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sábado, outubro 02, 2021

Grande mídia azeita a máquina semiótica do jornalismo de guerra



A imprensa corporativa começa a dar os primeiros sinais de que retornará ao modo “jornalismo de guerra”, com a proximidade das eleições e a complicada empreitada de fazer a “esperança branca” da terceira via. Começa a azeitar a máquina semiótica do jornalismo metonímico (como estratégia diversionista diante da crise energética e alta dos combustíveis) e do jornalismo de delação lavajatista para açodar efeito manada e justiçamento, como no caso Prevent Senior. Enquanto o timing da CPI da Pandemia acaba enterrando as esperanças do impeachment e virando palco para o show de extremismo assertivo de extrema direita. E mais: Bolsonaro revela o seu cálculo do “caos administrado” na guerra híbrida com o pronunciamento de que “nada está ruim que não possa piorar”.

Como discutíamos em postagem anterior, o jornalismo corporativo age como um cão sabujo que, depois de adestrado e condicionado, passa a ter um par de antolhos que não permite mais enxergar novas tendências ou mudanças.

Como vimos, jornalistas, colunistas e apresentadores que, desde 2001, aderiram caninamente à propaganda da guerra aos terroristas muçulmanos feios, sujos e malvados, simplesmente não conseguem aceitar a decisão de Joe Biden de retirar as forças de ocupação do Afeganistão. Inconsoláveis, veem o Talibã retornar ao governo. 

E ressentidos, romperam a lua-de-mel com a administração Biden e começaram a repercutir pautas negativas: pesquisas apontando queda na taxa de aprovação e... o sombrio prognóstico de um milico linha dura, general Mark Milley (Conselheiro para Assustos Militares), de as “aspirações da AlQaeda ou ISIS de atacarem os EUA são possibilidade muito real” e que “o Talibã não deixou de ser uma organização terrorista”.

Foi demais para esses cães sabujos ver Talibãs civilizados fazendo entrevistas coletivas para a imprensa e falando em inglês... Simplesmente os antolhos corporativos não permitem entender a guinada geopolítica dos EUA – clique aqui.

Da mesma maneira, mesmo depois do fim da Lava Jato, da vigésima absolvição de Lula na Justiça por falta de provas e do implacável juiz Sérgio Moro ser colocado sob suspeição enquanto se mandava para os EUA, é impossível para a sabuja imprensa corporativa abandonar a narrativa ceivada por anos.

“Até aqui Lula está muito confortável. Ainda a campanha não começou... então terá que enfrentar questões... mensalão, petrolão...”, anteviu a colunista (ou “colonista”, ironicamente dizia o saudoso jornalista Paulo Henrique Amorim) Eliane Catanhêde no programa “Em Pauta” da GloboNews. 



No caso da Globo, nos últimos dias o veículo vem ensaiando o retorno ao velho jornalismo de guerra, baseado no “jornalismo declaratório”, justiçamento e destruição de reputações. Se nos tempos dos governos Lula e Dilma, a grande mídia assumiu o papel de partido de oposição (diante da inépcia da oposição parlamentar), agora seus colunistas querem assumir o papel de estrategista de campanha do candidato da terceira via, seja qual for.

De analista político, os colunistas agora aspiram se tornar os estrategistas de campanha da terceira via... e não é pouco.

Onde está a “esperança branca”?

Para começar, é necessário criar a “esperança branca” que enfrente a “polarização autoritária” que ameaça o futuro do País. O ponto de partida foi nesse último domingo (26/09), quando a GloboNews reuniu Ciro Gomes, Henrique Mandetta e Alessandro Moraes para um “Debate Terceira Via no Brasil” – na verdade, uma entrevista comandada pelos wannabe de estratégia eleitoral, Julia Duailibi e Octávio Guedes. E com direito às solertes agências de checagem, como a Lupa, que posteriormente checaram as frases ditas pelos “presidenciáveis”.

