes visuais. Nas palavras de Louis Lefebvre, a proposta do estúdio é “explorar diversas tradições espirituais e filosóficas em diferentes formas líricas” (veja “Interview with Director of I, Per Goat II Louis Lefebvre”). E a animação “I, Pet Goat II” atinge esse objetivo de forma simultaneamente elegante e bizarra: pelo acúmulo de simbolismos e personagens mitológicos (“O Guardião do Fogo”, “O Feiticeiro”, “A Pietá” etc.) em um estranho universo gelado e sombrio, ficamos nos perguntando o tempo inteiro “o que isso quer dizer?” a cada cena.

sexta-feira, agosto 24, 2012

A paranoia gnóstico-noir do filme "Ilha do Medo"

Para quem lida com pesquisa sobre a recorrência de temas gnósticos na produção cinematográfica atual, ver Ilha do Medo (Shutter Island, 2010) faz lembrar de toda uma gama de filmes (Matrix, Cidade das Sombras, Show de Truman, Amnésia, Décimo Terceiro Andar etc.) que tematizam a paranoia e a esquizofrenia como caminhos para o despertar da consciência frente à realidade ilusória artificialmente criada por uma trama conspiratória.

Scorsese constrói uma pesada e tensa atmosfera típica dos filmes noir (gêneros de filme norte-americano dos anos 1940-50 notabilizado pela fotografia em preto e branco com alto contraste e personagens com motivações cínicas em um mundo que se desfaz em névoas e chuva) , com toda a iconografia e simbologia do gênero (neblina, fogs, fumaça de cigarros, chuvas e tempestades, overcoats, vidros e espelhos) sobre a estória de dois policiais federais (Teddy – Di Caprio e Chuck – Mark Ruffalo) que desembarcam numa ilha onde está instalado um manicômio judiciário. Estão lá para desvendar o mistério do desaparecimento de uma prisioneira em uma ilha cuja fuga é impossível. 

O detalhe importante é que a narrativa se situa no ano de 1952, no auge da paranoia da opinião pública norte–americana sobre a Guerra Fria e o anti-comunismo, contexto que potencializa ainda mais a vertigem paranoica do filme.

Como em todo filme noir onde nada é o que aparenta ser, Teddy encarna o personagem arquetípico do Detetive: ele tem que resolver um enigma proposto, sem saber que a solução final desse enigma levará à própria identidade perdida ou esquecida. Esta perda cria o estado de paranoia: em quem confiar? Como distinguir a verdade da mentira, a ilusão da realidade? Por que os fatos se sucedem sem causalidade? Como saber se o que ele sente é sanidade ou loucura?

terça-feira, agosto 21, 2012

Nova versão de "O Vingador do Futuro" neutraliza visões de Philip K. Dick

A versão atual de “O Vingador do Futuro” (Total Recall, 2012) à primeira vista parece ser mais fiel ao conto de Philip K. Dick ao adotar uma narrativa mais séria, grave e sombria do que o original de 1990 de Paul Verhoeven. Mero engano. Como é possível um filme hollywoodiano assumir a virulência de um escritor que denunciava conspirações cósmicas e pregava a revolta contra sistemas autoritários de controle em nome de ideais ocultistas e esotéricos? Por meio de sutis estratégias que neutralizam as visões radicais de K. Dick permitindo ao espectador voltar para a sua rotina como se nada tivesse acontecido depois que as luzes do cinema forem acesas.

Desde que o escritor norte-americano Philip K. Dick atendeu à campainha da sua casa em março de 1974 e surgiu uma menina de entrega de uma farmácia usando um delicado colar de onde pendia um peixe dourado, sua vida nunca mais foi a mesma. Se desde a década de 1950 K. Dick escrevia livros e contos sobre conspirações cósmicas, universos paralelos, amnésia, paranoia, estados ambivalentes entre a realidade e ilusão e revolta contra sistemas autoritários de controle, essa prosaica experiência de atender a uma entrega confirmou tudo o que imaginava: viu um raio cor de rosa sair do peixe (símbolo do Cristianismo primitivo) e atingi-lo na região do terceiro olho (sobre esse episódio da gnose do escritor veja links abaixo).

A partir daí, o tecido da realidade se esgarçou para K. Dick que passou a vislumbrá-la como um constructu a partir de memórias artificiais implantadas em cada um de nós: descobriu em uma espécie de epifania religiosa que seu verdadeiro eu estava em uma realidade alternativa, arquetípica, negada pela artificialidade dessa realidade.

