Pages

terça-feira, outubro 05, 2021

Porque você NÃO deve assistir à série 'Lúcifer', por Claudio Siqueira


Lúcifer estreou sua sexta temporada. Mas, como faziam as antigas adaptações de histórias em quadrinhos para as telonas, difere muito da obra original. Em respeito à HQ, a única capaz de se equiparar (e talvez até superar) a Sandman, o Cinegnose vem elucidar 5 motivos pelos quais não se deve assistir à série. 

A série tem feito muito sucesso, curiosamente entre aqueles que NÃO leram a HQ. Ao contrário de Constantine, que não fez sucesso entre nenhum dos dois públicos (os que leram e os que não leram) e nem sequer chegou à segunda temporada, ou de Demolidor, que fez sucesso por parte de ambos os públicos (leitores e não leitores), Lúcifer conseguiu a proeza de ser uma série bem fraca e fazer mais sucesso do que a magnífica HQ. 

Mike Carey despontou como o novo Neil Gaiman ao capitanear o spin off de Sandman, Lúcifer. Pelas palavras do próprio Neil Gaiman, autor de Sandman e criador de Lúcifer como o conhecemos em Sandman #4 (abril de 1989): “O Lúcifer de Mike Carey é mais manipulador, charmoso e perigoso do que eu esperava.”

 

Lúcifer com semblante de David Bowie


A HQ continuou a ser escrita por outros autores, inclusive, por uma autora de New Jersey que atende pelo sugestivo nome de Holly Black. Holly e os demais nunca deixaram a peteca cair e Lúcifer continuou cínico, arrogante, com uma moral dúbia que nos faz questionar nossa própria noção da mesma. Não necessariamente perverso, mas nietzschedamente além do bem e do mal. 



Enquanto o sisudo filósofo cofia seus bigodes no Inferno, sentado à esquerda do deus filho todo-poderoso, vamos aos motivos para NÃO assistir à série.

Lúcifer é MUITO diferente do original

E me refiro à aparência mesmo. Lúcifer continua cínico, arrogante até certo ponto e faz os personagens – coadjuvantes ou não – questionarem a moral ocidental, mas um primeiro olhar para o protagonista já dá uma desanimada em quem leu as HQs. 


Daniel?! Não, Lúcifer


Assim como Keanu Reeves ficou péssimo como Constantine, o sorriso maroto de Tom Ellis querendo passar a imagem de sarcástico faz o Primeiro dos Caídos parecer um cantor de sertanejo sensualizando. O Lúcifer das HQs foi inspirado em David Bowie e o semblante do cantor e ator está presente nas edições #14 e #15, lançadas no Brasil pela Panini em O Universo de Sandman: Lúcifer Volume 3 como parte do selo Black Label.

É uma série policial!

Nada contra séries policiais, mas os quadrinhos nos dão um panorama filosófico, apresentando às vezes até quíntuplos sentidos em cada quadro. Nem sempre pelo que está escrito, mas pela própria gestalt das cenas, fazendo match cuts inteligentes em momentos que muitas vezes perpassam o espaço-tempo. 

A série nos dá uma trama policial onde Lúcifer, com sua sabedoria mais que milenar, (desde antes da Queda, na verdade), ajuda a policial Chloe Decker na divisão de homicídios do Departamento de Polícia de Los Angeles que vira seu affair e sua sidekick. Da mesma forma que Constantine virou uma espécie de Supernatural de quinta, Lúcifer se tornou um Doctor Who infernal. Isso dito novamente pelo próprio Neil Gaiman.




Na segunda edição de 2018 dos quadrinhos, lançada no Brasil em O Universo de Sandman: Lúcifer nº1, três bruxas cegas chamam a nossa atenção. Durante um ritual, elas utilizam um olho de um gato. Gatos são tidos como “familiares” comuns entre bruxos. Pra quem não sabe, “familiares” são animais de estimação com um laço mágico com seu dono, mas porque o simbolismo do olho? 

