Pages

sexta-feira, agosto 13, 2021

O significado oculto das máscaras no rock Nu Metal, por Claudio Siqueira


Joey Jordison, ex baterista do Slipknot, vulgo Nº 1, como os membros da banda se auto-intitulavam, morreu dia 27 de julho deste ano, aos 46 anos, por causas desconhecidas. Segundo consta, morreu dormindo. Mas não vamos falar de Joey e sua morte, nem da banda em si, mas do nu metal e suas máscaras. O Cinegnose mostra as bandas que deram origem ao estilo, seus precursores, os personagens de filmes de terror slasher que serviram de inspiração e o significado oculto do uso de máscaras em culturas ancestrais – a máscara como incorporação de espíritos.

Na metade dos anos 1990, em plena apoteose da cena grunge e uma certa decadência do heavy metal tradicional, surge na Califórnia (a nova Roma dos tempos modernos) um estilo que mesclava não só as vertentes musicais quanto étnicas: o tal do nu metal.

Nu é uma abreviação de new (novo) e o termo foi cunhado para designar o que seria uma nova forma de se fazer heavy metal, embora o estilo mesclasse outros gêneros: o punk rock, o pós-punk (gentilmente apelidado de “gótico”), o hardcore, o hip hop, o industrial (dadas as sonoplastias inseridas nas músicas) e o world music, um rótulo genérico usado para designar músicas típicas de locais do mundo que não os EUA.

Como a Califórnia tem muitos imigrantes e descendentes dos mesmos, nada mais justo do que mesclar suas tradições musicais ao estilo. Com guitarras funkeadas de até sete cordas       e afinação grave, linhas de baixo pulsantes e por vezes executadas no slap, estribilhos insólitos e vocais dúbios que faziam os vocalistas ocuparem o lugar tanto de vítimas quanto de algozes, enquanto vociferavam letras que falavam desde as mazelas da sociedade até a psicopatia.

A árvore genealógica do nu metal

No final dos anos 1980, a antológica banda Faith No More recrutou o vocalista Mike Patton (chamado o Mr. 1000 Voices) de sua banda, o Mr. Bungle, o embrião para o estilo. A música Epic, do disco The Real Thing (1989), bem como todo o disco, foi a centelha para que o estilo se consolidasse. Epic é tida por muitos (inclusive pelo vocalista do Korn, Jonathan Davis), como o estopim para o gênero.



Em 1992, no auge do metal e principalmente do thrash metal, algumas bandas se destacaram por fazerem um som diferente. O White Zombie, do cantor e cineasta Rob Zombie, lança La Sexorcisto: Devil Music Vol. One. O Biohazard lança Urban Discipline e o Body Count, o álbum homônimo, ambos combinando (*Digo “combinando” dada a diferença entre mistura e combinação teorizada na Química. Somente mais tarde, com o advento do nu metal, houve a mistura real de ambos) hip hop com heavy metal como ninguém. O Fear Factory lança seu álbum de estreia, Soul of a New Machine, que, a começar pelo título, Alma de uma Nova Máquina, e pela capa (uma ultrassonografia revela um feto com o olho infravermelho), demonstrando que algo novo estava para nascer.




A maioria das bandas tratava de temáticas satânicas (black metal), da morte (death e doom metal) ou de fantasia medieval (power metal), salvo o thrash metal e o speed metal, que abordavam temas políticos e da vida em si mesma, como o tormento pessoal. O Fear Factory, novamente, a começar pelo título, já demonstrava uma preocupação em abordar novos temas. “A Fábrica do Medo”, onde o termo Medo já dava a conotação metal e o termo Fábrica demonstrava claramente a preocupação com o industrial, a sonoplastia aplicada à banda, além da mecanização do ser humano como um todo, do taylorismo ao transumanismo.

Com riffs sincopados em guitarras de 6 ou 7 cordas, bateria com ruflos improváveis, baixo distorcido e um vocal que, assim como os de Phill Anselmo, do Pantera, alternavam entre o canto melódico e o gutural, o Fear Factory criava uma atmosfera de filmes que mesclam terror e ficção científica para falar de temas como o transumanismo, drones, O Grande Irmão, críticas à moral cristiã e perseguição aos latinos nos EUA, já que dois de seus membros tinham (e um ainda tem) ascendência mexicana.

A música H-K (Hunter-Killer) traz um sample de uma fala de O Exterminador do Futuro 2, Your Mistake, cover de Agnostic Front, com o vocalista Freddy Lafayan Cricien, do Madball, ambas as bandas (Agnostic Front e Madball) cujos vocalistas são meio-irmãos de uma mãe cubana; Freddy, de um pai colombiano. As duas músicas do segundo álbum do Fear Factory, Demanufactory. Ou seja, uma mistura de Willian Gibson, Aldous Huxley, George Orwell, Aleister Crowley (o vocalista, Burton C. Bell tem o Hexagrama Unicursal tatuado no braço direito), com uma apimentada mexicana.

