domingo, janeiro 17, 2010

Evitar a remitologização do Sagrado no Cinema

Ao abordar o Sagrado, o Cinema explicita sua dialética: de um lado a possibilidade regressiva de fixar a mística na imagem e, por outro, liberá-la através do conceito e do simbólico.


A origem dessa postagem se deu em um leitura de férias, em um sítio em Cotia, São Paulo: a leitura de uma longa e densa tese de doutorado de Eduardo Gerreiro Losso, "Teologia Negativa e Theodor Adorno - a secularização da mística na arte moderna", tese defendida no Programa de Ciência da Literatura da UFRJ em 2007. Ao longo das suas 342 páginas, o autor destrincha a obra, correspondências e arquivos pessoais de Adorno em busca das referências teológicas do seu pensamento, principalmente no seu principal legado filosófico: a Dialética Negativa.

É impossível nesse espaço discutir essa obra fundamental, mas podemos traçar alguns insights que a discussão sobre Teologia, Mística, Razão e Fé podem trazer para o tema Sagrado e Cinema.

Como destaca Losso, o principal conceito da Teologia é o da "negatividade". Como Adorno localizou nos chamados teólogos heréticos, essa negatividade é a essência da mística: a união entre pensamento e experiência. O conceito de "negatividade" deriva do fato de que a busca de Deus ou do Sagrado não se localiza no mundo das idéias do pensamento ou nas abstrações que tentam compreender o infinito, mas na materialidade da experiência particular, no ínfimo, no precário. É a Metafísica em queda.

Ao contrário, o mito procura conciliar esses dois extremos (particular/universal, matéria/espírito, experiência/pensamento) através da imagem. A imagem do mito conterá o germe do conceito do pensamento racional do Iluminismo que liquida a experiência do particular em nome do Universal (Deus, Logos, Infinito, Devir etc.). A imagem de Cristo, dentro do sistema religioso do cristianismo, é um exemplo de remitologização da mística ao longo da história. A proibição na nomeação da palavra que designa Deus entre os judeus ou os avisos sobre a idolatria das imagens no Velho Testamento bíblico são alertas para o perigo regressivo das imagens. O conceito na Razão Instrumental, como alertam Adorno e Horkheimer na "Dialética do Esclarecimento", retorna ao perigo da imagem ao querer fazer coincidir o conceito com o objeto por meio da metodologia científica que almeja coincidir sujeito e objeto para a dominação instrumental do mundo.

A imagem, assim como o conceito, querem coincidir com a Verdade como se o signo (imagético ou científico) fosse a própria coisa, como se o mapa fosse o próprio território. Congela e sacrifica a experiência em nome de uma totalidade instrumental e abstrata (sistema religioso, sistema mercantil etc.). O resultado é a idolatria religiosa ou o autoritarismo tecnocrático e mercantil que impõem sofrimento e mal-estar.

O momento negativo da Teologia que a metafísica moderna deve incorporar, como defende Adorno, é o mergulho na experiência, mas não reduzindo-se à pequenez do particular. Por que nele está a abertura para o transcendente. É a busca de uma espécie de empirismo transcedental. Na impossibilidade de apreender no objeto, o inominável, o transcendente somente poderá se revelar pela mística. É o momento progressista da Razão e do pensamento simbólico: a linguagem se recusa a fixar-se em imagens para, por meio da própria abstração que revela a distância entre sujeito e objeto, liberar o inominável.

A mística, portanto, é o momento do encontro entre pensamento e experiência: de um lado o pensamento (abstração) e por outro a fugidia e inapreensível experiência particular do sensível. O que é essa dimensão mística para Adorno? Embora seja atraído por nomes da "teologia herética" associados a filosofias e práticas místicas e gnósticas (Novalis, Eckhart, etc), ele interessa-se menos pela viagens espirituais ou experiências místicas e muito mais pelo potencial crítico: desafio às autoridades instituídas (religiosas ou sociais) ao propor a possibilidade de uma realidade "totalmente outra". Principalmente a Estética e a Arte ocupariam, na modernidade, esse papel de uma teologia negativa.

Dialética Negativa no Cinema


Se o cinema é uma mídia visual, ou seja, edita, monta e põe imagens em movimento, como pode essa mídia, ao refletir sobre o tema do Sagrado, pode evitar cair na idolatria teologicamente regressiva das imagens?

Sabemos que a narrativa clássica constrói os seus pilares na busca pela ilusão de realidade. Encenação naturalista, mudanças invisíveis entre um corte e outro, continuidade de olhar e movimento, manutenção do eixo de 180 graus, sincronismo entre som e imagem. Cada cena é amarrada em si mesma e em função das cenas imediatamente anteriores e posteriores, em uma relação contínua de causa e conseqüência. O roteiro clássico obedece a uma métrica que determina a duração das partes do filme, como apresentação dos personagens, introdução do conflito, primeiro plot e assim por diante. A estrutura lógica e a busca incessante pela verossimilhança são pertinentes à natureza do discurso, colocando o espectador em contato direto com o significado e não causando possíveis dificuldades de leitura.

Esta ilusão de realidade, a identificação naturalista com a imagem, cria uma aparência de contato direto com o objeto fílmico, um prazer voyeurista de contato direto com o representado. Em essência: uma fetichização ou mitologização da imagem como se tornasse de ícone a índice da realidade. Mais que signo, a imagem torna-se decalque do objeto representado. Ao invés de representação, a ilusão de apresentação. Porém, paradoxalmente uma mitologização da imagem por meio das técnicas abstratas de montagem edição e do próprio aparato tecnológico do dispositivo.

É a própria Dialética do Esclarecimento: a Razão regride ao mito por meio da técnica e tecnologia. Mas, ao mesmo tempo a abstração da imagem e do conceito trás em si a negatividade: a mediação através da qual a experiência do particular pode aspirar a transcendência. Assim como para Adorno abstração matemática e formal da música abre espaço para elementos sensíveis e particulares (como o timbre e a densidade, por exemplo), no Cinema a edição e montagem são mediações para elementos sensíveis e particulares como a tonalidade, saturação, granulação e, inclusive, o própria experiência da recepção concreta do espectador.
O filme gnóstico, por exemplo, ao abordar seus temas místicos (gnose, ilusão da realidade etc.) evita uma remitologização do Sagrado por meio das imagens ao
seguir o sentido contrário desse prazer voyeurístico da narrativa clássica. A utilização dos instrumentos da ironia como a fragmentação, auto-referência, narrativas com pontos de vista inconciliáveis, confusão entre o ponto de vista da câmera e o ponto de vista da visão do personagem etc., dificultam a identificação primária com a imagem.

Por exemplo, em A Passagem (Stay, 2005) vemos deliberadas falhas de continuidade, lapsos, quebras de eixo, tudo para representar, na própria linguagem narrativa, o universo onírico no qual o protagonista está preso. O filme faz uma "desconstrução" (ou uma "negação da negação" na linguagem adorniana) do conceito e da imagem em três sentidos: primeiro ao apresentar a realidade como ilusão. Segundo, ao apresentar o próprio caráter da representação fílmica como ilusão. E, terceiro, ao utilizar uma voz narrativa que, no fundo, apresenta a própria condição limitada da recepção do espectador: assim como o protagonista da estória (Dr. Henry), o espectador não consegue vislumbrar a verdade por trás dos véus metonímicos e metafóricos (oníricos) da narrativa.

Esse caráter "meta" do filme gnóstico põe em suspensão sujeito/objeto, imagem/representado, conceito/significado, criando um "vazio cognitivo" que permite um distanciamento do espectador diante da imagem, explicitando a própria situação particular das condições de recepção de um indivíduo diante de uma tela. É o momento "negativo", a queda do conceito no particular. Ao invés do espectador ser absorvido pela imagem (o universal, o abstrato) ele é convocado a "pensar" nas próprias condições particulares da recepção:a de um indivíduo diante de um dispositivo ficcional. É o momento sagrado e irônico: o filme que quer demonstrar a ilusão da realidade por meio da ilusão da representação.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Narrativas Sem Tempo

Passado, presente e futuro. A narrativa dos filmes gnósticos embaralha estas categorias temporais porque, para o Gnosticismo, o tempo é erro, fruto de um acidente cósmico.


Se pensarmos a narrativa como uma série de eventos encadeados, reais ou imaginários, que ocorre ao longo de um tempo determinado pela estória, podemos considerar o conceito de tempo como o ponto crítico nos filmes gnósticos. O gnosticismo encara o tempo como uma prisão, fonte de mistificação, ilusão e engano.

