A semana começa com a repercussão de um complexo sincrônico de eventos: o “apagão” global do Facebook, Instagram e WhatsApp, a revelação do “Pandora Papers” de que Paulo Guedes (Economia) e Roberto Campos Neto (Banco Central) possuem offshores em paraísos fiscais. E a grande mídia fazendo o que pode para blindá-los ou, no máximo, fazer “jornalismo Snapchat” como o da “Folha”. O que têm em comum? O Projeto Cyber Polygon do Fórum Econômico Mundial e a agenda do “Grande Reset Global” que teve no Facebook o seu grande golpe de propaganda: deixe um número suficiente de pessoas confiar em gigantes tecnológicas sem qualquer regulação pública e você terá uma vulnerabilidade parecida com o que representou Pearl Harbor para os EUA na Segunda Guerra Mundial. O “Grande Reset Global” das offshores de ministros e da própria grande mídia que se preparam para o próximo salto mortal do Capitalismo: a pandemia digital para mitigar o próximo crash – a da bolha do dinheiro digital.
Em postagens anteriores discutíamos a natureza e implicações do projeto do Fórum Econômico Mundial (FEM), comparado ao “Event 201” (também do FEM) que aparentemente anteviu e roteirizou a crise da pandemia COVID-19: é o Projeto Cyber Polygon, cujo evento nesse ano simulou em tempo real as consequências de um ataque cibernético na cadeia de suprimentos global. Literalmente, o evento desse ano alertou que, depois da pandemia biológica, a próxima pandemia poderá ser digital – clique aqui e aqui.
Embora Mark Zuckerberg tenha participado das reuniões do FEM em Davos, Suíça, o Facebook não é uma peça importante na cadeia de suprimentos global. No entanto, sua interrupção de várias horas nesta segunda-feira gerou medo e pânico nos corações de 2,8 bilhões de usuários. Agora, em um único dia, o mundo inteiro entende os perigos de um ataque cibernético massivo.
Esse foi o resultado da impressionante trajetória da Internet e domínio das redes sociais nas vidas e negócios de bilhões de usuários. Parece que o Projeto Cyber Polygon teve o seu grande golpe de propaganda por indução: deixe um número suficiente de pessoas confiar em gigantes tecnológicas sem qualquer regulação pública e você terá uma vulnerabilidade parecida com o que representou Pearl Harbor para os EUA na Segunda Guerra Mundial.
Nos anos 1980-1990, a Internet prometia ser uma forma radicalmente nova de as pessoas acessarem as informações. Algo como uma grande biblioteca universal, livre dos gatekeepers das mídias de massas impressas e eletrônicas. Mas apenas repetiu o ciclo do desenvolvimento do capitalismo dos séculos XIX-XX: primeiro, o faroeste da corrida do ouro, única e livre; para depois, a era dos barões capitalistas sem escrúpulos que criaram monopólios e trustes que passaram a dominar o setor com a integração vertical e horizontal.
Hoje as grandes empresas de tecnologia são tão grandes que engoliram partes inteiras da Internet e controlam a forma como a maioria das informações e comunicações fluem.
A interrupção como a que ocorreu na segunda-feira não é inédita. Vários grandes sites de Big Tech travaram nos últimos meses, mas geralmente por um curto período de tempo. Também houve um aumento de incidentes cibernéticos nos últimos anos, incluindo ataques cibernéticos que visaram infraestruturas críticas, seja em Israel, nos EUA ou em outros lugares.
Sincronicamente, esses “incidentes” se avolumam no momento quando o FEM, através do seu fundador Klauss Schwab, fala em “Grande Reset Global” – a necessidade de “renovar todos os aspectos da sociedade e economias, desde a educação até as condições de trabalho”. Enquanto os scholars usam termos mais indiretos como “quarta revolução industrial” e intelectuais progressistas denunciam a ascensão do chamado “capitalismo de plataforma”.
O mais notório não foram as sete horas em que Facebook, Instragram e WhatsApp ficaram fora do ar. Mas a aliança da grande mídia com Zuckenberg para explicar aos distintos usuários o que causou tal cenário apocalíptico. Explicações tautológicas como “interrupção de protocolo”, “mudança na configuração dos roteadores backbone” que fizeram o Facebook dizer ao BGP (Border Gateway Protocol) que os caminhos que o Facebook executa não existiam mais: simplesmente disseram que “saiu do ar porque ficou fora do ar”. Numa argumentação tautológica disseram o “como” e não o porquê de a configuração de repente sumir.
Erro técnico interno? Ataque hacker? Sabotagem corporativa? Pouco importa. O fato é que o Projeto Cyber Polygon teve o seu Pearl Harbor, o seu golpe de propaganda.