O nu metal enfim

Em 1994, o Coringa satânico Marilyn Manson e a banda Korn lançam seus álbuns de estreia: Portrait of an American Family e o autointitulado, respectivamente. Antes de seu álbum de estreia, a banda do jornalista Brian Hug Warner se chamava Marilyn Manson & The Spooky Kids (Marilyn Manson & os Garotos Fantasmagóricos, em tradução livre).

Marilyn Manson nem é considerado da cena nu metal, mas faz parte da safra de bandas da época a mesclar o metal com outras vertentes. A banda foi iniciada em 1989 e pastou bastante até atingir o estrelato, tendo lançado dez fitas demo antes do primeiro disco. Cada membro da banda assinava com um prenome de uma modelo ou pin up famosa e o sobrenome de um serial killer.


Marilyn Manson & The Spooky Kids

Algumas letras falavam de bullying, como Lunchbox, inspirada numa lei de 1972 do estado da Flórida que proibira o uso de merendeiras de metal. Na letra, Manson suscita a ideia de usar a merendeira como arma pra bater nos moleques que fariam bullying com seu eu-lírico. Outras, criticavam o pseudomoralismo, como Get Your Gunn, que rendeu um single e falava do assassinato do Dr. David Gunn, pelo antiabortista Michael Frederick Griffin.

Michael foi incitado a cometer o atentado por John Allen Burt, um cristão fundamentalista que foi preso por assediar menores de idade e chegou a ser membro da Ku Klux Klan.

O trocadilho presente no título bem como o duplo sentido em muitas de suas letras rendeu o atentado realizado por Eric David Haris e Dylan Bennet Klebold em 20 de abril de 1999 em Columbine, no estado do Colorado, EUA. Ambos sofriam bullying severo por parte de colegas e resolveram se vingar no melhor estilo spree killer: Atirando em várias pessoas para depois cometer suicídio com as próprias armas. Quando perguntado sobre o que diria para eles, Marilyn Manson respondeu: “Eu os ouviria”.

Jonathan Davis, vocalista do Korn, também sofrera bullying na faculdade por usar roupas largas e delineador nos olhos, além do som que curtia. A música Clown e seu clipe revelam isso. Faget fala exatamente de como o chamavam de “viadinho”, assim como faziam com Eric Haris e Dylan Klebold. Na letra, Jonathan grita “HIV”, já que ganhou esse apelido e chegou a tatuá-lo. Na época, dizia-se que a aids era uma “doença de gay”.

Faget, fagget (ou simplesmente fag) ou faggot derivam da expressão fagot-gatherer (catadora de lenha, em tradução livre). Segundo o historiador Douglas Harper, fagot designa o graveto que serve de estopim para acender a fogueira. As viúvas mais velhas ganhavam a vida catando lenha e o apelido pejorativo tanto compara o indivíduo a uma velha quanto ao graveto, já que os gays, assim como as bruxas, “derivam” ser queimados.




A capa do primeiro álbum mostra uma menina brincando no balanço e observa um homem se aproximando enquanto protege seus olhos da luz do sol. Apenas a silhueta do homem nos é mostrada e percebe-se que segura algum objeto pontiagudo em suas mãos. Na contracapa, o balanço está vazio, dando a entender que foi raptada. Não sei se foi o caso, mas a capa lembra a história À Espera do Homem da antiga HQ Hellblazer. O título é uma tradução de Waiting for the Man, música do Velvet Underground.

Na música Daddy, Jonathan narra um abuso sexual sofrido por ele quando tinha 10 anos. A banda nunca executava tal música ao vivo e Jonathan realmente chora muito ao fim da faixa. Somente em 2015 ele ganhou coragem de cantar ao vivo após ter superado seu trauma de infância.

Coal Chamber, Slipknot, Mudvayne, o chopper e as máscaras

Em fevereiro de 1997, o Coal Chamber lança seu álbum de estreia graças a Dino Cazares, guitarrista do Fear Factory, que descobriu a banda através de sua fita demo. O vocalista Dez Fafara foi o primeiro a tentar fazer o chopper no nu metal. Chopper é uma técnica de rap criada no meio-oeste dos EUA muito utilizada pelo grupo Bone Thugs-n-Harmony entre outros. No Brasil, o precursor desta técnica foi o rapper MV Bill, mas nunca ninguém tinha feito o chopper gritando.