Igual ao mundo físico, o tempo – que subjaz, por outro lado, em todas as manifestações do cosmos visível – é ‘mescla’ e ‘mancha’: O ciclo do tempo não é outra coisa que a Fatalidade; o tempo pertence ao mundo material, enquanto que o mundo superior é atemporal (e se diz separado do primeiro por um limite que emprincípio é absoluto). O tempo é mal e constitui-se numa fonte de angústia; a gnose se opõe tanto à doutrina estóica do tempo cíclico, circular, como à doutrina cristã de um tempo linear que se estende irreversivelmente desde a criação O tempo, que em si mesmo é insuficiência, nasceu de um desastre, de uma ‘deficiência’, do desmoronamento e a dispersão no vazio, no kenoma, em uma realidade que existia antes, uma e integral, o sonho do Pleroma, da ‘plenitude’, do Aión, da Eternidade O gnóstico não aspira mais do que ser liberado do tempo, estabelecer-se ou restabelecer-se fora de todo devir, de volta ao estado que se supõem existia no princípio: a estabilidade, a verdade do Pleroma, do Aión, do ser eterno, do ser completo. (HUTIN, Serge. Los Gnósticos. EUDEBA: Buenos Aires, 1963, p. 14.

Por isso, o filme gnóstico vai explorar formas narrativas opostas às formas clássicas e lineares. As narrativas gnósticas tentarão sempre destacar a instabilidade temporal da realidade, isto é, como por trás do aparente encadeamento linear dos eventos, escondem-se abismos temporais e espaciais, os múltiplos universos contínuos e descontínuos e a própria ontologia do real (ou a verossimilhança) confundida com possíveis projeções psíquicas do protagonista.
Por exemplo, em Homem Morto a estória é narrada, aparentemente, de forma linear, como a narrativa de um western clássico. Porém, a frase de Nobody (índio
que acompanha o protagonista) de que a morte é como fosse “a passagem através do espelho” é a chave de compreensão da estrutura narrativa do filme. As seqüências iniciais de finais do filme parecem se “espelhar”: as sequências iniciais e finais, embora passadas em locais espacialmente diferentes, obedecem a uma mesma sequência de eventos (Blake chegando à cidade de Machine e, no final, chegando à tribo de Nobody).
Ou em Vidas em Jogo onde o tempo cronológico é confundido com o tempo psicológico do protagonista. Nas cenas em que Nicholas está mergulhado na paranóia (ele está envolvido em uma espécie de RPG onde não consegue mais distinguir onde termina o jogo e onde a realidade começa) o som ambiente torna-se um amálgama de vozes distorcidas e ecos, reforçando que o que vemos é a percepção da realidade pelo ponto de vista psicológico do personagem.
Ou, ainda, a seqüência onde Nicholas tenta retirar uma chave da boca de um palhaço de madeira (que havia encontrado diante da porta do casarão na seqüência anterior) enquanto assiste na TV um telejornal de economia, é mais um exemplo do tempo psicológico que confunde o espectador. A transmissão é interferida pelo Jogo da CRS e o âncora do telejornal começa a falar com Nicholas sobre as regras do Jogo que se inicia. A seqüência chega ao inverossímil: como uma empresa capaz de tal proeza tecnológica, é capaz de cometer erros primários ao longo da estória como, por exemplo, esquecer uma etiqueta de preço em um lustre (o que acabou denunciando a falsidade do interior de uma casa armada cenograficamente para enganar o protagonista)? Ou seja, Nicholas realmente conversa com a transmissão de TV ou tudo não passa de fruto do delírio originado por uma condição paranóica?


O paradoxo do futuro no filme gnóstico



Se para o Gnosticismo o tempo é ilusão, fonte de engano e alienação, como o futuro pode ser representado nesse grupo de filmes? Ou seja, se o encadeamento linear dos eventos, como uma seta que aponta do passado para o futuro, é uma ilusão que aprisiona o espírito, de que maneira ficções-científicas como O Pagamento e Matrix podem representar os episódios das previsões e profecias? Resposta: através de paradoxais previsões e profecias “sem futuros”.
Em O Pagamento, Jennings descobre que as pesquisas que a Allcom estava envolvida tinham a ver com uma máquina que faria previsões do futuro a partir de uma lente curva que simularia a própria curvatura do Universo. Seu inventor foi assassinado a mando da Allcom e ele, Jennings, como um engenheiro reverso, foi encarregado de recriar a máquina a partir de um protótipo. A certa altura da narrativa, perplexo, Jennings descobre que a máquina que construíra, na verdade, era uma irônica forma de prever o futuro. Através de um mecanismo de profecia auto-realizadora o futuro previsto não acontecia porque estava lá, mas por que a sua divulgação fazia o futuro previsto acontecer de fato. O futuro como profecia auto-realizadora é a própria configuração de um evento circular, tautológico: o futuro não é previsto como um fato objetivo que está em algum lugar à frente no tempo, mas porque a sua divulgação evoca um novo comportamento que acaba confirmando a “profecia”, na verdade, uma falsa premissa que se torna verdade.
Um futuro tautológico, recursivo, uma circularidade viciosa entre crença e comportamento.


Jennings: “Meu Deus, é o futuro. A máquina prevê a guerra, entramos em guerra para evitá-la. Prevê uma praga, juntamos todos os doentes e acabamos criando uma praga. Todo o futuro que ela prevê, fazemos acontecer. Perdemos todo o controle sobre nossas vidas. Ver o futuro nos destruirá. Se mostrar o futuro a alguém, ele não terá futuro."



É a ironia final: o futuro dobra-se sobre si mesmo, criando um efeito recursivo.

"Vamos falar em recursão quando se trata da própria energia que reentra do efeito na causa ou quando o output alimenta o input em retorno (...). Em suma, o fato de que alguns anúncios chegam, com efeito, a realizar-se sublinha uma vez mais o quanto a palavra se encontra tomada indicialmente na camada dos comportamentos, ações e reações cuja seqüência nunca é linear, mas emaranhada, recursiva ou complexa." (BOUGNOUX, Daniel. Introdução às Ciências da Informação e da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 235-240.) O tempo recursivo em Matrix


O tempo recursivo em Matrix


Também é curioso o papel de profeta do Oráculo no filme Matrix. Neo surpreende-se com a aparência do Oráculo: uma senhora com aspecto de típica dona de casa, em uma prosaica cozinha preparando biscoitos no forno. Parece que o Oráculo tem consciência do caráter auto-realizador das profecias, isto é, o fato de que o anúncio de uma profecia pode fazer o evento ocorrer ou não, alterando a espontaneidade dos acontecimentos. Isso fica claro no diálogo em torno do vaso que se quebra:


Oráculo: E não se preocupe com o vaso.
Neo: Que vaso? (Neo vira-se e esbarra no vaso que cai e quebra-se no chão).
Oráculo: Esse vaso.
Neo: Como você sabia?
Oráculo: O que vai mesmo fazer seus miolos queimarem é: você teria quebrado se eu não tivesse dito nada?

Paradoxo quântico: a visualização do objeto altera a própria constituição do objeto. Ou seja, a queda do vaso não decorreu de uma inexorabilidade do futuro, mas por uma profecia que acabou se auto-realizando como verdade. Se a Matrix é uma gigantesca máquina de calcular similar a imaginada pelo matemático francês do século XVIII Laplace (que vislumbrava a possibilidade do controle e previsibilidade total do universo a partir do momento que todas as coordenadas e variáveis fossem conhecidas por um “Computador Laplaciano”), o Oráculo insere nos códigos-fonte desse cosmos um elemento de acaso: a profecia auto-realizadora. O Oráculo profetiza que Neo terá fazer uma escolha: “Numa mão terá a vida de Morpheus. Na outra mão terá a sua vida. Um de vocês vai morrer”. Se a profecia auto-realizadora é a concretização de expectativas, o Oráculo sabe que Neo luta contra a idéia de destino e fará de tudo para impor o livre-arbítrio. Neo lutará contra o destino e salvará a ambos numa seqüência que terminará no duelo final com o Agente Smith. Embora não confirme ser ele, Neo, o Salvador, de forma indireta cria circunstâncias para que ele se torne como tal. Ou seja, o Oráculo nada fala sobre o futuro, mas apenas insere na previsibilidade dos códigos da Matrix o elemento do acaso através da profecia que se auto-realiza.
Além disso, o Oráculo não quis admitir que Neo era o Salvador porque, curiosamente, as profecias auto-realizadoras parecem não funcionar com anúncios de natureza positiva ou promissora . Mais um motivo para conseguir, de forma indireta, que Neo assumisse o papel de O Escolhido na estória. Certamente, se o Oráculo dissesse para Neo que ele era, de fato, O Escolhido a profecia não se realizaria.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

"Spiritual Cinema Circle": Espiritualidade como Auto-Ajuda

Reduzir a angústia à possibilidade da cura por meio de filmes “inspiradores” e “motivacionais” parece ser o destino da Teologia e da Metafísica na contemporaneidade.


