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sábado, maio 13, 2023

CPI das apostas esportivas e linchamento no Guarujá: como mídia faz pseudo-eventos e não-notícias


Pseudo-eventos em jornalismo se caracterizam por timing e oportunismo. É o caso da Operação Penalidade Máxima 2 que, AGORA, ganha destaque da grande mídia (depois da primeira fase da Operação ter sido escondida pelo escândalo que envolveu o técnico Cuca). Por quê? Porque AGORA a Operação ganhou sentido: a oportunidade de turbinar a criação de mais uma CPI no Congresso, dentro da agenda para criar desgastes ao governo. “... uma CPI a gente sabe quando começa, mas não sabe COMO termina”, críptica afirmação de uma “colonista” da Globo, revelando o ardil. Ansiedade midiática capaz de dar pernas também a não-notícias: o suposto linchamento no Guarujá (SP) por conta de uma “fake news”. O caso teve uma reviravolta, criando mais uma “barriga” jornalística: como o jornalismo corporativo sempre tenta encaixar acontecimentos em scripts. Dessa vez, gerado pela pressão da Globo pela necessidade da aprovação da PL das Fake News. 

“É ruim para o governo... uma CPI a gente sabe quando começa, mas não sabe como termina”. Essa foi a críptica afirmação da “colonista” Ana Flor, Globo News, ao lado dos repórteres Guilherme Balza e Ricardo Abreu, ao vivo diretamente do Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Mais uma vez, os jornalistas e apresentadores da Globo vão, em poucos dias, do chilique à excitação; dos protestos contra as Big Techs e a derrota na retirada da PL das Fake News para a possibilidade de mais um acontecimento dentro da pauta diária de desgaste do governo Lula: a possibilidade da abertura de mais uma CPI no Congresso, agora a CPI das apostas esportivas.

Afirmação críptica porque a jornalista Ana Flor sabe o que dizia: o timing e oportunismo da fala num momento que parece que a Globo, assim como o resto do jornalismo corporativo, finalmente descobriu a mais-valia semiótica para a segunda fase da Operação Penalidade Máxima que investiga escândalo de apostas no futebol brasileiro.

Mas antes, vamos relembrar alguns acontecimentos.

A Operação Penalidade Máxima, desencadeada pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) e iniciada no final do ano passado, investiga diversos jogadores e jogos de futebol das séries A e B por suspeita de manipulação de jogos através de esquema de apostas esportivas.

Escândalo que acontece num momento em que portais de apostas esportivas entram no país seguindo um minucioso planejamento – despejaram verbas publicitárias na imprensa corporativa, alternativa e blogs. Por exemplo, num intervalo publicitário do “Globo Esporte” com cinco inserções, quatro são de site de apostas. Todos sediados no Exterior.

Depois passaram a patrocinar massivamente times de futebol. Ao mesmo tempo, estimulou conteúdos editoriais na grande imprensa para naturalizar tudo isso: um artigo de Nelson Motta em despudorada defesa do jogo (“O tempo é seu e gaste como quiser. O Estado não tem nada a ver com isso”- clique aqui); ou a criação de quadros nos programas de esporte nos quais jornalistas e comentaristas fazem bolões “espontâneos” de apostas sobre os resultados dos jogos da rodada. 



Este humilde blogueiro nem vai entrar na questão de como esse ambiente de jogos e apostas se torna tóxico com o passar do tempo: caminho aberto para lavagem de dinheiro; num ambiente de crise econômica e precarização do trabalho torna-se uma patologia social ao induzir ao vício compulsivo em jogo e a perspectiva mágica do dinheiro fácil, arruinando relações familiares e de amizades; influência política com financiamento de campanhas etc.

Sites de apostas patrocinando clubes de futebol e até dando nomes a campeonatos da CBF (“Copa Betano do Brasil”, da CBF e Globo) encerra em si mesmo um conflito de interesses: o interesse esportivo vs. interesse financeiro privado. Era questão de tempo para explodir o primeiro escândalo de manipulação de jogos – assim como ocorreu nos EUA, Espanha e Itália, cujo mercado de jogos foi dominado por máfias locais.

