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sexta-feira, maio 20, 2022

Bandeira "woke exploitation" da TV Globo não passa da página dois


Ao vivo, com imagens aéreas, o telejornal local da TV Globo acompanhou a reintegração de posse no Centro de São Paulo: sob a truculência de escudos e armas antimotim da PM, 250 famílias foram despejadas às vésperas do dia mais frio do ano. Em sua maioria, mulheres e crianças negras, pobres. A cobertura foi anódina, sem repercussão nacional, apesar do termômetro do jornalismo da emissora, o dominical Fantástico, ter se convertido em um show de “woke exploitation” e as questões identitárias terem tomado a pauta. A bandeira woke da emissora não passa da página dois: negros, trans, mulheres etc. podem se organizar, protestar e levantar suas bandeiras. Tudo, menos fazer a mesma coisa no campo político da luta de classes por direitos civis e econômicos. No fundo, é uma estratégia de comunicação casada com a de Bolsonaro: empurrar as eleições para a guerra cultural. Mas também, outras pautas da grande mídia não têm passado da página dois: a terceira via e a urgência climática da União Europeia.

Às vésperas da previsão de frio intenso que se aproximava da grande São Paulo, a Polícia Militar “acompanhou” (esse foi o eufemismo utilizado pelo jornalismo corporativo) uma reintegração de posse na Rua Augusta, Centro de São Paulo.

Autorizado pelo STF, cerca de 100 pessoas, 250 famílias, foram desalojadas pelo pedido de reintegração feitos pelos donos do Baixo Augusta Hotel e a Justiça de SP determinou o cumprimento nesta terça-feira. O imóvel estava ocupado pela Frente de Luta por Moradia (FLM) desde o início de abril. Os proprietários alegaram que o local não estava abandonado, mas em reforma e que “funciona um escritório comercial do empreendimento”.

Apesar de tudo estar organizado pelos moradores para saírem pacificamente com seus móveis e pertence pessoais, o “acompanhamento” da PM consistiu em invadir o imóvel com escudos e truculência, empurrando crianças e derrubando idosos – aliás, como mostrado ao vivo em imagens de helicópteros do telejornal da Globo, o “Globocop”.

A maioria dos ocupantes eram mulheres e criança negras e pobres, jogada no dilema de aceitar o acolhimento em albergues da prefeitura, abandonando seus pertences. E ainda sob o risco de integrantes da família serem separados. 

O evento, que reflete a tragédia social generalizada do País, mereceu apenas uma cobertura local da emissora. Sem repercussão no telejornalismo da rede. Ao contrário de outros acontecimentos em SP como o drama dos sem-teto enfrentando o frio na cidade e a prisão do Paulo Cupertino, suspeito de matar o ator Rafael Miguel.

A cobertura local seguiu um padrão semiótico que é o modus operandi para eventos como esse: imagens aéreas, bem distante do calor dos acontecimentos; entrevistas com sem-tetos dentro da linguagem dos “personagens exemplares” (jornalismo de personagens), como o caso da gravida socorrida ou da mãe há meses despregada. Em nenhum momento foi ouvida ou mostrada a liderança da FLM, suas reivindicações e histórico dos fatos que antecederam a reintegração de posse. Apenas são ouvidas as autoridades.

Eventos como esse são didáticos, pois revelam até onde vai a suposta consciência social, de gênero, raça etc. que subitamente a TV Globo começou a exibir. Mais precisamente, desde a vitória de Bolsonaro em 2018, como se as Organizações Globo quisessem se descolar de um governo de extrema-direita que tanto deram espaço e relevância – principalmente a sua militância extremista, para engrossar o caldo das manifestações anti-Dilma que culminou com o golpe de 2016.



Se não, vejamos. O programa dominical Fantástico (supostamente o momento culminante e de maior audiência do telejornalismo da emissora) praticamente assumiu uma pauta “woke exploitation” (“woke”, termo político afro-americano para se referir a questões relativas à justiça social, de raça, gênero etc. + “exploitation”: transformar em show voyeurístico as mazelas sociais do “demasiado humano”): injúrias raciais, casos de feminicídios, pautas sobre movimentos negros lutando contra crimes de racismo, grupos feministas protestando contra assédios sexuais em transportes coletivos, discussões sobre os limites entre flerte e assédio etc.