Foi fundado nos Estados Unidos o Spiritual Cinema Circle (Círculo do Cinema Espiritual). Nos moldes do antigo "Círculo do Livro", os associados pagam uma taxa mensal para receber todos os meses em sua casa os melhores títulos espiritualistas, além de documentários e filmes de curta metragem.

O projeto nasceu da colaboração entre o produtor Stephen Simon e os psicólogos Kathlyn e Gay Hendricks. Stephen é o responsável por alguns dos títulos favoritos do gênero como Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time, 1980) e Amor Além da Vida (What Dreams May Come, 1980); enquanto o casal Hendricks criou e administra o Hendricks Institute, uma entidade sem fins lucrativos que auxilia pessoas com problemas de relacionamento.


Esse gênero “cinema espiritual” é definido da seguinte maneira, segundo o site do Círculo: “São filmes que abordam temas espirituais, metafísicos e religiosos. Evocam uma experiência interior. Iluminam a condição humana, levando-nos numa jornada onde vivenciamos a vida como seres espirituais tendo uma experiência humana. O Cinema Espiritual engloba filmes, curtas, e documentários que evocam uma experiência espiritual, metafísica e religiosa. São filmes que inspiram e ao mesmo tempo entretem. Hoje, podemos assistir filmes como 'A Profecia Celestina', baseado no livro que faz parte do caminho de tantas pessoas."

A lista dos “filmes espirituais” engloba desde documentários como O Segredo até filmes como Amor Além da Vida, A Vida é Bela e Peter Pan. Percebe-se que sob esse rótulo abriga-se um amálgama de esoterismo, espiritualismo, auto-ajuda e auto-conhecimento. Por uma lado, demonstra o esgotamento da religião enquanto sistema simbólico que procura dar conta da experiência do Sagrado. Mas, por outro, é um sintoma de uma “teologia secularizada”. Temas como o “poder da mente”, o “triunfo do espírito humano sobra a adversidade” e “busca de outros mundos de beleza, verdade, amor, harmonia e felicidade” e a “conexão com o mundo ao nosso redor” denotam as características da metafísica moderna que seculariza a teologia ao inscreve-la na imanência das relações interpessoais e na comunicação. A conseqüência é o esvaziamento do aspecto crucial da discussão teológica: a angústia humana diante do infinito e do absoluto que, do ponto de vista do gnosticismo, é a próprio sintoma da condição do homem, exilado num universo, isto é, numa falsa totalidade.

Cristo, Fé e Angústia

Numa crítica à Martin Buber, Adorno nos oferece uma pista para compreendermos as origens dessa “teologia secularizada” que culmina, na atualidade, no discurso espiritualista e da auto-ajuda:



“Enquanto em tal relação (Eu-Tu) a comunicação se converte naquele suprapsicológico que ela apenas o seria através do momento da objetividade do comunicar mesmo; ao final, pois, a estupidez como fundadora da metafísica. Desde que Martin Buber desintegrou a cristologia de Kiekegaard no conceito de existencial e o distendeu até ressecá-lo, existe a tendência dominante de apresentar o conteúdo metafísico como vinculado a chamada relação Eu-Tu. Remete-se à imdeiatez da vida, fixa a teologia em determinações da imanência que, por sua vez e por lembrança da teologia querem ser mais(...)” (ADORNO, Theodor. La Ideologia como Lenguaje, Madrid: Taurus, p. 18).


Adorno aqui remete a Kiekegaard (objeto da sua tese de doutorado) para criticar o discurso existencialista do século XX (o “jargão”) que após seu auge em Heidegger e Sartre se pulverizará em fragmentos que se converterão na teologia secularizada do espiritualismo e auto-ajuda. Esta teologia baseia-se num modelo comunicacional que busca a autenticidade e a transcendência nas relações interpessoais (“Eu-Tu”) como uma utopia positiva.

Se Kiekegaard localizou a angústia humana na fé cristã, personificada na figura de Cristo (o Deus tornado homem, a mediação entre o homem e o infinito), esta metafísica vai esvaziar essa angústia radical com a possibilidade de uma utopia na imanência, isto é, a transcendência na imediatez da vida numa relação tão abstrata (o “Eu-Tu” destituído de qualquer história ou materialidade) quanto a da sociedade inautêntica que quer superar.

Em Kiekeegard, somente podemos existir diante de Deus, diante da inconpreensibilidade da infinitude divina. A Verdade não nos foi revelada por meio das pompas e dos conceitos sistêmicos, mas por meio do fato violento da crucificação de Cristo. Cristo a sua época foi um homem obscuro que morreu crucificado, assim como nós que não conseguimos vislumbrar a verdade do Todo, mas a fatalidade dos fatos cotidianos. Esse é o paradoxo da fé para ele: Verdade e ao mesmo tempo angústia na mediação entre o infinito e homem por meio da figura de Cristo. Portanto, não há outro caminho para a Verdade que não seja o da interioridade, o aprofundamento da subjetividade. O ateísmo místico de Martin Buber vai compreender isso como um mergulho na intersubjetividade esvaziando toda a tensão da cristologia de Keikegaard: busca-se uma terapêutica para a angústia, aqui traduzida como incomunicabilidade entre Eu e Tu.

Ora, embora subjetiva, essa angústia tem seus fundamentos numa situação bem material e histórica que transcende ou permeia as relações interpessoais: o mal inscrito em um mundo absolutamente sem sentido, corrompido nas suas origens.

De um ponto de vista gnóstico, a angústia na fé somente pode representar a condição do exilado, do estrangeiro dentro da sua própria morada.
Reduzir esta angústia à incomunicabilidade é negar o seu estatuto ontológico a
um mero sintoma que possa ser curado, tornando o homem ainda mais atrelado à própria cegueira da imediatez cotidiana. Esse parece ser o destino da teologia e
da metafísica na contemporaneidade: a cura da angústia por meio de filmes “motivacionais” e “inspiradores”, como quer o Spiritual Cinema Circle.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Nostalgia Pós-Moderna: a nostalgia do "totalmente outro"


A idéia dessa postagem surgiu a partir de um debate em uma aula de Estudos de Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi. O tema geral era os Estudos Pós-Modernos. Discutíamos a nostalgia que domina a estética pós-moderna (remake, pastiche etc.). Constatamos a existência de um paradoxo: se a nostalgia é sentir saudades de época que foram vividas, como explicar a nostalgia da estética pós-moderna onde novas gerações têm saudades de épocas que jamais foram vivenciadas? O que há por trás dessa nostalgia: manipulação ideológica ou uma aspiração pelo "totalmente outro"?

"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (T. Adorno)


Uma natureza retrô domina o horizonte cultural da Contemporaneidade. Pastiches e sucessivas reciclagens criam um cenário cultural paradoxalmente nostálgico. Primeiro porque vem envolto numa embalagem moderna e contemporânea. Filme como Kill Bill mostra uma chiquérrima Uma Thurman em cenas de lutas marciais em trajes fashion, radiciais e aparentemente atualíssimo. Porém, para a delícia dos cinéfilos, são os mesmos trajes usados por Bruce Lee em seus filmes B de Kung Fu dos anos 70. Aliás, Kill Bill é um pastiche de referências dos anos 60, 70 e 80 ( western “spaghetti” italiano dos anos 60, filmes de Bruce Lee dos anos 70, sons new wave dos anos 80 etc.). Aliás, o que torna os filmes de Tarantino cult é precisamente a maestria dessas citações de signos de diversas épocas e contextos, retirados das suas origens e colocados num conjunto lógico atemporal.

Segundo aspecto paradoxal: esses pastiches que fazem a delícia de cinéfilos revela uma estranha nostalgia: saudades de épocas que não foram vividas. Jovens montam as ambiências de suas novas residências com objetos e decorações que remetem aos anos 60 e 70; os anos 80 retornam com “baladas” especializadas nessa década (“trash anos 80”, Projeto Autobahn etc.), feiras de rua onde são comercializados objetos dessa época (livros, jogos, brinquedos) para grupos de jovens estranhamente nostálgicos por uma época que não vivenciaram, bares temáticos recriam para jovens ambiência e atmosferas de épocas e lugares distantes no tempo e no espaço (“botecos chics” que revivem os botecos populares dos anos 50 e 60, bares freqüentados por tribos de jovens “rockers” em suas jaquetas pretas de couro, topetes à Elvis em uma ambiência estudadamente cenográfica com junkerboxes, pisos quadriculados, e posters com sucessos cinematográficos da época).