Fuga da taxa de lucro decrescente
O Event 201, acontecendo simultâneo ao Projeto Cyber Polygon (pandemias biológica e digital correndo em paralelo), parecem apontar para um modus operandi que combina paradoxalmente uma novidade dentro do movimento eternamente cíclico do Capitalismo: a fuga de uma contradição inerente ao modo de produção capitalista – a tendência da taxa de lucro decrescente.
E essa fuga cíclica não se dá através de alguma fantasia escapista do Big Money dono do Capital. Ele acontece através de espetaculares saltos mortais na História, nos quais ameaça quebrar o próprio pescoço, mas, tal como magnífico ilusionista Harry Houdini, consegue escapar e alcançar um novo patamar de celebridade: o realismo capitalista – tal como nos filmes sci-fi distópicos, nos quais é mais fácil para os roteiristas imaginar o fim do planeta numa catástrofe cósmica do que narrar o fim do Capitalismo.
O Capitalismo parece ser sólido e eterno. Porém, a sua história é a história de superações de contradições. E a principal delas é a queda tendencial da taxa de lucro.
Logo no início do Capítulo XIII de O Capital, “A Lei Enquanto Tal”, Marx descreve o processo econômico capitalista fundamental: o decréscimo relativo do capital variável (aquele despendido na compra da força de trabalho, quer dizer, os gastos efetuados com salários) em relação ao capital constante (aquele despendido em máquinas, matérias primas, manutenção de equipamentos e instalações etc.) e, com isso, seu decréscimo em relação ao capital global posto em movimento.
Marx apontava que o desenvolvimento capitalista acirraria as suas próprias contradições internas. Resumidamente podemos apresentar o seguinte diagnóstico feito por ele: O capital viveria uma contradição entre o crescimento das forças produtivas (o caráter social do trabalho) e a apropriação privada da riqueza através da expropriação do excedente (mais-valia e lucro). Essa contradição básica produziria uma série de outras como a tendência à taxa decrescente de lucro, crises periódicas de superprodução e anarquia do mercado.
O caráter social do trabalho levaria a uma tendência irresistível de liberação das forças produtivas (o aumento da produtividade dos trabalhadores através da inovação tecnológica, automação etc.) que alteraria a composição orgânica do capital (crescimento do capital constante em relação capital ao variável) e como consequência a queda da taxa de lucro: é impossível extrair mais-valia do “trabalho morto” (máquinas) que começa a substituir o “trabalho vivo” (operários). Para Marx, capital é “trabalho morto que, como um vampiro, vive apenas da sucção do trabalho vivo, e vive quanto mais trabalho vivo suga”.
Porém, o capitalismo está muito longe de dar o último suspiro. Marx também descreveu as estratégias do capital frear ou adiar essa queda tendencial do lucro. Seriam seis: elevação do grau de exploração de trabalho,compressão do salário abaixo do seu valor, barateamento dos elementos do capital constante, superpopulação relativa que força a queda dos salários, alargamento das fronteiras comerciais, aumento do capital por ações.
Saltos mortais do Capitalismo
No século XX, o economista Ernest Mandel (1923-1995) descobriu mais uma estratégia de resiliência do capitalismo: na sua forma “tardia” criou uma industrialização generalizada e sem precedentes não só para a produção de mercadorias, mas em todos os setores da vida social: produção, lazer, cultura e trabalho (Veja MANDEL, Ernest “Capitalismo Tardio”, série “Os Economistas”, Abril, 1982). Essa industrialização generalizada (que leva a hipertrofia de setores terciários como finanças, comércio, publicidade, mídia, etc.) seria o resultado de uma crise do Capital se valorizar decorrentes das contradições descritas por Karl Marx.
Por isso o capital expande a lógica da industrialização para outros setores: circulação, consumo, serviços até chegar à financeirização onde o próprio dinheiro transforma-se em mercadoria – na verdade sempre foi, mas na financeirização chegamos ao paroxismo. Suas constantes crises são uma espécie de “destruição criadora” (Schumpeter). Complexas e oportunistas engenharias financeiras são elaboradas, para nos momentos de “crise”, os detentores de papéis, títulos e ações repentinamente sem lastro (na verdade nunca tiveram) chantagearem a sociedade e o Estado por liquidez para mantenhae a credibilidade no sistema.