Na verdade, o BBB21 iniciou a fase “militante” da Globo no reality show, na qual a fase anterior, com Pedro Bial (diante de qualquer situação politicamente incorreta o apresentador entrava para diluir o “climão”), foi substituída pela woke exploitation: a busca proposital por “biodiversidade” na “casa mais vigiada do país” para transformar episódios de racismo, intolerância e ódio em entretenimento mórbido e sensacionalista – sobre isso clique aqui.

Desde que o Fantástico encontrou a química perfeita para sua nova fase, por assim dizer, “exploitation”, reunindo uma apresentadora negra (Maju Coutinho) e uma caucasiana (Poliana Abritta), criando o physique du rôle perfeito, a Globo praticamente assumiu uma suposta militância, com textos lidos no teleprompeter repletos do jargão woke: “apropriação cultural”, “potente”, “lugar de fala”, “ordem patriarcal”, “cancelamento”, “vulnerável”, “desigualdade”, “negritude” etc.



Ok! O despertar social e identitário de uma emissora que historicamente foi condenada de racismo em suas telenovelas que exibiam um país branco e platinado – de acordo com a identidade visual da Globo criada pela computação gráfica do designer austríaco Hans Donner. “Nunca é tarde para a emissora se desalienar!”, poderíamos pensar.

Porém, essa súbita tomada de consciência funciona até a página dois. E a cobertura anódina de retomada de posse no Centro de São Paulo foi um flagrante exemplo.

Apesar das imagens (distantes) mostrarem mulheres e crianças negras e pobres desesperadas, tentando negociar com a força policial protegida por uma parede de escudos e armas antimotim, não foram o suficiente para serem ouvidas as mesmas palavras contra racismo estrutural ouvida nas woke exploitation dos domingos no programa Fantástico.

“Retrato da tragédia social brasileira!” Chegou-se a ser ouvido de alguém na reportagem. Mas, então, por que essa tragédia é tão racialmente seletiva entre as suas vítimas? Por que não foi dada a oportunidade da palavra para líderes negros da FLM, enquanto nos domingos acompanhamos os protestos das mais diversas lideranças de ONGs e entidades sociais de causas identitárias?

Quatro teses sobre oportunismo e pragmatismo globais

Por que o violento cerceamento da “potência” negra pela truculência policial não inspirou o libelo woke dos jornalistas da emissora, aparentemente tão conscientes desse problema social nos últimos tempos?

Este humilde blogueiro tem quatro teses que apontam para uma mistura entre pragmatismo político e oportunismo de um grupo hegemônico da grande mídia que de repente começou a adotar palavras de ordem da militância identitária:

(a) A indignação woke global termina na página dois porque para o jornalismo corporativo como um todo não existe crise econômica: o que acompanhamos são flagelados de catástrofes naturais ou políticas externas das quais, infelizmente, o Brasil é vítima: mudanças climáticas, pandemia, guerra na Ucrânia e assim por diante. Portanto, aqueles pobres e, agora, sem-tetos não podem ser objetos de qualquer crítica de natureza econômica ou identitária. São simplesmente vítimas aleatórias de fatalidades bioclimáticas. Vítimas de eventos criados por Deus em seus infinitos desígnios misteriosos para além da compreensão humana.



(b) Também a indignação woke global termina na página dois porque, para a emissora, a causa identitária começou dentro de uma política de controle de danos: tentar descolar a imagem da Globo do golpe de 2016, para dar alguma credibilidade ao seu jornalismo e criar um simulacro de oposição ao governo Bolsonaro e sua base social de extrema-direita;

(c) A indignação woke global é calculada e estudada, fazendo um jogo casado com as estratégias de comunicação alt-right. Principalmente em ano eleitoral. Ora! O campo simbólico alt-right é o da guerra cultural e de costumes. Basicamente, é transformar discussões identitárias sérias em sensacionalismo woke exploitation: racismo, preconceito, ódio e intolerância seriam problemas decorrentes instituições culturais e de mentalidades retrógradas. Ou, mimimi politicamente correto de comunistas que querem se apropriar da cultura – escolas, educação, mídias, ONGs etc.