Como entender essa estranha nostalgia que parece caracterizar o jovem contemporâneo, a nostalgia de experiência que não foram vividas e de locais que não foram visitados?
Há duas perspectivas diferentes sobre esse tema que podemos nomear a primeira como finalista e a outra como causalista.

No primeira abordagem a nostalgia que contamina a produção cultural contemporânea tem como finalidade servir “a interesses ideológicos específicos de estagnação da vida que deveríamos permitir que se renovasse sempre. A nostalgia, de que tanto falam os jornais e revistas, não passa de um poderoso instrumento psicológico da Morte Organizada.” (Luis Carlos Maciel, A Morte Organizada) É uma espécie de “nó psicológico” para desviar a atenção para os problemas presentes. Esta abordagem é da tradicional denúncia das manipulações ideológicas dos meios de comunicação. Nostalgia como falsa consciência.

A segunda abordagem causalista podemos exemplificar com a aproximação que Frederic Jameson faz da nostalgia, o pastiche cultural e a esquizofrenia da subjetividade pós-moderna. Partindo dos fundamentos lacanianos (a identidade se estrutura através da linguagem) Jameson percebe a impossibilidade do esquizóide em ascender à linguagem e construir um Eu persistente e duradouro através do tempo. Sem conseguir representar o real, toma o significantes como as próprias coisas, passando a ter uma experiência intensa, pontual e fragmentada. O tempo é percebido como eterno presente e os momentos intensos um conjunto atemporal, assim como os pastiches culturais. Em síntese: nostalgia e pastiche como sintoma.


O "Totalmente Outro"

Se partirmos da proposta espistemológica de Adorno de que “toda ideologia tem o seu momento de verdade” podemos compreender que essas abordagens finalistas e causalistas são insuficientes, pois não conseguem apreender o momento particular de verdade. Seja como falsa consciência ou como sintoma, a nostalgia pós-moderna é, de qualquer maneira, descartada in totum como mito ou mera ilusão ou regressão.

Sem dúvida, esta nostalgia (sintoma de um mal estar da subjetividade pós-moderna) é instrumentalizada como mercadoria, porém, explora um nostálgico sentimento verdadeiro e concreto: a “nostalgia do totalmente outro”. Expressão de Horkheimer, a “nostalgia do totalmente outro” sintetizava o propósito da Teoria Crítica: combater a idéia temporal de progresso e propor um resgate do passado:


“O totalmente outro só pode significar a pura transcendência, a redenção: o
materialismo da Teoria Crítica se volta simultaneamente para o singular e a
redenção das gerações que passaram pela História. Devemos nos ligar pela
nostalgia do que acontece no mundo, o horror e a injustiça não são a última
palavra, há um Outro”


Há nesta afirmação de Horkheimer um forte componente místico ou gnóstico: o tempo como uma prisão, fonte de mistificação, ilusão e engano. Na verdade, o Gnosticismo procura libertar-se do devir e retornar ao estado do princípio de tudo: a estabilidade e a verdade do Pleroma, do ser eterno, do ser completo. É uma nostalgia romântica.

Desse ponto de vista, esta nostalgia paradoxal da cultura pós-moderna expressa o componente místico de um radical mal-estar da subjetividade atual: o mal-estar de um exilado, de um estrangeiro dentro do seu próprio país, que anseia buscar no passado algo que se perdeu, a verdadeira origem.
Aqui a Nostalgia não é mais nem falsa consciência e nem sintoma, mas, antes de tudo, chamamento. O passado nos chama para algo que apenas experimentamos como deja vu. A cada jogo Genius que encontramos em feiras de antiguidade ou imagens do velho vídeo game Pack Man que, inexplicavelmente, inspira saudosismo em um jovem que cresceu jogando Nintendos, podemos encontrar esta nostalgia pelo “Totalmente Outro”.

A nostagia sagrada em Donnie Darko

Um caso exemplar é o filme de Richard Kelley Donnie Darko (Donnie Darko, 2001). Além da sua estética retro (a narrativa se passa no final dos anos 80), o filme descreve a vida de um adolescente problemático, Donnie Darko, com uma misteriosa condição mental que o separa de um ambiente cultural conformista: ele começa a perceber a irrealidade da vida suburbana de classe média americana através de estados sonambúlicos e após tomar remédios antidepressivos. Donnie percebe que há algo de errado com o mundo através de insights e estados alterados de consciência e não a partir de princípios ideológicos ou religiosos. Donnie também descobre que o plano temporal em que ele vive pode ser revertido e que ele tem poder para fazer isso, isto é, transcender seu plano temporal através de um vórtice e mover-se livremente por outros planos alterando destinos pré-determinados. Após a morte de sua namorada e, mais tarde, da sua mãe na queda de um avião sugado por outra dimensão temporal, Donnie retorna no tempo. Dessa vez Donnie fica no seu quarto e morre na queda da turbina. Um grande sacrifício que Donnie assume para que desperte desse de mundo e altere o fluxo temporal – sua namorada e sua mãe irão escapar da morte. “Voltei para casa”, afirma de forma expressiva Donnie. Ele vai encontrar no passado a redenção de um mundo inautêntico que Donnie experimenta de forma dolorosa.

Aliás, é recorrente na cinematografia recente a incessante busca do protagonista de respostas para o mal-estar do presente no passado, por meio de deslocamentos temporais (seja por meio de mediações tecnológicas ou estados alterados de consciência). De De Volta para o Futuro (Back to the Future, Robert Zemeckis, 1985), passando por Peggy Sue: Seu Passado a Espera (Peggy Sue, Coppola,1986) até chegarmos ao recente Efeito Borboleta (The Butterfly Effect, Eric Bress, 2004) testemunhamos a nostálgica volta ao passado como busca de uma inocência perdida, a reconstituição de uma experiência, a recuperação do “olhar da primeira vez”, o frescor de uma experiência primeira que se perdeu na cilada temporal do devir.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

O Sabor Gnóstico em "O Homem Que Incomoda"


Um filme europeu com sabor de gnosticismo alquímico.

Andreas chega a uma estranha cidade sem lembrar-se de como parou lá. É dado para ele um trabalho, um apartamento e até mesmo uma esposa. Mas algo parece errado. As pessoas ao redor parecem vazias de emoções e conversam apenas sobre superficialidades. Percebemos que há uma espécie de “governança” nessa cidade onde autômatos funcionários públicos certificam-se de que tudo está funcionando bem: pessoas acidentadas, mortas ou que, simplesmente, estejam disfuncionais ao ambiente são recolhidas para um carro e levadas para um lugar não identificado.

Definitivamente, Andreas não consegue adaptar-se: é o único que aspira a emoções e sabores (na cidade os alimentos estranhamente não têm sabor, as bebidas alcoólicas não embriagam etc). Ela trás aspirações que remetem a uma outra existência da qual não consegue lembrar. Tenta escapar da cidade, mas logo descobre ser impossível. Andreas acaba encontrando uma outro pessoa com as mesmas aspirações (Hugo). Ambos descobrem, num porão de um prédio, uma rachadura na parede de onde sai uma estranha e maravilhosa música. O que há do outro lado? Começam a escavar na parede na última e desesperada tentativa de encontrar uma outra realidade além daquela.

Esta é a sinopse desse perturbador filme O Homem que Incomoda (Den Brysomme Mannen, 2006) ganhador do prêmio ACID – Agência de Difusão do Cinema Independente – em Cannes). Dentro da categorização que Eric Wilson apresenta no seu livro sobre gnosticismo no cinema (Secret Cinema: gnosticism in film), esse filme é daqueles que têm um “sabor gnóstico”: não apresenta propriamente simbolismos, iconografias ou narrativas explicitas de elementos do gnosticismo, como o fazem filmes como Matrix (Matrix, 199), A passagem (Stay, 2005) ou Show de Truman (The Truman Show, 1998). Mas possui o ponto de partida da “atmosfera gnóstica”: a desconfiança de que a realidade é falsa, um mero “constructo”. Essa desconfiança vai levar o protagonista aos estados de paranóia, melancolia ou suspensão, condições psicológicas que propiciam a gnose.