De acordo com algumas das muitas atribuições cabalísticas, onde cada caminho da Cabala corresponde a uma carta do tarô e a uma letra do alfabeto hebraico, o 26º caminho corresponde à 15ª carta do tarô, O Diabo, e à 16ª letra, Ayin. Seu significado é “olho”. 

A trama diverge muito das HQs

Como a FOX não detêm os direitos sobre os personagens da DC, não tivemos as eventuais participações de outros protagonistas do selo Vertigo como o Constantine, por exemplo. Interpretado por Matt Ryan, este sim, um excelente Constantine, a despeito da série. 

Amenadiel aparece tão bundão quanto o anjo Manny, de Constantine e não é nem de longe o anjo dantesco, invocado e grisalho (de aparência mais velha) dos quadrinhos. Na série, além de mais jovem, nem cabelo Amenadiel tem.


Tudo bem que dizem que o Carnaval é a festa do Demo, mas não sabia que Lúcifer tinha desfilado pela Portela... Se bem que "demo" é "povo" em grego


Mazikeen aparece carinhosamente apelida de Maze… que meigo! Sua face disforme ficou bem representada, mas sua fala truncada presente nas HQs foi substituída pela “lingua demoníaca”, que a atriz Lesley-Ann Brandt interpreta guturalmente muito bem. Esperemos que agora, com Sandman e Lúcifer na NetflixMorpheus possa aparecer. Hmm… pensando bem, melhor não.

A série não é dantesca

O próprio termo “dantesco” que usei aqui e no tópico anterior vem do nome de Dante Alighieri por ter escrito A Divina Comédia, sendo um dos capítulos/atos, Inferno. Diferentemente do clima soturno dos quadrinhos de Lúcifer, que não chega a ser lúgubre e de estética gótica como Sandman, a HQ apresenta tramas que envolvem deuses de outros panteões e arcanjos, demônios da demonologia (perdoem o pleonasmo infernal) e até personagens históricos como Willian Blake.


Gabriel alcoólatra


Todos são devidamente humanizados, não no sentido que a palavra tem atualmente, mas de modo a torná-los próximos da condição humana, como um Anjo Gabriel ébrio, por exemplo. Na série de TV, temos diversão garantida para você e sua família, com draminhas pseudo existenciais e uma psicanalista comum a alguns personagens. Seu nome? Linda Martin! Que lindo!

Deus é casado!

Isso mesmo! Dramatizando a frase célebre de Nietzsche, “Deus está morto!”, a saga de 2016 mostra uma estranha entidade ocupando o trono do Criador. Na série, o Todo-Poderoso não só é menos beligerante (e talvez menos onipresente) como ainda é casado! Com a MÃE de Lúcifer!


A entidade que ocupa o trono de Deus, na HQ


Bom, se você nasceu, possivelmente tem uma mãe mas Lúcifer e os demais nem chegaram a “nascer” já que se tratam de entidades, conceitos, arquétipos ou mitos. Acho que isso não consta nem na Bíblia, se não me engano. Lúcifer Estrela da Manhã, e os demais anjos surgem sem ter que passar por um parto ou coisa que o valha.  


A foto alude à carta do tarô "O Diabo"


Se você ainda está disposto a assistir à série, a 6ª temporada já está dando o que falar, mas não leia os quadrinhos ou só os leia depois. Se você leu e ainda não assistiu, não assista. Ou assista, mas sem expectativa, que é a mãe de todas as decepções. Se já acompanha a série, você anda mal acompanhado. Perdoe-os, Lúcifer, porque eles não sabem o que assistem.  

 

 

Postagens Relacionadas


Satanás é o último humanista na série “Lucifer”



Muito além de um jogo de luta: as influências ocultas de “Mortal Kombat”



“Godzilla Vs. Kong”: muito além da jornada do herói



“Samorost 3”: gnosticismo em um jogo eletrônico