A Globo mantém as discussões identitárias no confortável (para a extrema-direita) campo das picuinhas culturais e dos costumes. Quando as coisas começam a resvalar perigosamente para o campo da economia política e da luta de classes (como no episódio no Centro de São Paulo), a emissora adota a objetividade jornalística – na verdade, um empirismo ingênuo.

Negros, trans, mulheres etc. podem se organizar, protestar e levantar suas bandeiras. Tudo, menos fazer a mesma coisa no campo político da luta de classes por direitos civis e econômicos.

Reportagens sobre feminicídios ou racismo nos campos de futebol, OK! Mas negros pobres protestando contra a meganhagem policial, deixa de inspirar a indignação global wok. Entra, tão somente, o pedido de solidariedade a flagelados em uma noite fria na capital: doem agasalhos para a “população em situação de rua” – expressão neutra, para ocultar o quão seletivo é a crise econômica neoliberal.

(d) Mas, principalmente, esse simulacro de oposição que Globo e grande mídia ensaiam serve para ocultar um consenso secreto em torno da “esperança branca” (mais uma vez, Bolsonaro) que parece crescer nos setores midiáticos, empresariais (aquela lista de empresas que estavam no encontro de Bolsonaro com Elon Musk em Porto Feliz/SP, nessa sexta-feira: BTG, Granja Faria, Cosan, Banco Inter, Galápagos, Riachuelo, Oi, Claro, Tim Brasil, Grupo JHSF entre outras, ou seja, Big Money e Big Tech) e políticos com a proximidade do embate eleitoral decisivo.



O freio de mão da Terceira Via

O melhor exemplo é a corrida com freio de mão puxado da “terceira via”. Com tantas idas e vindas, postergações e indefinições, parece que partidos como PSDB e MDB procuram ganhar tempo. Tempo de quê? De definir o apoio a Bolsonaro, sob a aparência de serem de oposição ao simular para o distinto público a urgência de uma terceira via em uma eleição polarizada.

Moro e João Doria Jr. não entenderam bem o jogo de simulações e acharam, de fato, que poderiam ser os campeões da terceira via... até serem torpedeados pelo “fogo amigo”. Não souberam brincar...

E agora, tucanos e emedebistas querem lançar a inexpressiva senadora Simone Tebet para calculadamente continuar a corrida sem sair do lugar. 

Tanto a indignação woke da Globo quanto a terceira via não passam da página dois, num grande show midiático canastrão de telecatch.

Urgência climática vs. Putin

Assim como não passa da página dois o “Acordo Verde para a Europa”: investimentos de um trilhão de euros contra as mudanças climáticas anunciados não há pouco tempo pela recém-eleita chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Acordo comemorado pelas testemunhas de Greta Thunberg dos tempos que ela xingava os adultos de hipócritas por não fazerem nada para evitar o fim do mundo.



Para além da questão de que a urgência climática é um novo modelo de negócios e manutenção do consumo altamente predatório das elites econômicas (os 10% mais ricos causam metade da poluição do planeta – clique aqui), nem a elite política e econômica parecem acreditar no próprio discurso.

Nesse momento a UE cogita voltar ao carvão para substituir o gás russo relativamente limpo – tudo para irritar o demoníaco Putin. Parece que irritar Putin tornou-se mais importante do que proteger o clima.

De repente, a urgência climática parece ter perdido a relevância. O embargo ao carvão russo leva ao aumento da produção precisamente deste combustível fóssil na UE. Por exemplo, a Grécia está voltando a sua forma particularmente mais poluente, a linhita. 

Ainda mais perigosa para o meio ambiente é a substituição do gás dutoviário por gás liquefeito americano ou do Catar. A conversão de um estado físico para outro só é possível com um alto nível de entrada de energia, ao qual deve ser adicionado o custo do transporte por água. Calcula-se que o transporte de gás natural liquefeito (GNL) em navios-tanque causa 2,5 vezes mais emissões nocivas para o ar do que o transporte por dutos. Isso sem falar nos danos ambientais causados ​​pela extração de gás de xisto.

Nada do que vemos na grande mídia parece passar da página dois... porque tudo não passa de telecatch para entreter o distinto público e desviá-lo do essencial para as espumas das simulações.

 

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