O Homem que incomoda trás uma novidade: é um dos raros filmes europeus (o filme é uma co-produção Islândia/Noruega) a abordar essa temática metafísica. Em geral no cenário cinematográfico europeu ou temos uma crítica social ou política ou filmes sobre o “humano, demasiado humano” (narrativas que versam sobre impasses éticos, morais ou dúvidas existenciais sobre “o sentido da vida”). Ao contrário, temos neste filme uma verdadeira crítica metafísica: a realidade é negada “in totum” e, a única forma de escapar é negá-la (no filme representado pela possibilidade por meio de uma fresta na parede do porão.

O curioso no filme é como é apresentada a possibilidade da transcendência. O filme trás um profundo simbolismo alquímico: a transcendência não é procurada nos céus, correndo até o fim do mundo ou se matando mas ... cavando, numa parede em um porão! A fresta aberta é um contato para um mundo paralelo onde as coisas têm cor e sabor. O processo alquímico clássico envolve a dissolução de elementos até o caos para, por meio desse estado, separar massas indiferenciadas em espírito e matéria, unindo essas oposições em uma espécie de casamento alquímico – do qual surge a pedra filosofal. Essa atividade alquímica reencenaria a atividade de Deus que separou o caos em elementos distintos para, mais tarde, reunificar essas antinomias na Revelação. Estes aspectos simbolizariam o processo através do qual o adepto consegue refinar a sua alma.


  • Ficha Técnica:
    Direção: Jens Lien
    Ano: 2006
    País: Islândia, Noruega
    Duração: 95 min/cor
    Título Original: Den Brysomme Mannen
    Título em Inglês: The Bothersome Man
Trailler do filme "O Homem que Incomoda"



Mais sobre Alquimia e Gnosticismo veja no meu texto on line "Tecnognose: Do Vale do Silício a Hollywood"

sexta-feira, janeiro 01, 2010

Viajantes, Detetives e Estrangeiros: protagonistas dos filmes gnósticos (parte 2)

Uma das características gerais dos filmes gnósticos é a presença de três tipos básicos de protagonistas: O Viajante, O Detetive e o Estrangeiro. Como vimos na postagem anterior, estes protagonistas correspondem às três formas de estados alterados de consciência que permitem ao iniciado encontrar a gnose (Suspensão, Paranóia e Melancolia). Cada um desses protagonistas vai se confrontar com um tema específico: respectivamente os temas do “Jogo”, “Memória” e “Confronto”.

O Viajante - Grupo “Suspensão”

O tema comum desse grupo é o JOGO. Narrativas de personagens que se encontram presos em um jogo da qual não sabem quando começou e quando irá acabar. As fronteiras entre aparência e essência, ficção e realidade estão suspensas. O Jogo mistura-se com a própria percepção que os personagens têm sobre o que entendem como realidade. O Jogo sempre parece dar errado, o controle da situação parece estar irremediavelmente perdido criando uma suspensão radical das fronteiras e diferenças. Neste estado psicológico de suspensão cria-se uma passagem através da qual o protagonista irá saltar (morte, salto para o abismo, queda etc.). É a Grande Negação de Basilides, a indução ao silêncio interior pela fuga da linguagem, do discurso, da cadeia racional dos eventos.
Em Vidas em Jogo (The Game, 1997) o rico banqueiro Nicholas Van Orton (Michel Douglas) vive uma vida rotineira e solitária. Até que no seu 48º aniversário (o ano em que seu pai cometeu suicídio) ganha um estranho presente do seu irmão Conrad (Sean Pen): um cartão de entrada para um jogo oferecido pela empresa Consumer Recreation Service (CRS). A princípio a natureza do jogo não está clara, mas, aos poucos, demonstra ser uma espécie de role-playing game que se integra totalmente na vida real das pessoas. O Jogo toma o controle da sua vida e Nicholas torna-se vítima de uma fraude financeira que rapidamente desintegra seu império. Nicholas é seqüestrado, largado só e sem dinheiro no México enquanto suas contas bancárias são drenadas. O clímax chega ao momento em que Nicholas, na cobertura do prédio da empresa CRS dispara sua arma contra as supostas pessoas que lhe aplicaram o golpe. Inadvertidamente atinge mortalmente seu irmão Conrad que estava com o grupo de amigos e funcionários da CRS que iriam revelar-lhe que tudo fazia parte do Jogo. Desesperado, Nicholas joga-se da cobertura, estraçalha um telhado envidraçado e cai em segurança em um imenso airbag. Lá embaixo estão Conrad e amigos revelando a falsidade de tudo que aconteceu. O Jogo, na verdade, foi um arranjo para chacoalhar o irmão e trazê-lo de volta para a realidade, para entender a lição de que a vida deve ser mais bem aproveitada.
O tema Jogo aparece de forma indireta em Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001). No filme encontramos David Aames (Tom Cruise) um rico e bem sucedido editor que tem tudo o que
quer. Charmoso e sedutor, David sente que sua vida está incompleta. Num momento de desespero, ele toma um porre e acaba dormindo na sarjeta. Ao acordar, tudo parece sofrer uma transformação. David cai num abismo de seu pior pesadelo, não entendendo nada do que se passa, não conseguindo compreender se perdeu o juízo ou se há uma trama para enganá-lo. Ao final descobrimos que David é um homem em estado criogênico que sonha imagens que lhe foram artificialmente implantadas por uma empresa. A única forma de escapar desta realidade virtual criada é saltando do alto do arranha-céu para retornar à própria realidade: a vida em estado de suspensão.
Em Vanilla Sky temos o Jogo como um sonho lúcido (e lúdico) criado por uma empresa (a LE – Life Extension), dentro do qual o controle é perdido tornando-se tudo um pesadelo. O Jogo é uma obra do Demiurgo/companhia (em Vidas em Jogo a companhia CRS). Como obra de um Demiurgo, é uma cópia imperfeita da realidade. O Jogo reduz os personagens à ignorância e ao silêncio. São incapazes de discernir as fronteiras entre mentira e verdade. Tal como proposto por Basilides, esta situação cria o estado de suspensão, o tertium quid, a terceira alternativa entre a ilusão e a realidade.
A suspensão encontra o clímax numa situação altamente simbólica nesse grupo de filmes: o salto/morte. Em Vidas em Jogo e Vanilla Sky os protagonistas saltam num abismo, o simbolismo da suspensão, o salto para o vazio, o silêncio, o grau zero de sentido.
Podemos nomear as personagens protagonistas desse grupo como o Viajante. Todos eles são bem estabelecidos, bem sucedidos, ricos ou famosos ou no gozo da plena capacidade criativa. Porém falta algo. É necessário empreenderem uma jornada para que todo o sentido seja suspenso, o tertium quid se apresente e o salto para a gnose seja dado.

O Detetive - Grupo “Paranóia”