No dia seguinte, a enfática colunista Natuza Nery rasgou de vez a fantasia da objetividade de uma analista político para assumi o tom de estrategista de campanha ao melhor estilo James Carville: “A questão é que os três estão atacando ao mesmo tempo Lula e Bolsonaro... é necessário escolherem um dos dois, de preferência aquele que tiver menos votos...”, cravou Natuza com um tom visível de impaciência.




   Os wannabe de estrategistas da terceira via esperam ansiosamente a abertura da nova temporada de caça ao Lula e o recall de todos os memes da época da Lava Jato impulsionados pelos mesmos robôs e “gabinetes do ódio” que, anos depois, a grande mídia “descobriu” e considera um “atentado à democracia”. 

E já estão desenferrujando e lubrificando as mesmas armas do arsenal semiótico dos tempos do jornalismo de guerra. A primeira, é o jornalismo metonímico.

A crise energética, o vertiginoso aumento das tarifas, a ameaça real da volta dos apagões e de um prolongado racionamento de energia elétrica, põe risco a imagem da política de privatização do Sistema Eletrobrás. Ajudando ainda pelas desastrosas declarações de Bolsonaro ao estilo cínico do “deixa que eu chuto”: “Até faço um pedido para você agora. Se tem uma luz acesa a mais na tua casa, por favor apague. Nós estamos vivendo a maior crise hidrológica dos últimos 90 anos. Se você puder apagar uma luz na tua casa, se puder desligar o teu ar-condicionado. Se não puder —está com 20 graus? — passa para 24 graus, gasta menos energia”, apelou Bolsonaro.

1 + 1 = 3

Diante do “fogo amigo” de um presidente que ainda representa a única chance para conduzir a agenda neoliberal longe dos olhares da opinião pública, a grande mídia “morde-assopra” tem que colocar em ação a estratégia semiótica do jornalismo metonímico - relativo ao conceito de metonímia, figura de retórica que retira a palavra do seu contexto semântico normal por ter uma relação de significação de contiguidade, material ou conceitual. 

No caso do jornalismo, caracteriza-se pela “contaminação metonímica” entre signos de natureza diversa (texto, imagem etc.) segundo a seguinte fórmula: 1 + 1 = 3, isto é, uma notícia que contamina outra notícia totalmente diversa pode produzir uma terceira notícia totalmente diversa e ideologicamente intencional.

A estratégia metonímica para enfrentar a bomba relógio neoliberal das privatizações é justapor notícias sobre crises energéticas de diferentes países que estão ocorrendo nesse momento: colocar o Brasil ao lado de crises energéticas na Europa e China.


Veja, 20/09/2021


“O Brasil não é o único que passa por uma crise energética”, repercute a grande mídia para conotar uma suposta “crise global” da qual, miseravelmente, o Brasil faria parte. Ocorre que esse exercício metonímico oculta que as causas são completamente diferentes: na China, o rápido aumento da demanda econômica pós-pandemia coincide com a mudança da matriz energética baseada no carvão; na Europa a disparada do preço do gás natural, também causada retomada econômica pós-pandemia. São crises de aumento rápido de demanda.

Enquanto no Brasil, vemos uma crise energética em plena depressão econômica. Essa contradição necessita ser encoberta pela estratégia metonímica, que ainda conta com a colocação da “Previsão do Tempo” dos telejornais no mesmo bloco de notícias sobre a crise energética – 1 + 1=3, previsão de tempo seco e faltas de chuvas ao lado das notícias sobre represas se esvaziando, conota “crise climática global” e a presunção da catástrofe. Deixando fora de cena a deliberada ação política para favorecer a privatização.

Por exemplo, esvaziar deliberadamente represas, como denunciou Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens: A lógica do setor é a seguinte: quanto mais vazios os reservatórios, mais altas as tarifas". Segundo ele, quando já havia sinais de uma seca histórica, grandes hidrelétricas teriam esvaziado os reservatórios com o objetivo de aumentar os lucros de geradoras privadas. Isso em meio à pandemia, que provocou queda de 10% da demanda energética no país – clique aqui.