Esses saltos mortais que ciclicamente mitigam a tendência da taxa de lucro decrescente podem ser cronologicamente enumerados:
(1) Após Crash de 1929, ascensão do nazi-fascismo e Segunda Guerra Mundial – monopolização da energia e finanças, a base do capitalismo global – Cf. GRAZIANO, Walter, “Hitler Ganhou a Guerra”, Sudamericana, 2004;
(2) Pós-guerra: Sociedade de consumo e a “industrialização generalizada” através da publicidade e indústria do entretenimento – criação de valor através da especulação das imagens e informação (Publicidade, Jornalismo, Relações Públicas etc.) e ascensão do dinheiro-crédito;
(3) Fim do lastro-ouro para o dólar em 1971 (Nixon, EUA) com o fim do Acordo de Breton Woods, criando condições para a liquidez que seria a base da futura globalização – a mercantilização do dinheiro levado ao paroxismo: a espiral especulativa – ascensão do dinheiro eletrônico;
(4) Anos 1990 e a Globalização: conexão das praças financeiras em tempo real através da telemática – gerar valor através de ondas e mais de ondas de investimentos especulativos, dado que os capitalistas buscam lucros fáceis apostando nos mercados de dinheiro, aventuras financeiras, fundos de investimento (hedge funds) etc. – confirmando o diagnóstico do “alargamento das fronteiras comerciais” de Karl Marx como estratégia para frear a tendência descrescente do lucro. Claro que Marx jamais imaginaria isso através da financeirização global em tempo real;
(5) Crash de 2008 e o crash financeiro global de 2020 mitigado pela pandemia Covid-19 – lançamento da agenda do “Grande Reset Global” pelo FEM – ascensão do dinheiro digital (bitcoins) e do capitalismo de plataforma;
(6) Agenda do Grande Reset Global (2020): fim do capitalismo de escala (massificação do consumo) e a concentração máxima de investimentos no capital constante (tecnologia) e formas de aumentar valor agregado aos produtos (elitização do consumo) – Necropolítica e Necrocapitalismo para criação do Estado Mínimo (fim dos programas sociais e redistribuição de renda) e controle populacional (fim do exército industrial de reserva).
O único papel relevante do Estado será o de injetar liquidez no sistema financeiro para os futuros saltos mortais do Capitalismo, principalmente após o crash das bitcoins.
Pandemia biológica e digital
Nesse ponto está a convergência com o Projeto Cyber Polygon: assim como a pandemia biológica foi uma forma de mitigar ou ocultar da opinião pública o crash financeiro de 2020 (apesar da maior e mais rápida concentração de riqueza da História – natural e qualquer crash financeiro, mas, nesse caso, com velocidade sem precedentes), a pandemia digital será a próxima crise como evento diversionista para desviar da atenção de todos do próximo salto mortal do Capitalismo pós-crash das bitcoins: Dinheiro quântico?
Além de tudo isso, convenhamos. O tom sensacionalista que a grande mídia deu à queda das ações do Facebook em 5,6% (“Zuckenberg ficou US$ 5 bilhões mais pobre”, gritou o jornalismo corporativo) foi mais uma estratégia diversionista para entreter a patuleia, enquanto o “apagão” visava dois objetivos bem definidos:
(a) Criar a Pearl Harbor propagandística para o Projeto Cyber Polygon;
(b) Mais uma modalidade de concentração de riqueza num quadro geral de crash financeiro em câmera lenta, desde o ano passado: a “falha” do Facebook foi apenas uma maneira de transferir dinheiro de vendedores em pânico (as “sardinhas”) para os investidores institucionais (os “tubarões”).
O que está “falhando” nesse mundo das ações de tecnologia é a bolha dos lucros irracionais. Esse é um padrão bastante comum para ações de crescimento difíceis de valorizar, como tecnologia: os aumentos de preços são inflacionados excessivamente pelos investidores que estão olhando para o preço das ações em vez da valorização, e da mesma forma corrigidos excessivamente durante as liquidações.
Em tudo isso, encaixa-se perfeitamente ao papel da grande mídia em blindar o escândalo da lista do “Pandora Papers” que pegou com a boca na botija o ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto – os dois também têm offshores (empresas abertas em paraísos fiscais), criando um gravíssimo conflito de interesses.
Por que a grande mídia esconde as offshores milionárias de Guedes e “Bob Fields” Neto? Ora, porque ela própria também é rentista: sabe que tanto o capitalismo de escala e o modelo comercial de inserção publicitária em troca de entretenimento acabaram.
Por isso, enquanto recheiam seus intervalos publicitários com bancos e empresas de investimento financeiro, empresas como Rede Globo, Editora Abril e Grupo RBS (afiliada à Globo na região Sul) possuem milhões em paraísos fiscais, como revelados, por exemplo, pelos “Paradise Papers” em 2017 - conjunto de 13,4 milhões de documentos eletrônicos confidenciais de natureza fiscal que foram enviados ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung – clique aqui.
Não é à toa que a grande mídia assumiu o papel de partido político de oposição e, tal como um kamikaze, pulou de cabeça no lavajatismo e na destruição das cadeias produtivas da economia nacional e dosoftpower – engenharia, tecnologia nuclear, cadeia produtiva do petróleo etc.).
O tradicional caráter predatório da elite brasileira, dessa vez, se associa com o Grande Reset Global. Como num sonho realizado, os barões da mídia e a elite industrial que virou também rentista vê nessa grande reinicialização do Capitalismo, projetada pelo FEM, a materialização do único projeto que secretamente nutria: livrar-se do povo e da própria Nação.