O conto “We Can Remember it for You Wholesale” (“Recordações por Atacado”) publicado em 1966 é um dessas visões de K. Dick sobre a fragilidade da noção de realidade (como escreve no conto “um conjunto de reações bioquímicas do cérebro estimuladas por impulsos visuais”). Após o grande sucesso de “Blade Runner – O Caçado de Andróides” de 1982, baseado em um livro de K. Dick (Do Androids Dream of Eletric Sheeps?), Hollywood interessou-se pelos insights assumidamente gnósticos do escritor.

sexta-feira, agosto 17, 2012

O drama subliminar da música de sucesso

A música popular de sucesso esconde um drama subliminar: a tensão entre o beat, ritmo, melodia e harmonia. E essa tensão é resolvida pelas seguintes maneiras: imposição de uma estrutura circular, o tempo padrão, a linguagem tatibitate e dependência oral e a auto-referência. Se Freud estiver correto ao afirmar que toda produção simbólica humana como a arte, religião e mitologia partilham do mesmo processo primário da elaboração neurótica do inconsciente como o devaneio, o sonho e o pensamento infantil, essa tensão presente na música seria aquela existente entre inconsciente e sociedade. A diferença, é que no hit popular essa tensão é mais ampla: a luta entre as necessidades mercadológicas da indústria do entretenimento e a liberdade.

“Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló, “Vem Dançar com Tudo” de Robson Moura e Lino Krizz (tema da novela "Avenida Brasil" da TV Globo) e “Eu Quero Tchu Eu Quero Tcha” de João Lucas e Marcelo. Por mais que torçamos o nariz para esses hits efêmeros, temos que admitir que esses produtos midiáticos expõem de forma explícita os mecanismos de criação da indústria do entretenimento. São exemplos didáticos pelo seu esquematismo, repetição e clichê.

Ouvir essas músicas não é apenas um tipo de entretenimento, mas em termos de conteúdo significa viver. Numa análise estrutural da harmonia das canções populares percebe-se uma estrutura básica periódica ou cíclica refrões e riffs que se repetem criando uma tensão que aprisiona a melodia. A música termina sempre exatamente onde começou, o que explica, em geral, o final da canção terminar lentamente em BG: nenhum processo é concluído porque nada aconteceu.

Para pesquisadores alemães sobre a canção de massas como S. Schädler (“Das Zyklische und das Repetitive: Zur Struktur populärer Musik” In: Prokop, Dieter: Medienforschung, 2011) e Carmen  Lakaschus (“Die Kommunikationswirkung des Werbefernsehens”, Bauer, 1973) , o tempo cíclico das canções corresponde à própria natureza cíclica dos eventos da vida cotidiana: amor, objetos, sexualidade, natureza etc.


Ao analisar o fenômeno da música de massas esses pesquisadores aproximam-se bastante das ideias sobre emoção estética em Freud como descarga (neurótica) de intensidades afetivas por meio de condensações e deslocamentos (em termos linguísticos por metáforas e metonímias). Schadler faz uma interessante análise estrutural da canção popular ao descrever uma espécie de “drama subliminar” que ocorreria no interior de cada sucesso: afetos, emoções, aspirações e desejos em tensão com a ordem social do tempo cíclico e repetitivo das normas e demandas sociais, representados na música na tensão entre ritmo, riffs e refrões cíclicos que confinam da melodia.

quarta-feira, agosto 15, 2012

Requiém para um esporte no Museu do Futebol

Figuras fantasmagóricas se movimentam em telas dentro de ambientes escuros como imagens passadas de um esporte que já não mais existe. O Museu do Futebol parece um requiém da indústria do entretenimento a um esporte que ela mesma ajudou a transformar, destruindo tudo aquilo exposto e celebrado pela Exposição. Um exemplo da ironia da "reversibilidade simbólica" onde a linguagem destrói tudo aquilo que ela tenta representar:" a mais alta pressão por informação corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real".


Visitei o Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, aqui em São Paulo. Enquanto caminhava pelas instalações high tech (multimídias, interativas etc.) insistentemente vinha à mente a tese do pensador francês Jean Baudrillard de que "a mais alta pressão por informação corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real"quando a mídia se erotiza, é porque o sexo deixou de existir; quando se fala muito de informação, é porque esta também deixou de existir, e assim por diante. Todas as coisas parecem perder a sua existência semiológica a partir do momento em que tentamos representá-las. A fotografia e a câmera apenas representam aquilo que já passou. O signo só pode representar a própria coisa a posteriori, depois que ela deixou de existir. Tudo o que conseguimos é sempre a presença de uma ausência.

Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real. 

domingo, agosto 12, 2012

"Efeito Copycat", violência e sincromisticismo

Poucos dias depois do massacre do Colorado, um atirador invadiu um templo religioso Sikh (religião hindu que combina hinduísmo e islã) em Oak Creek, Wisconsin (EUA), e disparou matando pelo menos sete pessoas. Entre as vítimas, o suspeito morto pela polícia. Existe uma conexão ou um padrão entre esses dois episódios? Para o pesquisador Loren Coleman, sim. Seria o que ele denomina como “efeito copycat”, efeito de imitação de criminosos a partir da repercussão que a mídia oferece a esse tipo de notícia. Sob as camadas sociológicas e conspiratórias desses acontecimentos apontadas pelo seu livro “The Copycat Effect - How the Media and Popular Culture Trigger the Mayhem in Tomorrow’s Headlines”, Coleman em seu blog Twilight Language observa as ondulações sincromísticas por trás de eventos aparentemente aleatórios.

Loren Coleman é um pesquisador com uma curiosa formação multidisciplinar: sociologia, psicologia, além de transitar pelos campos da parapsicologia, parapolítica e, de quebra, é um notório criptozoologista. A partir do livro “The Copycat Effect” onde estuda os comportamentos suicidas e homicidas a partir do contágio pelo sensacionalismo noticioso das mídias, Coleman não se limitou ao clássico diagnóstico sobre o poder hipordérmico dos meios de comunicação manipular e influenciar como uma estratégia de lavagem cerebral. 

Ele procura ir além dessa superfície: procura explorar conexões e significados ocultos via sincromisticismo, onomatologia (estudos dos nomes) e toponimia (estudo dos nomes dos lugares) em seu blog Twilight Language.


Explicando melhor, buscar padrões e coincidência significativas que envolvam nomes, lugares, comportamentos, atitudes etc. Por exemplo, o atentado ao um templo silkh dias depois ao atentado a um cinema em Aurora contém uma curiosa coincidência: as igrejas estão cada vez mais parecidas com salas de cinema e muito movimentos de mega-igrejas começaram em salas de cinema compradas ou alugadas.

segunda-feira, agosto 06, 2012

Gnosticismo no MAD TV?

Criada nos anos 1950, a revista MAD sempre foi carregada de sátira e crítica social. Chegou a ser investigada pelo FBI na era da Guerra Fria. Mas parece que tudo ficou para trás: o vídeo-clip “Flammable” (paródia do clip “Firework” da cantora pop Katy Perry) do programa “MAD TV” do canal infantil Cartoon Network consegue ser mais conservador que o produto pop original. Para nossa surpresa exploram a mitologia gnóstica libertária da centelha divina e da condição humana prisioneira ao associá-la à situação de marionetes controladas e manipuladas. Porém, as autoridades (bombeiros e policiais) nos alertam: cuidado com o que vocês sonham. Vocês podem ser presos!

Férias com crianças em casa nos reservam sempre surpresas. Principalmente ao acompanhar junto com elas os canais infantis. Para minha surpresa deparei-me com o programa “Mad TV” no Cartoon Network. Baseado na antiga revista MAD o programa humorístico de esquetes satiriza filmes, atores e a cultura pop norte-americana.

Lia a revista Mad na minha adolescência nos anos 1970 que, de tão bem sucedida no mercado brasileiro naquela época, passou a fazer sátiras de novelas, mini-séries e filmes brasileiros. Por isso, acompanhei com grande curiosidade para ver se ainda mantinha o espírito irreverente e, principalmente, contestador e anárquico da revista, sintonizada que estava com a contracultura e quadrinhos underground da época.

