12 de outubro comemora-se o Dia das Crianças. Curiosamente também é comemorada a data de Nossa Senhora de Aparecida. Mais curioso ainda é que a Vênus de Milo foi achada em condições semelhantes em 1830. Sincronicidade? “Quem conta um conto aumenta um ponto?” Ao invés de dar a resposta, o Cinegnose vem perscrutar a origem do mito de Nossa Senhora da Aparecida, bem como o da Vênus de Milo.
O Dia das Crianças
A ONU tentou lançar o Dia Internacional da Criança como dia 20 de novembro, mas não vingou. Em 1924, Galdino do Valle Filho, na época deputado federal, começou a elaborar a lei que iria oficializar a data comemorativa no Brasil. Em 5 de novembro do mesmo ano, o decreto nº 4867 oficializa a data, mas esta também não causou muita comoção. Somente em 1955 a fábrica de brinquedos Estrela lançou a campanha Semana do Bebê Robusto, que mais tarde se tornaria a Semana da Criança. A campanha de marketing foi tão boa que revitalizou a data de 12 de outubro, comemorada até hoje.
A “Santa Negra”
A imagem da santa foi achada em 1717 no rio Paraíba do Sul em Guaratinguetá, São Paulo por três pescadores: Felipe Pedroso, Domingos Garcia e João Alves. É que o governante das capitanias de São Paulo e Minas de Ouro ia passar pela região e os três foram recrutados para realizar o seu ofício e abastecer a festança que seria realizada para o então Conde de Assumar.
A pescaria estava sendo um fracasso, mas como não queriam voltar de mãos abanando, resolveram dar uma última tentativa e acabaram pescando a imagem decapitada de Nossa Senhora da Conceição feita em terracota. Mais um lance de tarrafa e lá veio a cabeça da imagem. A partir daí, a pescaria passou a ser um sucesso e os três atribuíram o milagre à santa. Embora seja citada como uma santa negra, a imagem não possui o semblante afrodescendente e sua cor se dá tanto pelo material do qual é feito. Alguns historiadores supõem que o tempo em que ficou submersa e o lodo do rio contribuíram para a sua coloração.
Felipe Pedroso levou a imagem da santa pra casa onde ficou 15 anos. Tantas eram as peregrinações em devoção à santa que em julho de 1745 foi criada uma capela para ela no Morro dos Coqueiros. Em 1822, D. Pedro Ivisitou a capela e prometeu que faria dela a padroeira do Brasil. Embora tenha proclamado a independência no dia 12, D. Pedro não cumpriu sua promessa e somente em 1930 o Papa Pio XI assinou o decreto que proclamou Nossa Senhora da Conceição Aparecida como rainha e padroeira do Brasil.
Em 30 de junho de 1980, João Figueiredo, na época presidente, sancionou a Lei 6.802, decretando a santa como padroeira do Brasil e oficializando o dia 12 de outubro como feriado nacional. Mas por que dia 12? Bem, foi o dia em que Cristóvão Colombo descobriu a América em 1492, D. Pedro I proclamou a independência como citado no parágrafo anterior e o Cristo Redentor foi inaugurado.
Os “Milagres”
Assim como o vendaval que salvou o Japão, não foi apenas o advento da aparição da santa ou o surgimento dos peixes que a canonizaram. Pelo menos 6 milagres foram atribuídos a ela, sendo três os mais famosos: a libertação do escravo Zacarias, a conceição não imaculada de Princesa Isabel e a conversão de um ateu (ou ao menos agnóstico) zombeteiro fazem parte da enxurrada de lendas da santa supostamente negra. O Museu de Aparecida do Norte (cidade que, por metonímia, recebeu o nome da imagem e não o contrário como Guadalupe, Lourdes ou Fátima) guarda algumas dessas relíquias.
O cavaleiro ateu resolveu adentrar a capela com cavalo e tudo, mas uma das patas do animal ficou presa numa pedra que jaz até hoje no museu. Zacarias havia fugido de uma fazenda no Paraná e foi capturado no Vale da Paraíba. Ao passar pela capela e visto uma santa com a sua cor de pele, pediu para rezar e prostrou-se de joelhos, ato que fez as algemas se destacarem e caírem, para o espanto do feitor que o levava de volta ao cativeiro.
