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quarta-feira, junho 15, 2022

Entrevista com Fábio Shiva, autor de 'Favela Gótica' e ópera-rock 'Anunnaki', por Claudio Siqueira


Ex- baixista da banda doom metal Imago Mortis e autor do romance Favela GóticaFábio Shiva desenvolveu, junto com seu irmão Fabrício Barretto, a ópera-rock Anunnaki, da banda Mensageiros do Vento. A história mais antiga da humanidade é contada na forma de um desenho animado, onde as músicas narram a epopeia dos Anunnaki e o consequente surgimento mítico(?) da humanidade. O Cinegnose teve o prazer de entrevistar o autor e compositor de uma das bandas mais importantes para o cenário underground nacional e autor de uma das melhores obras cinematográficas de nossa filmografia. Cinegnósticos, Fábio Shiva.


Cinegnose- Conta pra gente como foi o processo de concepção da ópera-rock.

Fábio Shiva- Eu e meu irmão Fabrício Barretto sempre fomos apaixonados por esse formato da ópera-rock, que possibilita contar uma história através de uma série de músicas conectadas. Em uma boa ópera-rock, cada música deve se sustentar por si mesma, individualmente, e ao mesmo tempo ser parte da história mais ampla que está sendo contada. Por isso eu e meu irmão somos fascinados por essa maneira de compor música, que possibilita muitas experimentações e referências cruzadas.




Até o momento já fizemos juntos três óperas-rock. A primeira foi o álbum Vida: The Play of Change, com a banda Imago Mortis, que foi lançado em 2002. Ou seja, este ano o disco está comemorando 20 anos de seu lançamento. Depois disso, já com a banda Mensageiros do Vento, Fabrício e eu fizemos a ópera-rock ISSA, contando a história de um jovem milionário que após ter uma experiência crucial com drogas alcança o estado de iluminação, enxerga a realidade cruel do sistema, abandona a fortuna da família e passa a viver como um mendigo. Era mais ou menos uma versão modernizada da história de Sidarta Gautama, o Buda

Em uma boa ópera-rock, cada música deve se sustentar por si mesma e ao mesmo tempo ser parte da história.

Apesar de termos aprovado o ISSA no edital Fazcultura, não conseguimos encontrar patrocinador para bancar o projeto. Na verdade, foi uma grande ingenuidade nossa acreditar que uma história como essa, criticando o capitalismo, encontraria uma empresa disposta a associar sua marca. Mas esse foi um bom aprendizado, porque logo em seguida fizemos a ópera-rock em desenho animado ANUNNAKI – Mensageiros do Vento, que foi patrocinada diretamente pelo Fundo de Cultura.



Cinegnose- Liberais dizem que há uma “Mão Invisível” que rege o mercado. Conspiracionistas creem que há uma elite global que a tudo rege ou, como diz Bruce Dickinson em Be Quick or be Dead, “See what’s ruling all our lives, see who’s pulling the strings”. Você acredita na existência dos Anunnaki ou foi apenas uma experiência audiovisual? Eram os deuses astronautas?

Fábio Shiva- O tema dos Anunnaki é verdadeiramente fascinante. Trata-se da história mais antiga produzida pela humanidade, sendo pelo menos 2.000 anos anterior à Torá ou Pentateuco, que são os cinco primeiros livros da Bíblia, que apresentam perturbadoras coincidências com a história dos Anunnaki. Qualquer pessoa que investigue com um mínimo de seriedade esse tema dos “alienígenas do passado” ou dos “deuses astronautas” vai encontrar inúmeras evidências de que no mínimo a história humana, tal como é oficialmente contada, está repleta de erros e absurdos.


"Snake eyes in heaven, the thief's in your head..."

Vou citar apenas dois exemplos disso. A história oficial considera que o homem saiu das cavernas há pouco mais de 10.000 anos. Contudo foram descobertas na África do Sul vestígios arqueológicos de minas com no mínimo 150.000 anos de idade. Só aí já temos 140.000 anos de história totalmente desconhecida por nós. O outro exemplo é o das pirâmides. Hoje não temos tecnologia para construir algo parecido, contudo as pessoas aceitam sem questionar a ideia de que as pirâmides foram construídas por trabalhadores braçais, na base do chicote!