Um dos esquetes era um videoclip chamado “flammable” estrelado por marionetes, uma paródia do clip “firework” da cantora norte-americana Katy Perry.  O vídeo começa com uma marionete parodiando Katy Perry ("Katy  Puty") caminhando até uma varanda. Ela começa a cantar sobre como as pessoas são deprimidas e sombrias porque se veem como marionetes feitas de papel reciclado, sempre controladas e contidas. No entanto, ela exorta a todos que libertem o calor e o brilho que existem dentro delas. No entanto isso acaba sendo destrutivo porque as marionetes do clip de fato são feitas de papel e cera e começam a pegar fogo e derreter. No final, Katy Perry é presa por um policial e os demais personagens terminam queimados e derretidos.

quinta-feira, agosto 02, 2012

Zumbis invadem Havana em "Juan de los Muertos"

“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico. Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto: a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis: a criatura que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.

Definitivamente a vida de Cuba desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando em Miami e agora... zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme “Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica.

Com co-produção da espanhola La Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano, vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero descontrolado explodindo no Capitólio.

O longa cubano foi exibido na 22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia show de rock”, disse Alejandro. 

Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e que esse conceito político “perdeu completamente significado”.

Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.

quarta-feira, agosto 01, 2012

A "materialidade" das produções midiáticas (parte 1): rupturas tecnológicas

Imagine um álbum ao vivo da banda Led Zeppellin como o “The Song Remains the Same” de 1973. O conteúdo (um show no Madson Square Garden, Nova York) foi imortalizado por diversas mídias sucessivas ao longo das décadas: vinil, fita cassete, VHS, CD e, finalmente, mp3. Cada uma dessas mídias criou uma “acoplagem” diferente do usuário com os dispositivos de reprodução: caixas de som, o mono e o stéreo, headphones, tubos catódicos, telas LCD etc. Poderiam essas diferentes “materialidades” das mídias moldarem a qualidade da recepção estética, ideológica ou política do conteúdo transmitido?  Sim, de acordo com a chamada “Teoria da Materialidade da Comunicação” de Gumbrecht.

Certamente uma das linhas de pesquisas atuais sobre produção midiática é a “teoria da materialidade da comunicação” desenvolvida por pesquisadores do departamento de Literatura Comparada da Stanford University. O principal articulador da Teoria das Materialidades é o alemão  Hans Ulrich Gumbrecht, ao lado de um grupo de pesquisadores europeus e norte-americanos como Jeffrey Schnapp, Niklas Luhman, Friedrich Kittler, entre outros. O termo “materialidades” no enfoque da comunicação não significa apresentar uma epistemologia absolutamente nova. Ao contrário, significa encarar, de uma maneira renovada, um aspecto bastante tradicional no fenômeno da comunicação.

Em primeiro lugar, quando se fala em “materialidades da comunicação” significa ter mente que todo ato de comunicação necessita de um suporte material para efetivar-se. Falar de “materialidades” a partir deste aspecto (significantes, suportes, meios etc.) parece tocar num aspecto tão óbvio ou já assentado no campo das discussões teóricas que nem parece ser digna de menção. Porém, esta aparente naturalidade parece ocultar aspectos decisivos: em que aspecto as diferentes mídias ou suportes (ou, então, canais) de comunicação alteram o regime de produção e troca de idéias? As mídias não podem ser consideradas apenas como diferentes sistemas de signos através dos quais os significados são transmitidos, de uma forma neutra e isenta de qualquer interferência. Cada mídia e dotada de uma ambivalência fundamental: por um lado transmite conteúdos e, ao mesmo tempo, altera o regime de produção e recepção e interfere nos próprios processos de recepção sentido das mensagens.

terça-feira, julho 31, 2012

A materialidade das produções midiáticas (parte 2): as "acoplagens"

Quais as diferentes “acoplagens” que os receptores têm com as diferentes mídias? Ao longo da história da comunicação, cada mídia criou um diferente regime de recepção (temporal e espacial). Oralidade, manuscrito, escrito até chegarmos ao impresso, cada uma dessas mídias criou uma cultura própria que altera a recepção, assimilação e compreensão de conteúdos. Discos de vinil e CDs foram os últimos representantes da “acoplagem” inaugurada pela cultura tipográfica que será desmaterializada pela cultura digital do mp3.