Princesa Isabel, casada há quatro anos com Conde d’Eu, havia perdido a filha, natimorta, Luisa Vitória de Orléans e Bragança. Após visitar a imagem em companhia do marido, o casal teve três filhos homens. O fato não é reconhecido como milagre pelo Santuário Nacional de Aparecida, mas as oferendas da princesa ainda se encontram no museu: a coroa de ouro de 24 quilates e o manto azul.
O mais curioso é que outra estátua feminina despedaçada também foi encontrada nas águas: trata-se da Vênus de Milo. Embora tenha o nome de Vênus, deusa romana do amor e da beleza, um estudo sobre a manufatura, vestimentas e estética leva a crer que se trata de Afrodite, seu correlato grego. Ela foi esculpida provavelmente no período helenístico, embora tenha sido encontrada na Ilha de Milo, Grécia, em 10 de agosto de 1820 por Yorgos Kentrotas, um camponês que achou não apenas a estátua, mas pedaços faltantes. Assim como a imagem de Nossa Senhora tinha a cabeça decepada, a Vênus possuía, separado de seu corpo, ao menos um braço onde segurava uma maçã. “Milo” significa maçã em grego e aqueles que leram o artigo sobre Mortal Kombat e assistiram à nossa Live Cinegnose 360 já me ouviram citar o Tarô Mitológico.
Embora seja um só, o tarô possui várias versões, O tarô mitológico representa os arcanos (palavra utilizada, entre outras coisas, para nomear as cartas) através de seres, deuses e histórias da mitologia greco-romana e a carta Os Amantes nos mostra o mito de Páris, um belo e robusto pastor imbuído da difícil missão de presentear com uma maçã de ouro de a mais bela de três deusas: Hera, Ártemis e Afrodite. A primeira, lhe ofereceu o domínio sobre a Ásia; a segunda, a sabedoria e a vitória em qualquer combate e a terceira, o amor da mulher mais bela do mundo: Helena de Tróia. Trouxa como todo homem que se preza, Páris ofertou a maça a Afrodite o que acarretou na Guerra de Tróia e leva a crer que a maçã da estátua remete ao mito.
Mais curioso ainda é que o próprio mito de Afrodite mostra a origem da deusa como emergindo do mar. Após ser castrado por Cronos (Saturno), o falo de Urano é lançado em Oceano, do qual emerge Afrodite. Ela é a única dos deuses que nomeiam nossos planetas em sua nomenclatura romana que não nasceu da cópula de Urano e Gaia, mas da castração de Urano. Em todas as culturas e mitologias, o arquétipo feminino é tido como hídrico, em contrapartida do masculino, ígneo.
Sincronicidade Matriarcal
Mas o que há de comum entre Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a Vênus de Milo e Afrodite? Nossa Senhora como mãe de Jesus Cristo é uma repaginação do arquétipo da deusa-mãe, parindo um deus redentor e, por vezes, semi-humano. Alcmena, mãe de Hércules; Gaia, mãe de Zeus; Ísis, mãe de Hórus; Num, o Oceano Primordial…
Embora o Dia das Crianças não tenha nada a ver com o feriado de Nossa Senhora de Aparecida, todas deram à luz uma criança, e não só uma no caso de Afrodite. Temos, nos três casos, dois eventos místico-sincrônicos: o fato de a estátua da Vênus ter sido achada no mar corrobora perfeitamente com o mito de Afrodite mesmo enquanto a descoberta da imagem da santa corresponde à descoberta da imagem da Vênus.
O nome “Maria” tem mais de uma raiz etimológica, entre elas, “Amor” (Afrodite/Vênus) e “Mar”. O somatório dos dois algarismos que compõem o número do dia do feriado resulta em 3, o número de Binah, a sephirah da Cabala que tem, como um de seus títulos, A Grande Mãe.
Claudio Siqueira é Bracharel em Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.