Trata-se da história mais antiga da humanidade, que apresenta perturbadoras coincidências com a Bíblia

Disso isso, quero enfatizar que a ópera rock ANUNNAKI – Mensageiros do Vento é principalmente um trabalho de música e arte. Não temos a menor pretensão e muito menos interesse em ficar levantando bandeiras. Nosso compromisso é com a música, com a cultura, com a arte. O que acontece é que esse tema gera muitas ansiedades, pois joga por terra todas as nossas convicções e, principalmente, essa noção do ser humano como a criação mais elaborada de Deus, essa noção de superioridade sobre os outros habitantes de nosso planeta, que tem justificado tanta destruição e insanidade. 

ANUNNAKI é um trabalho de música e arte. Não temos a menor pretensão em ficar levantando bandeiras. 

Quando a pessoa começa a estudar as evidências de que nosso planeta vem sendo visitado há muito tempo por espécies bem mais adiantadas, isso gera muita ansiedade, e a tendência é a pessoa querer se agarrar a uma certeza qualquer, para se livrar dessa ansiedade. E é assim que surgem tantos “especialistas” vomitando certezas sobre um assunto que ainda é pura especulação. Pensar nisso sempre me evoca a salutar frase de Voltaire: “A dúvida é um estado angustiante, mas a certeza é um estado ridículo.


Cinegnose- Há clipes conceituais como The Wall, de Pink Floyd, e desenhos animados que são quase musicais como o clássico Heavy Metal (1981). Quais foram as fontes de inspiração para Anunnaki – Mensageiros do Vento?

Fábio Shiva- Em primeiro lugar, Jesus Christ Superstar, de Andrew Lloyd Weber e Tim Rice, que eu pessoalmente considero o melhor disco de rock de todos os tempos. Em segundo lugar, Tommy do The Who, a primeira ópera-rock já feita, que gerou um filme sensacional, dirigido por Ken Russell. E em terceiro lugar a obra citada por você, o maravilhoso The Wall, do Pink Floyd.


Cinegnose- A animação é perfeitamente concatenada com a música, não só os movimentos dos personagens, mas o que se passa na história condiz perfeitamente com a letra da música. A música foi composta com base na animação ou a animação foi feita em cima da letra da música?

Fábio Shiva- Primeiro fizemos um roteiro básico, com uma sinopse da história. Como isso foi feito para um projeto inscrito em edital, dividimos a história em 28 músicas, e depois tivemos que seguir esse formato até o fim. Se não fosse por isso, talvez o número final de músicas acabasse sendo diferente. Lembro especificamente da Paraíso Perdido, que encerra o disco 1, que provavelmente teríamos dividido em duas músicas diferentes se não fosse por essa questão de seguir o projeto à risca. Depois do roteiro pronto, fomos compondo a letra e a música de cada uma das 28 faixas, e só depois é que começava o trabalho de animação, que foi todo feito por Fabrício.


Cinegnose - O que o motivou a escrever o Favela Gótica? Mostrar a existência de góticos e pessoas que gostam de rock e do lado mais obscuro mesmo em comunidades, onde não se tem o ambiente propício para isso ou mostrar o quão dark é também o cotidiano dessas comunidades?

Fábio Shiva- Esse livro nasceu de uma cena muito traumática que testemunhei, que foi uma briga entre usuários de crack. Foi um episódio catalisador, que me fez perceber o quanto a nossa sociedade está repleta de monstruosidades que todos consideram “normais”. 



Esse foi um pensamento que me assombrou, e comecei a enxergar monstros em tudo. A forma de não enlouquecer, como sempre, foi jogar essas “loucuras” no papel, e foi assim que surgiu o livro Favela Gótica. O título faz uma referência principalmente à literatura gótica, que é a literatura de monstros: fantasmas, vampiros, lobisomens, zumbis e outras criaturas da noite. 

A proposta do livro é imaginar uma sociedade onde todos os monstros existem à luz do dia, não estão disfarçados por uma camada de hipocrisia. Desde o início da pandemia a Verlidelas Editora, que publicou o livro, disponibilizou gratuitamente o PDF da obra na íntegra, então convido todos a conhecerem.


Cinegnose- É um preconceito duplo, não? O gótico como forma de autoexpressão na sociedade e na própria comunidade.

Fábio Shiva- Uma das coisas mais fascinantes a respeito da literatura é o fato de que cada pessoa que lê o mesmo livro, na verdade, lê um livro diferente. A leitura que cada pessoa faz é única, pois é feita a partir de um ponto de vista individual e único, que foi construído ao longo das experiências da vida dessa pessoa. 