O tema comum deste grupo é explicitamente a MEMÓRIA. A memória do protagonista foi perdida. Mas não por uma simples amnésia momentânea. Este esquecimento é a própria constituição do seu ser e da própria realidade que o envolve de forma conspiradora. Ele tem que resolver um enigma proposto, sem saber que a solução final desse enigma levará à própria identidade perdida ou esquecida. Esta perda cria o estado de paranóia: em quem confiar? Como distinguir a verdade da mentira, a ilusão da realidade? Por que os fatos se sucedem sem causalidade? Como saber se o que ele sente é sanidade ou loucura? É através desse estado psicológico que, segundo Valentim, o iniciado encontrará a iluminação.
Na ficção científica noir Cidade das Sombras (Dark City, 1998) temos uma nova dimensão da paranóia. John Murdock (Rufus Sewell) acorda num estranho quarto de hotel e descobre-se sem memória e caçado por brutais e bizarros assassinos. Enquanto tenta juntar os pedaços do passado, descobre que está numa cidade controlada por seres conhecidos por “Os Estranhos”. A cidade na verdade é um imenso laboratório que reproduz os aspectos de uma grande metrópole. Os Estranhos têm o poder de colocar cada habitante em estado de sonolência enquanto suas identidades são trocadas e todo o ambiente ao redor é alterado. Chamam isso de “sintonizar”. Na verdade os Estranhos são alienígenas em extinção que precisam migrar para o corpo de uma nova raça. Por isso, pretendem estudar os seres humanos descobrindo neles o que torna o espírito durável e vital apesar das sucessivas trocas diárias de identidades. John Murdock é mais uma dessas identidades “sintonizadas” pelos Estranhos, com memórias pré-fabricadas implantadas através de uma injeção aplicada entre os olhos (simbolismo esotérico do “terceiro olho”).
A cena inicial revela o simbolismo gnóstico que o filme vai abordar: John acorda (“nasce”) em uma banheira cheia d’água e completamente nu. Por algum motivo passa a ter uma sensação de estranhamento e suspeita com os objetos pessoais das memórias pré-fabricadas (chaves, as iniciais numa maleta, um cartão postal de um lugar chamado Shell Beach). É a paranóia que criará o estado incomum de consciência que resultará no renascimento para a verdade sobre a ilusão criada por um Demiurgo. Seu poder de “sintonizar” que ele acidentalmente descobre tem forte simbolismo: ele possui a mesma habilidade de mentalmente alterar a realidade que o Demiurgo. O homem tem faculdades semelhantes ao Deus imperfeito que o criou.
Em Amnésia (Memento, 2.000) Leonard (Guy Pearce) é um investigador de uma companhia de seguros que sofre de perda da memória de curto prazo. Ele procura os assassinos de sua esposa e, para compensar sua deficiência, cria um metódico sistema de notas, tatuagens e fotos para lembrar-se dos eventos anteriores. Sua relação com a realidade é de total estranhamento e paranóia: em quem pode confiar? E, o que é pior, poderá ele confiar nas suas próprias anotações feitas a partir de situações das quais ele não se lembra? Leonard enfrenta profundas crises existenciais e epistemológicas sobre a própria natureza ontológica da realidade.
Buscar os assassinos da sua esposa implica em buscar sua própria identidade. A paranóia o faz crer em fatos e não em memórias, certeza epistemológica na qual baseia o sistema de anotações que fará Leonard encontrar a verdade: “memórias podem mudar a forma de um quarto, a cor de um carro. Podem distorcer. São apenas interpretações, não uma gravação. Memórias tornam-se irrelevantes se tenho os fatos”.
A personagem deste grupo de filmes, portanto é o Detetive. É aquele que busca o que se perdeu. Tudo está mergulhado na obscuridade. As investigações o levam para um mundo fragmentado e incompreensível povoado por gente cujos compromissos e motivações não são claros. Defronta-se sem cessar com o mundo da simulação. O mundo com suas conexões e eventos são falsos, fabulações conspiratórias de um Demiurgo/Diabo/Alienígena.
A fragmentação do mundo falso em que o Detetive movimenta-se é representada pela própria narrativa não-linear dos filmes desse grupo: Flash-backs, Flash-forwards, narrativas paralelas etc. Amnésia, por exemplo, adota uma complexa narrativa onde as seqüências em cores estão cronologicamente invertidas enquanto as cenas em preto e branco estão em ordem cronológica.
A experiência da perda é o evento central para o detetive. Vive em estado constante de deslocamento e desorientação. Freqüentemente é atingido na cabeça ou drogado, delira, perde os sentidos. Ao acordar não sabe onde está, quanto tempo se passou, o que aconteceu.
Na vida do Detetive há um profundo sentido gnóstico a respeito da natureza corrompida da realidade: a vida não opera por soma, mas por subtração. A vida mais nos retira do que nos dá. Não há evolução, acumulação, progresso, mas perda, roubo, involução. Por isso, é marcante que o enigma a ser resolvido comece por pistas, objetos, verdadeiros rastros, escombros da uma identidade que se perdeu ao longo do caminho.


O Estrangeiro - Grupo “Melancolia”

O tema comum desse grupo é o CONFRONTO. Tudo começa com a relação de estranhamento dos protagonistas com o lugar onde moram, vivem e se relacionam. São estrangeiros dentro do seu próprio país vivendo um auto-exílio. Sentem não pertencer àquele mundo, estão em constante mal-estar e à deriva. O que está errado? Tudo parece estar no lugar, seguindo os padrões e expectativas do status quo. O Estrangeiro pressente a inautenticidade do mundo em que ele está. Demonstra desdém aos papéis sociais, padrões, modelos de felicidade. É um melancólico. Pretende se reconhecer no submundo, nas ruínas, em todos os lugares que estão acabando, no erro, no suicídio, na morte. Este fascínio pelo universo looser levará o protagonista a um confronto final contra o Demiurgo que criou este mundo inautêntico que o rodeia.
Show de Truman dramaticamente nos apresenta a cosmologia de Mani: a luta entre Trevas e Luz e a sedução da realidade pela simulação. Christoff (Ed Harris), o produtor de TV, é o Demiurgo. Ele cria um imenso estúdio em forma de domo onde as condições meteorológicas são controladas por computadores, tudo sob um céu falso, um pequeno mar simulando oceano, e uma cidade ficcional chamada Seaheaven habitada por atores que representam scripts pré-determinados. Ele necessita criar um simulacro da realidade para realizar seu sonho: tomar uma criança (Truman Burbank) desde o nascimento, colocá-la em um ambiente simulado e acompanhar com as câmeras o seu crescimento em cada ação, até tornar-se homem. É claramente o simbolismo do aprisionamento de Adão no Paraíso engendrado pelo deus-demiurgo. Como tal, surge Eva para “tentar” Adão: a atriz Sylvia (Natascha McElhone) rompe com o seu papel no programa e tenta alertar Truman sobre a ilusão na qual está aprisionado.
O que Christof pretende com o seu gigantesco reality show? Tal qual o Demiurgo de Mani, quer aprisionar o anthropos (criar um ser humano puro, original e espontâneo, “uma estrela que inspira milhões”) para roubar dele a partícula de Luz, tal como é descrita na gnóstica mitologia maniqueísta da batalha contra as Trevas.
Truman é um homem comum vivendo uma vida comum. Tem uma esposa normal, vizinhos normais e um amigo normal. Mas não está feliz. Há um vazio. Melancólico, tem fantasias escapistas com as Ilhas Fiji. Quer conhecer o mundo. Romper com o habitual, com o papel pré-determinado de um agente de companhia de seguros. Até que um acidente misterioso acontece: do céu azul cai, na sua frente, um spot de estúdio. Esse spot trará a suspeita de que há um mistério por trás da rotina. Sua melancolia torna-se febril. Decide então pular para o abismo, desafiar a morte para fugir daquela vida. À noite rouba um barco e decide rumar para o horizonte do mar de Seaheaven. Começa o confronto final com o Demiurgo. Assim como o Deus vingativo do Velho Testamento, Christoff tenta matar Truman pela desobediência criando violentas tormentas no mar cenográfico. “Isso é o melhor que pode fazer?”, desafia Truman.
O estrangeiro aspira ao sagrado, à transcendência, ao autêntico, aquilo que denuncie a falsidade que constitui a vida nesse mundo. Por isso inventa um mundo para si. Cria sua própria origem, constrói uma mitologia que ajude a explicar seu estranhamento em relação ao mundo. Truman cria um imaginário em torno das ilhas Fiji, habita antecipadamente esse sonho. Truman apaixona-se por uma extra do reality show (notório para um Estrangeiro apaixonar-se por uma atriz secundária do programa). Tenta relembrá-la a partir de fragmentos de recortes de fotografias de revistas. Um retrato imaginário das suas origens.

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Uma resposta


The Negative Dialetics: The Gnostic Adorno


When reading the two threads of Negative Dialectics Theodor Adorno ("Experience Metaphysics and Happiness" and "Nihilism ") we find a critique of vulgar religiosity approaching the concept of transcendence to the search for a "meaning of life."
The Whole is the Truth (Hegel)
The Whole is the False (T. Adorno)
In the book "Negative Dialectics" Theodor Adorno, the author breaks with the past "apocalyptic" in discussions on the cultural industry to seek alternative "wholly other", the search for transcendence of a false totality that surrounds us. To this end, a decisive part Adorno critique of Hegel's dialectic positive (transcendence through the synthesis of an Absolute Spirit), to propose the foundations for a "Negative Dialectics": the rescue of the experience of the individual, concrete and individual by means of a dialectic that does not settle the particular through universal concepts. If at all Western philosophy that identify the particular settlement on behalf of Universal, Adorno proposes to redeem the individual experience, bringing substantive metaphysics through a negative dialectic which denies the formation of concepts to grasp the experience. For him, the abstract concepts are nothing more than reflections of a whole be false by abstract (commercial exchanges, religion deteriorated, etc.) that kills any possibility of otherness and truth.

In the everyday world of this particular settlement is experienced as the universal suffering and malaise. This scenario will increasingly spread ideas that aspire to a common impulse for transcendence:
"The desperation so there propagates ideas transcendental, which were contained in other times. Anyone unclusive those dealing with the affairs of this world, a raving consider the idea that this finite world of endless torment is subsumed by a universal divine plan "(Adorno, Negative Dialectics La. Madrid: Taurus, p. 375.)