Sendo as materialidades da comunicação “a totalidade dos fenômenos que contribuem para a constituição do sentido sem serem, eles próprios, sentido”[1], vamos fazer uma breve análise de como os diferentes suportes (indiciais, icônicos e simbólicos) produzem distintas formas de interações ou “acoplagens” entre o usuário e a mídia, alterando os regimes de produção de sentido: as relações entre enunciado e enunciação, a natureza do discurso e a própria experiência temporal. Isso poderá ser mais drasticamente observado na passagem das mídias icônicas para as simbólicas, ou seja, dos processos de inscrição analógicos para as digitais. Aqui, novamente, poderemos constatar a crise das noções de referência, tempo e totalidade descritas por Gumbrecht.

segunda-feira, julho 30, 2012

A vida antes das redes sociais no filme "Denise Está Chamando"

Por que um filme premiado em Cannes com o “Caméra D’Or” como “Denise Está Chamando” (Denise Calls Up, 1995) foi sendo pouco a pouco  esquecido nas prateleiras de VHS das locadoras pelas novas gerações? Talvez porque a narrativa tragicômica sobre alienação e estranhamento com o telefone tenha se tornado incompreensível para uma geração que euforicamente abraça as redes sociais onde a diferença entre noções como “presencial” e “simulação da presença” desapareceram. O filme é sobre uma geração onde telefone, secretárias eletrônicas e fax começavam a substituir as relações presenciais: sexo, morte e nascimento são eventos experimentados pelos personagens exclusivamente através do telefone com um mix de culpa e estranhamento. A comparação com o atual filme “A Rede Social” torna-se inevitável.

Estamos na era do e-mail, das chamadas telefônicas em espera, das secretárias eletrônicas e fax da chamada Geração X. É a década de 1990, uma época em que a comunicação não presencial começa a substituir a comunicação interpessoal: jovens que vivem em seus confortáveis isolamentos diante das telas de seus laptops imersos em trabalho, workhólics que não precisam mais encarar face a face amigos ou inimigos.

Embora o filme conte a estória de sete personagens, o principal personagem é mesmo o telefone. Todos são capazes de experimentar eventos relacionados com sexo, nascimento e morte (talvez as principais experiências de uma existência) através do telefone, sem qualquer contato interpessoal ao longo da narrativa. Todos experimentam um misto de culpa e alienação por nunca conseguirem ou, pelo menos, terem disposição para travar encontros presenciais. O trabalho é sempre a desculpa.

“Denise Está Chamando” é um filme sobre a geração pré-redes sociais onde havia um mal-estar nas comunicações impessoais. Ao contrário da atualidade onde isso desapareceu com os avatares, emoticons e eventos partilhados em fãs pages que criam a ilusão de participação e comunidade.

A materialidade das Produções midiáticas (parte 3): as desreferencializações

Imagine uma pessoa chegando a um restaurante. Ela pede o cardápio e começa a comer os signos dos pratos (as fotos) ao invés dos referentes (as comidas que são representadas no cardápio). Pois algo parecido ocorre nas mídias eletrônicas e digitais: passamos a tomar ícones, imagens e a própria tela como fosse o próprio real e não mais uma representação, como tínhams consciência nas mídas anteriores. O resultado é que nas novas tecnologias paradoxalmente as mídias atuias retornarão a muitas características das formas presenciais e orais de comunicação. As consequências encontraremos em diversos gêneros televisivos e digitais.


Como afirmamos na postagem anterior (veja links abaixo), a produção imagética eletrônica e digital, aparentemente icônica, podemos classificá-las como simbólicas. Se o signo simbólico caracteriza-se pelo corte semiótico, ou seja, a transferência da coisa para o signo, a autonomia e o desligamento do mundo significante, encontramos esta característica nas mídias das novas tecnologias. A relação contígua com objeto presente tanto na fotografia como no cinema desaparece nas tecnologias eletrônicas e digitais. O objeto é trans-codificado ou transcrito para a cadeia algorítmica dos significantes digitais. 

Aqui não encontramos nem a contigüidade e nem a similaridade icônica. Cores, tonalidades, luzes e sombras são convertidas para CDs e discos rígidos em seqüências de dígitos ou algoritmos. Temos a relação semiótica arbitrária dos símbolos com os traços sensíveis do objeto. Abertos estes arquivos numa tela de computador, temos a simulação de uma imagem a partir de uma matriz numérica.

Mesmo na TV temos a simulação através do bombardeio de raios catódicos nos pixels do tubo de imagem, originados a partir do sinal hertziano proveniente do rastreio eletrônico de uma imagem contiguamente criada na câmera dentro do estúdio. Tanto nas mídias eletrônicas como digitais temos a recriação ou transcrição do objeto, seja em pixels ou em algoritmos. Esta categoria de simulação é central para compreendermos a natureza crítica das novas tecnologias de comunicação.

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