Em 1999 o Slipknot lança seu álbum de estreia, homônimo. A banda chegou a ser acusada de ter plagiado o visual do Mushroomhead, que já havia lançado três álbuns. Ambas as bandas se tornaram amigas dez anos depois, mas o que nos interessa são as máscaras e as letras. Corey Taylor, frontman do Slipknot, conseguiu executar em praticamente todas as suas músicas a técnica do chopper – gritando. Além de cantar normalmente como convinha às vertentes do estilo.


Mushroomhead (acima) e Slipknot


Fred Durst foi o primeiro a incorporar o rap “oficialmente” ao nu metal embora o Korn e o Deftones já tivessem uma levada hip hop, mas não da forma como Corey o fez. Mais tarde (2000), Chad Gray, do Mudvayne, repetiu o feito e sua banda usava o visual mais próximo do Coal Chamber, sem recorrer à androginia, suscitando a ideia de psicopatia, como por exemplo, pelo macacão jardineira de Chad.

O primeiro hit do Slipknot, Spit It Out, já deixa o bullying, ou, ao menos, os relacionamentos tóxicos, nas entrelinhas: “All you wanna do is drag me down. All I wanna do is stamp you out!” Em Cradle, de Mudvayne, o vocalista narra seu abandono por seu pai. Em 2014, outra banda segue os passos de Mushroomhead e Slipknot. De ascendência latina, o Terror Universal tem o visual semelhante. Em seu hit de estreia, o refrão já deixa claro o inferno emocional do psicopata: “Pain is all that I can feel. Darkness is the only thing that’s real. There’s something alive inside of me”.

Embora também usem máscaras monstruosas e fantasmagóricas como o Mushroomhead, os músicos do Slipknot usam um macacão. Algo próximo à estética do hip hop, mas tanto as máscaras quanto as roupas remetem a um determinado personagem da vida real: John Wayne Gacy.

John Wayne Gacy, o Palhaço Assassino

John Wayne Gacy era Membro da Defesa Civil de Illinois, foi tesoureiro do Partido Democrata e chegou a receber o título de Homem do Ano de Chicago. Era palhaço animador de crianças em hospitais e festas infantis. Foi preso por 18 meses em Iowa (a cidade de Corey Taylor e título do segundo álbum do Slipknot) por abuso sexual a um menor de idade.

John era espancado e abusado sexualmente por seu pai e molestava apenas garotos da idade em que ele era molestado. O macacão da banda e as máscaras vêm da estética clown de Gacy. O nome da banda, Slipknot, sugere um laço frouxo, um nó fácil de desatar. Num bom português, algo como “arregaçando as pregas”, visto que John estuprava meninos, o que fica evidente na capa do primeiro álbum do Slipknot.


John Wayne Gacy como o palhaço Pogo


A história de John rendeu a lenda urbana da Kombi que Leva Criança e serviu de inspiração para outros artistas e obras midiáticas: o grupo de rap Insane Clown Posse, o codinome do ex-tecladista de Marilyn Manson, Madonna Wayne Gacy, o palhaço Pennywise, do romance It (1986), de Stephen King e os personagens Violador e Billy Kincaid, da HQ Spawn, de Todd McFarlane.

Os Serial Killers e as Máscaras

Em 1974 o filme O Massacre da Serra Elétrica mostra uma família de psicopatas que aterroriza a mocinha Sally Hardesty. O mais icônico de todos faz jus ao título do filme e usa uma máscara feita com pele, costurada com partes de suas vítimas, o que dá o nome do personagem: Leatherface. “Cara de Couro”, numa tradução livre.

Em 1978, o pitoresco diretor John Carpenter nos brinda com o que seria o “piloto” de uma série de filmes slasher da década de 1990. Embora o Massacre da Serra Elétrica tenha sido, talvez, o precursor do gênero, Halloween mostra o “proto-Jason”, Michael Myers. O sociopata confecciona suas próprias máscaras e, segundo a refilmagem de Rob Zombie, não admite que se toque nelas.

Em 1980, com o sucesso de Halloween, outro personagem da cultura pop desponta em plena primavera: Jason, em Sexta-Feira 13. Jason também usa máscara e todos os três parecem inspirados em John Wayne Gacy, assim como a entidade Pennywise de It e o vilão dos quadrinhos de Spawn. Embora a máscara de Corey tenha a ver com as de Leatherface, Michael Myers e até de Jason, um dos percussionistas, Shawn Crahan, Nº6, usa sempre uma máscara de palhaço.

As Máscaras e a Incorporação de Espíritos
Halloween

A ideia de se usar máscaras permeia várias culturas e sempre diz respeito a incorporar um espírito. O feriado gaélico de Samhain, comemorado na Escócia, Irlanda e na Ilha de Man (situada entre a Escócia e a Irlanda do Norte) utilizava uma máscara que deu origem à Abóbora de Halloween. Está aí a origem da máscara de Michael Myers da franquia Halloween e uma das de Corey Taylor, do Slipknot.