For Adorno the question of "meaning of life" is a secular metaphysics, that is already contaminated by the very nature of the world who want to question. The question will get a "false response" this religious impulse that aims at transcending the vulgar misery reigning only reproduces itself overcome all you want to enthrone a new whole. It's like jumping from the frying pan into the fire to fall. Given the totality of the inauthentic world market, the answer looks for a new injection of a sense of reality empty, ie, a new universal search that will continue liquidating the authentic experience of individual uniqueness.

Adorno refers to this experience as "subjective immediacy intact" or "subjectivism of the pure act", an experience that would give us the "inside of objects," Redeeming the metaphysical materialism through that finally reveal the truth of the world. It is a kind of inverted theology where the redemption is less than the escape of the spirit toward the Absolute than the rescue of the Absolute within the objects of the world.

Adorno exemplifies this sacred moment with the reconstitution of Proustian experience. What Proust discover in his book "In Search of Lost Time" are unique experiences drawn from small places and prosaic events, but who desire the universality spontaneously, not by force of concepts that abstract from the concreteness of the facts but the strength of individual, unrepeatable.

The Gnostic Nihilism

If life does have meaning, we would not be asking for the meaning of it, says Adorno ironically. Given the fascination with the concept that Whole matter contains, Adorno contrasted with the praise of nihilism: the search for meaning is paralyzing to freedom and happiness. The attacks of conscience against nihilism, Adorno says, nihilism does not mean "believing in nothing" because it means believing in something and not believe in anything. That something, so it is completely other, something beyond all this world, now absent from sense, as the nihilistic and self-criticism that leads to Nihilism:
"Nihilism in this way implies the opposite of identification with nothing. Your Gnosticism sees in the created world radically wrong, and the denial of the possibility of another, yet you have to be. While the world is what it is, all images of reconciliation, peace and tranquility resemble images of death "(Adorno, Negative Dialectics, Madrid: Taurus, p. 381).

Here Adorno identifies the Gnostic nature latent in his Negative Dialectics. For him, it is no longer denying through existing ideological criticism (in its underlying critical phase of the culture industry). The denial by the critique of ideological illusions (fetishism, reification, etc..) Collides with the radical nature of evil in this reality. There is no externality for the critics. Being and Totality are meaningless since they are constituted by a series of abstractions that do violence to individual happiness and authenticity of the unique experience. The dichotomies of mere ideological critique rationalists (true / mentiral / real illusion etc.) can not give an account of nihilism ever present in the material world. Thus, for Adorno, the critique should be Nihilistic and Metaphysics aspire to the third element, the tertium quid of the Gnostics: neither illusion nor reality, but the Wholly Other.

Therefore, extrapolating this approach is that Adorno between experience and metaphysical nihilism, the real experience of the sacred or gnosis does not come from the sudden discovery of a "sense" or a "plan" or "purpose" for the mere daily existence. Beyond that metaphysical impulse vulgar, Holy is the sudden discovery of the empty fascinating and vertigo to feel that the illusion is reality.

Who was Theodor Adorno: considered the leading exponent of so-called Frankfurt School, Institute of Social Pesquiss which met between 30 and 40 decades of the twentieth century, among other names, Max Horkheimer, Herbert Marcuse and Walter Benjamin. Systematized the Critical Theory of Society, conceptual framework involving not just the critique of media as cultural industry, but also the critical review of the Western Enlightenment philosophy.

Cycling and Altered State of Consciousness: Gnosis in Sports?

What is the representation of the imaginary bicycle on pop culture? To our surprise we found a connection between the state of consciousness that bike provides (for its unique design that fuses human and machine) and Basilides of Gnosticism: the mental state of "suspension" that allows silencing the noise of the language for us to hear the spirit which seeks to gnosis.

Basilides, an early Gnostic teachers in Alexandria, Egypt, second century of the Christian Era, harbored a distrust of the radical capacity of language to grasp reality. His theory can be summarized in Great idea of Denial: the truth about God is beyond knowledge human, denial of knowledge and language is the sacred path.

In his paper, "Seven Sermons to the Dead" Basilides says that given the fullness (Pleroma - the source from which everything is emanating) "and thought cease because the eternal existence is devoid of quality. " The world created (The physical cosmos), in contrast, is governed by the principle of "differentiation" where what was one is split into opposite qualities. Through language and knowledge man becomes obsessed with apprehending the qualities of becoming naming them through words and concepts a reality that is diffuse, fluid on. If the qualities of the Pleroma are pairs of opposites that cancel each other (a dynamic union of opposites: full/empty, beautiful/ugly, time/space energy/matter etc.). In contrast, the human language differentiates, discriminates, tonando us victims of the pairs of opposites.

The result is the Evil: in search of the beauty, the ugly man produces, the search for peace ends up producing the war, in pursuit of using technology effectively ends producing useless, etc.. This ironic reversal of language (not transitivity between language and reality) ends up making the man a prisoner own concepts and words, failing to hear, within, the reminiscent of the One, the Pleroma, the fullness that would unite the original God.
"What you should never forget is that the Pleroma has no qualities. We that we create these qualities through the intellect. When we fight for differentiation or sameness, or other qualities, we strive for thoughts that flow to us from the Pleroma, or thoughts about lacking the qualities of the Pleroma. While after these thoughts, you you fall again into the Pleroma, while coming to the differentiation and equality. Not your mind, but your being is differentiation. That is why we should not strive for differentiation and discrimination as you know these, but for your true nature. If indeed we did so, you would have no need to know anything about the Pleroma and itsqualities, and yet, we get your real goal because of your nature. However, such thinking alienates us from our real nature, I must teach you the knowledge so that you can keep your reasoning under control. "(Basilides," Seven Sermons to the Dead "available at: http://www.gnosisonline.org/teologia-gnostica/sete-sermoes-aos-mortos/)

Thus Basilides proposes a unique state of consciousness: the silence, state of "suspended", emptying the mind through the suspension of all activity of the abstraction mechanisms of language (it is said that the disciples of Basilides were obliged, as a rite of initiation into silence
for three years ...). Keep the "thought under control," fight "against differentiation. " Basilides to these terms refers to a state of suspension between opposite pairs, the "tertium quid", the third element that the solder qualities.

The Experience of Bicycling: the "suspended" state

And this long introduction has to do with cycling? If we do a flyover in the representations of pop culture in relation to the bicycle and cycling, we see that this sport and means of transport occupies a special position, a special confluence of special states of consciousness and physical exertion, body and mind.

A prime example is the Kraftwerk (German pop group considered the godfathers of techno and industrial music), whose members are passionate about cycling and, from the mechanism, and ergonomic design of the bike, distilled the ethos of his musical approach: the union between Man, Machine and Nature. Once, one of the group members, Ralf Hütter, made the following statement after the drafting of the classic single "Tour de France 1983:" The bike is more than a mere instrument of leisure, is something closer to the policy statement . Not for vacation, is the man-machine. Am I the man-machine on the bike. Speed, balance, a certain freedom of spirit, keep fit, technical and technological perfection, aerodynamics. "

For him, the bike is in itself a musical instrument: the rhythmic sound of the chain, gears, breathing and heartbeat, against a backdrop of the continual sound "shhhhhh" told the tire on the asphalt. Like a mantra, confers a "free spirit" to empty the mind, is the repetition of sounds and movement, whether by physical exhaustion.

Here we can make a surprising connection between Basilides and the bicycle: the conscious state of suspension on the bike is at the same time symbolic and literal. Riding the bike and move swiftly to have been lifted and at the same time, the rhythmic sound of body and mental work voiding mechanism.

From experience, it's amazing the insights and ideas that, paradoxically, come from this mental void. The union of opposites. Just as you create by brainstorming where a chaotic state of disconnected ideas produces, over time, a critical mass that suddenly produces a qualitative leap: from nothing, the chaos suddenly appears the order, an idea.

It's like the noise of everyday activity and no rational mind would let us hear the deeper layers of our interior. It is necessary to quiet the mind, even if by violent means as in the movie "Fight Club": the struggle is an aspect of discipline, asceticism, like a mantra where thoughts and rationality are subjugated to the discipline of repetition until converted into the opposite: the state of suspension of sense for the liberation of consciousness.

Songs like "Bicycle Race" by Queen pointed out that silence of rationality.
You say black I say white
You say bark I say bite
You say shark I say hey man
Jaws was never my scene
And I don't like Star Wars
You say Rolls I say Royce
You say God give me a choice
You say Lord I say Christ
I don't believe in Peter Pan
Frankenstein or Superman
All I wanna do is
Bicycle bicycle bicycle
I want to ride my bicycle bicycle bicycle
Concepts, choices, words are like noises that hinder the freedom of the spirit hear himself, his reminiscences that makes you connect back to fullness.