A primeira fase da Operação Penalidade Máxima pegou a grande imprensa de surpresa – principalmente a Globo, parceira da CBF na Copa do Brasil que leva o site de apostas sediado na Grécia, Betano, na própria marca do evento.

Com timing preciso, tiraram a primeira fase da Operação do MPGO das breaking news com o oportuno escândalo envolvendo a contratação do técnico Cuca pelo Corinthians – a mídia esportiva trouxe à tona os protestos nas redes sociais contra o técnico condenado por estupro de uma jovem, na Suíça, em 1987, numa excursão do time do Grêmio.

Apesar de Cuca ter uma extensa e vitoriosa carreira de técnico e recentemente ter comandado o Atlético Mineiro (a torcida começou a protestar, mas a grande mídia e seu patrocinador, o BMG, simplesmente ignoraram as denúncias), além de ter feito parte da equipe de comentaristas da TV Globo na Copa da Rússia, por que só AGORA ganhou a ribalta midiática?

O fato é que o escândalo Cuca deu o tempo para a grande mídia pensar no quê fazer. Mas, principalmente, em como aproveitar a seu favor esse imbróglio, nitroglicerina pura! Principalmente quando sabiam que a segunda fase da Operação estava a caminho.



Vingança é um prato que se come frio... se o deputado Orlando Silva retirou da pauta do Congresso a PL das Fake News, tão ansiosamente aguardada pela Globo, a resposta viria a galope.

Se a reportagem não deu o espaço devido para as investigações da Operação (limitando-se à editoria de esportes), agora virou hard news com a criação da CPI das apostas esportivas ganhando força no Congresso – nesse momento o pedido já foi protocolado na Câmara com 205 assinaturas. Enquanto o presidente, Arthur Lira, já se comprometeu em instaurar a comissão.

Assim como foi a CPMI dos atos antidemocráticos, criada pela oposição para tentar reverter contra Lula e anular os seus ganhos políticos com os ataques, da mesma forma grande mídia está assanhada com a criação de uma quarta CPI em poucos meses do governo recém-eleito – já existe 16 propostas de abertura de CPIs e já estão sendo criadas: CPI do MST, CPI das Lojas Americanas, CPI do 8 de janeiro, e agora a CPI das Apostas Esportivas. 

Assanhada porque:

(a) Dentro da agenda do desgaste cotidiano do governo Lula, criar mais uma comissão de inquérito no Congresso não só desgasta a base apoio do governo que ainda não tem uma base sólida, mas, principalmente, desvia o foco da aprovação de projetos considerados prioritários por Lula como arcabouço fiscal e reforma tributária. Em outras palavras, entra em xeque a governabilidade;

(b) Essa ameaça de enxurradas de CPIs parece ter a mesma função estratégica das chamadas “pautas-bombas”, comandadas pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha, que ampliaram a crise do governo Dilma Rousseff ao bloquear a aprovação de PLs de interesse do Executivo, dificultando ajustes salariais e novas formas de arrecadação que ajudaram a alimentar a crise econômica autorrealizável – pedra de toque do golpe de 2016;



(c) CPI das apostas esportivas surge quando o ministro Haddad inicia movimento para regulamentação dos sites de apostas no Brasil. Como a críptica (ou ameaçadora) afirmação da “colonista” global Ana Flor diz, “sabemos quando começa uma CPI, mas não como termina”; a meta de cada uma dessas comissões é a criar uma situação em que a oposição consiga inverter a narrativa para voltá-la contra o governo;

(d) E, por último, o controle da pauta pela grande mídia. Desde o governo de transição pós-eleição, o jornalismo corporativo procura evitar que a pauta econômica (tema forte de Lula) ocupe espaço maior. Os estratégicos escândalos de evidências semanais (mas sem o “smoking gun”) contra Bolsonaro somados à escalada de criação de CPIs paralisam qualquer debate econômico.

E lembre-se, caro leitor: o tempo corre contra Lula. Essa é a aposta da grande mídia: com a ajuda da fantasia da “inflação de demanda” de Roberto Campos Neto, paralisar a economia com os juros elevados para castigar a base eleitoral do petista de até dois salários-mínimos. E torná-los vulneráveis ao discurso de extrema-direita.