Máscara tradicional de Halloween


Quem já jogou ou teve a oportunidade de conhecer o universo do escritor suíço Mark Rein-Hagen, World of Darkness, se lembra de que no RPG Lobisomem: O Apocalipse, a Película separa o mundo físico do espiritual. Também o RPG: Changeling: The Dreaming, nunca traduzido no Brasil, aborda o universo das fairies, embora não se trate apenas das fadas, duendes ou gnomos e é exatamente nisso que se centrava o Samhain: os humanos podiam se conectar aos Ao Sí, chamados Sith pelos escoceses.

Kamikaze

No Japão, a tradição do xintoísmo fala dos kami, espíritos ou divindades, embora o conceito de “deus” seja bastante ocidental, dada a etimologia do termo grego theo. No xintoísmo, há uma espécie de animismo já que até o Monte Fuji possuiria o seu kami. Outros pontos geográficos e quaisquer objetos, também. O termo kamikaze significa algo como “deus vento” ou “vento divino” designando, portanto, o kami do vento.

Alguns dizem que o termo associado aos pilotos japoneses é porque, ao morrerem com honra devido ao seu ataque suicida, tornariam-se kami(s) do vento, kamikazes. A origem do termo, no entanto, relata um tufão que teria salvado o Japão e o ataque suicida visa correlacionar a brigada aérea a uma lufada de ar divina, já que defendia os interesses da nação. Também oriundo do xintoísmo, a raposa (kitsune) é considerada um animal mágico, capaz de se transformar. Diz-se serem mensageiras de Inari, o deus do arroz e, portanto, da prosperidade. A lutadora Kunimitsu, da série de games Tekken, representa a lenda.

Kabuki e Noh, o Teatro Japonês

No teatro tradicional Kabuki, os atores utilizavam máscaras características. O termo kamen significa máscara, como em Kamen Rider (Motoqueiro Mascarado). O personagem Kyoshiro Senryo, da série de games Samurai Shodown, é um dançarino kabuki. Ambos os termos, kamen e kami parecem ter a mesma etimologia dado o radical da palavra, se isso é possível em japonês, já que, ao vestir uma máscara (kamen), o indivíduo ou ator passa a incorporar um espírito (kami).


Máscara Kabuki


No teatro tradicional Noh, as máscaras possuem uma “expressão inexpressiva”. Algo como a Poker Face, a expressão sem expressão que visa impossibilitar a leitura de micro-expressões faciais num jogo de pôquer. O ícone mor do teatro ocidental, as duas máscaras que mostram duas expressões diametralmente opostas, felicidade e tristeza, são apresentadas no Noh na mesma máscara, sem que haja necessidade de se trocá-la. A ideia é que o ator consiga imprimir emoção com a máscara mediante movimentos sutis.

Quando olha para cima (terasu), a máscara mostra uma ligeira expressão de felicidade e, quando olha para baixo (komorasu), a máscara expressa tristeza. Houve uma tentativa de usá-las em sessões psiquiátricas para detectar a disfunção no reconhecimento de expressões faciais. Após colocar o figurino, o shite (protagonista) vai ao kahami no ma (camarim) e encara a máscara. O ato de colocá-la não é chamado de vestir (kaburu), mas de anexar ou vincular (tsukeru), ou ainda, pendurar, ligar-se a ela (kakeru), já que o ator irá se tornar a máscara.

Em Papua, Nova Guiné, os ritos de passagens são presididos por espíritos totêmicos. O ancião utiliza uma máscara que outorga a autoridade de mestre espiritual. As máscaras mais poderosas são chamadas Savi e possuem a língua para fora, em desafio aos clãs inimigos. Os dançarinos polinésios, mesmo sem máscaras, fazem uma careta em sua dança ritualística.




Na tradução iorubá, bem como no vodu, o uso de máscaras também é recorrente. Assim como as tradições não eram escritas, mas passadas via tradição oral, as máscaras esculpidas não recebiam a assinatura do escultor, posto que o artesão é o vetor para que a entidade se manifeste através de sua obra, que não é sua, mas do mundo. A máscar não representa um ente espiritual; ela é o próprio ente manifesto no mundo.

Claudio Siqueira é Bacharel em Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.


Postagens Relacionadas


“Godzilla vs. King Kong’: muito além da jornada do herói



A história secreta do Natal e Réveillon: Jesus, Iemanjá e Cabala Hermética



Adeus à carne: uma história gnóstica do Carnaval



“Samorost 3”: gnosticismo em um jogo eletrônico