Emptying the mind and free spirit reaches the altered state of consciousness that comes to catharsis and transcendence that changes the way we see the relidade, as the song "Bicycle, Bicycle, You Are My Bicycle" band "Be Your Own Pet":
We'll change the eye colour
Of every lady
We're fast, we're fast
We're fast we're having a blast
All because

We're on two wheels baby
We're on two wheels baby

Change the colour of your make up
All the sleepyheads won't wake up
All because all because all because
Because because...

No gears, no brakes
No real, no fake

Transcending the point of the gears and brakes of the bicycle disappeared. This freedom leads to withdrawal: nothing real nor false, the search for an experience that overcomes the dilemma of opposing pairs, the trap that the language and knowledge can not break free. Go beyond the gears and brakes (reason and language).

The archetypal figure against the light of an alien being mounted on a BMX bike in the movie poster for ET Spielberg is a synthesis of representations in pop imagery around the bike, suspended in air with the moon as a backdrop. The iconic representation of a whole imaginary Gnostic involving the bike: suspension as an altered state of consciousness that enables the silence that makes us hear the inner voice of gnosis.

Cartography and Topography of the Mind in the VI Scientific Meeting at Anhembi Morumbi University

Above a summary of the presentation of initial findings and first hypotheses of the research "Cartography and Topography of Mind" in the VI Scientific Meeting and Scientific Initiation of the Universidade Anhembi Morumbi held last Friday. If cinema is the social imaginary of a particular society and a certain time, the film reflects current a techno-scientific agenda marked by the impact of Neurosciences and Cognitive Sciences. This agenda technoscientific pervades the Internet today with binge people, spontaneously, want to record their experiences in private through "lifestreams", life-trackings, " inner geographies" and a whole range of cartography of mental life.

Those who follow the evolution of thematic Blog posts "Secret Cinema: Cinegnose," realizes that in several reviews of movies, we identified the recurrence of arguments, ideas and stories that reflect what we call techgnostic agenda. It is a characteristic of the Gnostics of early films new century. Movies like Vanilla Sky, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Stay, The Good Night, Science of Sleep, Inception, Dead Souls andTim Burton's Alice in Wonderland are real dives in the protagonist's inner world (dreams, memories, daydreams, but not only in a metaphorical or allegorical sense (as in the movie "Being John Malkovich"), but instrumental.

It is as if to a mapping or cartographic representations of the mind to achieve a specific purpose: get rid of barriers, constraints or trauma for a person to be more assertive, morally blameless and light, releasing the latent potential and become a professional or successful person.

Gnosis is translated here as self-knowledge. Transcendence is no longer cosmic environment within the narrative of classical Gnosticism (transcend an artificial universe created by a demiurge god that imprisons man), but now as an introspective journey.

If every film is a document because it represents the imagination of a particular society or historical period, this set of films mentioned above seems to strongly reflect current technological agenda marked by the neurosciences, cognitive science and memetics and its byproducts like neuromarketing and a whole literature around self-help and self-knowledge.

Explaining this agenda technoscientific (techgnostic) appears, at first, the motivation that drives the mystical computer technology: the quest for artificial intelligence from the solution of the mystery of the nature of consciousness, mind and soul. It is this motivation that drives the transcendentalist elimination from the body (via implants) and virtualization of subjectivity:
"The new creations (biotechnology, cloning, nanotechnology, virtual reality technology itself or computational) point to overcome the limits of organic. Victor Ferkiss will characterize this new perspective with a seemingly paradoxical concept: "Gnosticism technology." Gnosticism history was characterized by a horror of organic and natural aversion. Such elements would be enemies of the spirit in his quest for enlightenment. However, the current techno approaches that philosophy to propose to overcome the basic parameters of the human condition: finitude, contingency, mortality, corporeality, animality and existential restriction. Ferkiss, like Martins, link to this amazing cross between the aspirations and contemporary technological utopias of Gnostic transcendence. "(Ferreira, Wilson Roberto V. Cinegnose. São Paulo: Giz Editorial, 2010, p. 25).

The late twentieth century was marked by the first phase of this technological Gnosticism: the possibility of creating virtual worlds. Virtualization of subjectivity would be through the mediation of avatars or graphical interfaces that would create the illusion of similar experiences to the physical world. The virtual reality helmets, gloves and digitlização date of bodily sensations in this project were of "immersion" of the self in a virtual world. Movies like The Matrix and The Truman Show critically reflected this imaginary tecnognóstico the time: the protagonists trapped in worlds without defining the difference between the simulation and reality.

Earlier this century we have the second stage of this agenda tecnognóstica: the search for the latest interface technology history, the connection between biological and electronic, between neural networks and computer networks. If the design of the Internet architecture was based on the neuronal architecture of the mind (decentralized, fractal, etc..), The fate of digital technologies would be to seek the most perfect model simulation of the dynamic functioning of the mind and consciousness, so perfect that map coincide with the territory and simulation to replace the organic basis of consciousness itself.

Movies like "Vanilla Sky" and "Eternal Sunshine of the Spotless Mind" as theme critically this possibility by showing that behind this aspiration tecnognóstica hide handlers commercial projects. On the other hand, films like "The Source" and "Alice in Wonderland" Tim Burton make the apology that agenda.


Mind's Cartography and Topography


We live today in a frenzy for mapping or cartographic representations of our thoughts, habits, relationships, choices through social networks, software and personal projects that seek to develop true "inner geographies." There is a deliberate effort and encourage all users to spontaneously make available your personal data or present, on their own, their personal geographies and maps metals. We have a number of examples:


1 - Inner Geographies Project, carried out pelog geographer and professor at Sonoma State University in the U.S. Heidi K. Lamoreaux. Divided in several cores, the project aims to bring the

methodologies in the exploration of natural science "of what happens in our inner life: mind, body, our perceptions of place and our imaginary worlds. A true mapping of the memories of our emotional experiences and affective (isolated in "strip" as those used in microscopes) and maps with the sequence of events in our lives as plans that overlap like the rings of a tree trunk in the longitudinal section giving a topographical view of the line of personal life. Or the "Childhood Maps", maps created by children representing his "cosmological position, exposing the connections between physical places and the" internal terrain "(see photos opposite and below). The result is a series of maps and personal topographies. A project that not only reflects the current techno-scientific agenda but which produces organized data that easily can become a raw material for future software-based mind maps.

2 - "Mirror Worlds" or "lifestream" - David Gelertner seminal idea, Professor of Computer Science at Yale University. In the mid-90s said: "Will you look at a computer screen and will see the reality," he predicted. "A part of any of their world - the city where you live, the company where he works, his school, the municipal hospital - will appear there on a crisp, colorful, abstract but recognizable, moving subtly in a thousand places . Gelernter At the time he thought of a software, lifestreams, which would replace the desktop computer: a program storage in chronological order from documents to their digital experiences. That did not happen, but today, something similar can be found throughout the web in different formats: blogs (true electronic journals), news updates as the personal Facebooks and other social networks. This clearly allows a sociogram or a flowchart of social and personal relationships, as well as a permanent mapping of habits and attitudes, such as the BBC news report that Facebook's data shows that over the periods ending courtship (click here to read the news ).

3 - Life-Tracking - recent trend where students participate in a meticulous record of everything they do by hand, PCs or smartphones: take as many cafes, books they are reading, daily working hours etc.. Some people still use sensors to map out their vital signs to see, for example, as are sleeping. Gary Wolf, a technology writer and co-founder of Web site The Quantified Self ("The Quantified Self") is part of a group of people who want to use technology to help them identify factors that make them depressed, prevent sleep, or even that affect cognitive performance. According to an article in The Economist (translated by CartaCapital of 12.01.2010 "His particular Matrix") is already an emerging market for devices autotracking.
"The Zeo developed an alarm clock that comes with a full head to measure brainwave activity of people at night and graphically display your sleep on the Web"
This "quantification of I" has a clear technological cabalistic aspect of Gnosticism. As we saw in previous posts (see links below) Kabbalistic Gnosticism has a transcendentalist discourse radical elimination from the body and virtualization of subjectivity, that is, to eliminate by imposing sacred codes (digital) the physical constraints of the spirit (contingency, finitude, corporeality, animality, etc..) so I was deep in cyberspace, digital heavenly New Jerusalem, and reach their fullest.

It is the motivation behind each row of books, self-help and self-knowledge: a life without guilt, more assertive, without trauma or memories that cause conflict and indecision. Delete, deny, rather than understand and overcome.

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