Ou ainda o exemplo da marota aproximação metonímica das notícias da alta dos combustíveis no Brasil com matérias sobre a crise dos combustíveis no Reino Unido, no mesmo bloco de notícias. Enquanto aqui a causa é a política de preços perversa (combustível dolarizado para consumidores que pagam em reais) para aumentar o rendimento dos acionistas privados da Petrobrás, lá envolve um problema totalmente diferente: falta de caminhoneiros como reflexo do Brexit.

Na GloboNews o veterano correspondente nos EUA, Jorge Pontual, até tentou engatar a tese de uma suposta "crise global dos combustíveis"... mas não colou, nem mesmo entre os outros "colonistas" do programa noturno "Em Pauta". Porém, o que importa é a aproximação metonímica para criar o sentido subliminar da "terceira notícia".




A volta do lavajatismo 

A segunda arma semiótica que está sendo azeitada nesse momento é o discurso lavajatista do denuncismo deliberado para atiçar o espírito das condenações sumárias, efeito manada e linchamentos.

Como muito bem colocado pelo jornalista Luis Nassif: 

Quem achava que a "lava jato" morreu, se enganou. Nesta terça-feira (28/9), mídia, parlamentares e o distinto público experimentaram novamente o gozo supremo da unanimidade, de poder malhar Judas, no caso a Prevent Senior na CPI da Covid. Repete-se pela enésima vez o ritual do linchamento, da mesma natureza do que atingiu, em outros tempos, Fernando Collor, Escola Base, Lula, Dilma Rousseff, Renan Calheiros — sim, Renan Calheiros, alvo do mesmo padrão —, Chico Lopes, Clínica Santé, alguns culpados, alguns inocentes, todos injustiçados, pois despertando na turba a mesma selvageria que atropela princípios, procedimentos duramente construídos em um processo civilizatório incompleto que sempre marcou o país. É o país dos linchamentos – clique aqui.

Há muito para apurar e a Prevent Senior tem muito a explicar. Porém, com o mesmo modus operandi da indústria de delações da Lava Jato, o jornalismo corporativo condena antecipadamente: a indignação do senador Randolfe Rodrigues ao chamar tudo de “estarrecedor!” (lembrando a mesma indignação punitivista dele diante das delações no auge da Lava Jato) foi a deixa para a grande mídia partir para o linchamento e justiçamento.

Para quê? Ora, a CPI da Pandemia, esticada por quase seis meses (nem que seja ao custo de dar, ao final, palanque para a extrema-direita com participações absolutamente desnecessárias como a do “Louro José” Luciano Hang e o show de extremismo assertivo do empresário Otávio Fakhoury), praticamente enterrou a possibilidade de impeachment – abrir um processo de impedimento no ano eleitoral de 2022 é impraticável.

Com o relatório da CPI entregue em 20 de outubro para a PGR e o STF e, levando-se em conta pelo menos um mês para ser examinado, encerra o tão sonhado impeachment que a esquerda aguardava com os escândalos das revelações da CPI. 




Ao mesmo tempo, faz a esquerda embarcar junto na disparada da manada de linchamento, ao estilo lavajatista, contra a Prevent Senior Vai junto com a mesma manada que a linchou na onda das delações premiadas de condenações midiáticas antecipadas na época da Lava Jato. Que levou ao impeachment da presidenta Dilma e a prisão de Lula. 

Pronto! Está aí a função dissuasiva de controle total de espectro que a CPI da Pandemia significou, desde o início, dentro do contexto maior da guerra criptografa de informações, cujo caos cognitivo Bolsonaro alimenta diariamente.

A propósito, o chefe do executivo deixou bem claro a natureza do cálculo da operação psicológica militar que ele representa. Quando falava da alta da gasolina e do dólar em discurso no Planalto, cravou: “Nada está tão ruim que não possa piorar”, ameaçou nesse último dia 27.

Sabemos que a PsyOp militar se orienta pela teoria do “caos administrado” da Guerra Híbrida – com o pacote “Patriot Act” + GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que tem à disposição, açodar a sublevação social e o confronto institucional até que não seria uma má ideia às vésperas de um ano eleitoral... 

 

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