Como dar pernas a uma não-notícia


Em postagem anterior vimos como a grande mídia, tendo a Globo à frente, liderou o lobby pela aprovação da PL das fake news. De repente, o furor investigativo foi despertado para descobrir coisas que até as emas do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto sabiam: a conexão das redes assassinatos nas escolas, ameaças à democracia, terra de ninguém, algoritmos que turbinam discursos da extrema-direita e assim por diante. Álibis para a Globo e o “jornalismo profissional” colocar a mão no bolo publicitário das plataformas – clique aqui.

Nesse bate-bumbo a favor da PL está valendo tudo. Até dar pernas a não-notícias. Como o caso do homem que foi linchado no Guarujá. Supostamente, teria sido mais uma vítima das fake news.

“Dono de empresa e pai orgulhoso: veja quem era o homem linchado e vítima de fake news no litoral de SP”, deu o portal G1. A manchete é um primor de típica operação de agenda setting para engrossar as opiniões pró PL das fake news.



Primeiro, a vítima (Osil Guedes): um “empreendedor” e “pai de família”. Segundo, a pegadinha da expressão “fake news” na manchete, conceito sempre identificado às redes sociais. Mas na matéria foi atribuído um significado mais genérico:  nas verdade as agressões teriam começado com um grito “pega ladrão” na rua – nada a ver, stricto sensu, com o conceito de “fake news”... foi um grito que teria incitado o suposto linchamento.

Mas a manchete deu pernas a uma não-notícia, para forçar a barra e o acontecimento entrar na pauta da denúncia sobre a desinformação nas redes sociais.

Para tentar turbinar a não-notícia, ainda foi tentado associá-la ao episódio de um linchamento na mesma cidade litorânea em 2014: o linchamento de uma dona de casa provocado por um suposto retrato falado, publicado numa página no Facebook, de uma sequestradora de crianças para rituais de magia negra – clique aqui

Inspirou até telenovela na Globo: “Travessia”.

Porém, em pouco tempo a reviravolta no caso revelou a “barriga” típica de uma não-notícia: na verdade a vítima teria sido espancada a mando de uma ex-namorada. No dia da cena do espancamento, dizem os investigadores, o dono de uma empresa de sucatas teria ido à casa da antiga companheira para agredi-la, mas os três acusados de matá-lo já estariam à espreita aguardando Osil.   

A imagem de “pai de família” foi definitivamente por terra quando se levantou a ficha da vítima: Osil Vicente Guedes era um ex-PM de Pernambuco, expulso da corporação em 2008, por integrar um grupo de extermínio considerado pelas autoridades o maior em atividade no país. Investigado pelo Ministério Público de Pernambuco através de uma mega força-tarefa que realizou 53 prisões de homens, a maior parte deles PMs, considerados matadores de aluguel. A quadrilha aterrorizava a Região Metropolitana do Recife e operava a partir do município de Jaboatão dos Guararapes, cobrando R$ 600 para executar alguém – clique aqui.

Ou seja, uma história sem mocinhos ou bandidos, vítima e algozes. O que deveria ser uma narrativa sobre mais uma vítima das fake news turbinada pelas vilãs Big Techs (deixarão de ser “vilãs” depois que dividirem o bolo publicitário com a Globo), virou um típico filme do cinema noir no qual todos são culpados...  

A não-notícia do “linchamento da fake news” é mais um exemplo de tantas outras barrigas criadas nos tempos do jornalismo de guerra (modus operandi que progressivamente está retornando): o caso do falso estudante do Enem (clique aqui), o hilário episódio do “tem alemão no campus” (clique aqui) ou a “barriga” durante a Operação Anti-Copa no Brasil: a entrevista com o falso técnico da seleção “Felipão” – clique aqui.

Essa não-notícia é também mais uma evidência de que, para o jornalismo corporativo, imprensa deixou de ser um negócio sobre venda de informações. Trata-se de, por assim dizer, vender “notícias criativas” – com uma pauta pré-estabelecida na cabeça, o jornalista tenta fabricar notícias, pegar acontecimentos para encaixá-los num script formatado pelo frame da agenda semanal.

 

 

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