Ao mesmo tempo, o autor não é detentor de um ponto de vista definitivo sobre a sua obra. A partir do momento em que o livro sai de dentro dele e ganha o mundo, torna-se uma obra do mundo, sujeita à interpretação de cada leitor, que é tão verdadeira e válida quanto a interpretação do autor. 

Digo isso porque percebo que a sua pergunta partiu de uma interpretação pessoal sua da leitura do livro, que não consegui acessar. Isso é maravilhoso!


Cinegnose- Cartola e Adoniran Barbosa tinham um lado dark acentuado. O samba em si é tristeza assim como o significado do termo blues. Cartola e Adoniran podem ser considerados os góticos do samba?

Fábio Shiva- O samba é uma forma de expressão tipicamente brasileira, que surge dentro de um contexto de dor extrema, que foi o processo de escravização do povo africano, com todos os sofrimentos que esse processo acarreta até hoje. 

Essa tristeza é inerente ao samba, faz parte de sua matriz genética. O que acho muito incrível é que uma música nascida como resistência, como enfrentamento de horrores, seja capaz de traduzir tão perfeitamente a alegria. 

A dança do samba é a alegria do corpo. Mas se você reparar bem, todos os sambas mais bonitos trazem, em meio ao clima de festa e alegria, um travo de amargura. E penso que é justamente por isso que o samba é tão bonito!


Cinegnose- Você tocou no Imago Mortis, não? A banda já tem tradição de buscar mitologias em suas letras. Como foi o projeto do Anunnaki? É uma banda e esse é um dos projetos musicais ou o conjunto se juntou para fazer este trabalho apenas?

Fábio Shiva- Sim, participei do Imago Mortis desde a sua fundação até o lançamento do segundo álbum, o Vida. Como em 2022 esse disco completa 20 anos de lançado, eu preparei uma nova edição do livro Diário de um Imago: Contos e Causos de uma Banda Underground, que conta essa história de forma bem-humorada. 

Já o ANUNNAKI foi um projeto desenvolvido com a banda Mensageiros do Vento, quando eu e Fabrício já estávamos morando em Salvador. Começamos nos Mensageiros do Vento com o projeto “Rockstória do Brasil”, que teve mais de 300 shows aqui na Bahia. E depois do ANUNNAKI já lançamos alguns singles como Transição Planetária, Fôlego e A Menina Invisível.


Cinegnose- Você já foi headbanger na época do Imago Mortis, hoje é mais zen, “raribô”, como se diz na gíria. Como se deu essa transição?

Fábio Shiva- Conto essa história em detalhes no livro Diário de um Imago: Contos e Causos de uma Banda Underground, já mencionado na resposta anterior. Achei muito interessante você ter feito a conexão entre a música do Imago Mortis e a expressão na verdade é “Haribol”, sobre a qual gosto de falar no Gaia Canta Paz, que é um outro projeto nosso que tem a proposta de utilizar a música e a mente humana para enviar vibrações de paz, amor e alegria para toda a humanidade. 




Pois então, “Haribol” é uma palavra sânscrita que é formada por duas palavras, “Bol”, que significa “cantar”, e “Hari”, que significa “Senhor, Deus”, mas que também pode ser traduzida como “ladrão de corações”. Então essa palavra, “Hari”, expressa uma relação muito íntima e amorosa com a divindade. E ainda falando do sânscrito, a palavra que designa o músico é “baghavatar”, que pode ser traduzida também como “aquele que louva o Senhor por meio de instrumentos”. 

Haribol” é uma palavra sânscrita que é formada por duas palavras:Bol”, que significa “cantar”, e “Hari”, que significa “Senhor, Deus”.

Então na própria concepção da atividade do músico está implícita a relação com o sagrado. Aliás, em todas as civilizações do passado a música era sempre relacionada ao sagrado. Apenas em nossa civilização ocidental isso não acontece, embora já existam estudos científicos relevantes sobre o chamado “poder oculto da música”. 

A música sempre foi para mim uma expressão do sagrado. Isso aconteceu de forma muito intensa no Imago Mortis, que era uma banda cuja proposta era decifrar a “imagem da morte” em forma de música. A música do Imago Mortis é, para mim, profundamente espiritual, no sentido de que a morte é que dá sentido à vida e de que se preparar para a morte é, de fato, aprender a viver.


Claudio Siqueira é Bacharel em Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.

 

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