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sexta-feira, junho 03, 2022

Bilionários do Vale do Silício se preparam para o apocalipse do Grande Reset do Capitalismo


Era uma vez uma época em que empreendedores tecnológicos Musk, Bezos, Thiel, Zuckerberg tinham planos de negócios otimistas sobre como a tecnologia poderia beneficiar a humanidade. Agora, eles reduziram as expectativas ao verem todo o progresso tecnológico como uma espécie de macabro videogame em que somente aquele que encontrar a escotilha de escape será o vencedor. Será Musk ou Bezo migrando para o espaço? Thiel escondendo-se num complexo na Nova Zelândia? Ou Zuckerberg imortal no Metaverso? Nesse momento, Big Tech e Big Money estão se preparando para “O Evento”: algum tipo de catástrofe que se aproxima (climática, nuclear, hackers, desmoronamento da sociedade por conflitos etc.). O livro “Survival of the Richest - Escape Fantasies of the Tech Billionaires”, de Douglas Rushkoff detalha o que ele chama “The Mindset”: a mentalidade que vê a humanidade não como um recurso, mas um bug no sistema, no qual somente uma elite sobreviverá de um colapso que que eles próprios criaram. E como os fundos de hedge mundiais investem em filmes sobre zumbis e sci-fis que normalizam essa agenda. 

Peter Thiel, co-fundador da PayPal e da Palantir Technologies, sempre foi considerado um cara meio estranho. Principalmente depois de aceitar pegar uma carona em uma McLaren F1 de 3,5 milhões de dólares pilotado por Elon Musk, para ver o seu sócio decolar o carro do chão, dar uma pirueta e destruí-lo numa violenta batida. E compartilhar as gargalhadas de Musk: “E o carro nem tem seguro...”, brincou o visionário empreendedor.

Porém, com um patrimônio líquido de US$ 4,7 bilhões, ao invés de passar seus dias seminu em uma praia do Caribe, Thiel prefere comprar milhares de acres na Nova Zelândia. Segundo ele, o país seria a região que seria poupada de um futuro cataclismo global. Ele refere-se a esse acontecimento vindouro como “O Evento”.

O próprio Musk vem há anos pregando que o mundo como conhecemos vai acabar. Não importa como: um asteroide batendo na Terra, uma gigantesca Inteligência Artificial dominando a humanidade até 2025 ou a humanidade prisioneira na própria Matrix. Para ele, colônias em Marte serão a solução e a sua empresa, a Space X, a porta aberta para escapar do “Evento”.

Enquanto o magnata Jeff Bezos e sua nave Blue Origin embarca no sonho da privatização da astronáutica, inaugurando o turismo espacial para super-ricos. Ele quer tornar a viagem espacial mais acessível... outra porta aberta para a elite escapar do “Evento”.



E também Mark Zuckerberg e a sua esperança mística partilhada pela maioria dos engenheiros computacionais do Vale do Silício – o sonho tecnognóstico de digitalizar a própria consciência e fazer um upload final para o Metaverso, alcançando a imortalidade. Ao invés de alcançar a eternidade como os antigos faraós no Egito antigo faziam através das pirâmides, agora o Vale do Silício tem os milhões de dólares dos fundos hedge de Wall Street e as Forças Armadas do Governo para manter a segurança financeira e militar para suas empresas e provedores instalados em supercomputadores. 

Mas também os “peixes menores” estão correndo para se protegerem. O jovem CEO do Reddit, Steve Huffman, fez uma cirurgia ocular em 2015 para se livrar das lentes de contato: “se o mundo acabar, obter lentes de contatos e óculos será uma grande dor de cabeça”, confessou.

Nova Zelândia ou Alasca?

Também o Big Money, que investe e sustenta todas essas inciativas das Big Techs, está atento à proximidade do “Evento”.

Em 2017, em um resort de luxo exclusivo nos EUA, ocorreu um encontro para cerca de cem banqueiros de investimento. O tema era “o futuro da tecnologia”. As palavras-chave do evento, evidentemente, eram blockchain, impressão 3D, CRISPR entre outras possíveis oportunidades de investimentos. 

Complexo de Peter Thiel na Nova Zelândia


Porém, o que deveria ser uma palestra com palco e microfone, na verdade foi uma mesa-redonda com um convidado da área tecnológica no centro e um pequeno grupo de cinco super-ricos que foi destacado da centena de participantes. Eles não tinham interesse sobre o “futuro da tecnologia”. 

Em petit comitê queriam repostas para algumas questões como: Qual região será menos impactada pela próxima crise climática: Nova Zelândia ou Alasca? O Google está realmente construindo para Ray Kurzweil um lar para seu cérebro, e sua consciência sobreviverá à transição ou morrerá e renascerá como uma nova? 

Por fim, o CEO de uma corretora explicou que estava quase terminando de construir seu próprio sistema de bunker subterrâneo e perguntou: “Como mantenho a autoridade sobre minha força de segurança após O Evento?”

O Evento

“O Evento”. Essa é a preocupação que não sai das cabeças dos chefes do Big Money e Big Tech. Um eufemismo para algum tipo de acontecimento catastrófico que se aproxima: pode ser um colapso ambiental mundial, guerra nuclear, alguma pandemia mortal, um hacker ao estilo da série Mr Robot que derrube a rede digital global. Ou simplesmente o desmoronamento das sociedades por conflitos sociais incontroláveis.




O detalhamento deste encontro no resort de luxo está no livro “Survival of the Richest – Escape Fantasies of the Tech Billionaires”, cujo autor, Douglas Rushkoff, foi o feliz convidado do evento para dar dicas a magnatas sobre como sobreviver ao apocalipse – segundo ele, um convite irresistível: o que ganhou pelo trabalho em um dia equivaleu a metade do que rende a sua atividade como professor em um ano...

Segundo Rushkoff, esses bilionários no passado propagaram nas mídias planos de negócios otimistas sobre como a tecnologia poderia beneficiar a sociedade humana. Agora, eles reduziram as expectativas ao verem todo o progresso tecnológico como uma espécie de macabro videogame em que somente aquele que encontrar a escotilha de escape será o vencedor. Será Musk ou Bezo migrando para o espaço? Thiel escondendo-se num complexo na Nova Zelândia? Ou Zuckerberg imortal no Metaverso?

Esse encontro no resort em 2017 foi tão impactante para Rushkoff que, nos últimos anos, dedicou-se a estudar o que chama de “Mindset”: 

Uma mentalidade baseada em um cientificismo firmemente ateu e materialista, uma fé na tecnologia para resolver problemas, uma adesão aos vieses do código digital, uma compreensão das relações humanas como fenômenos de mercado, um medo da natureza e das mulheres, uma necessidade de ver as próprias contribuições como inovações absolutamente únicas e sem precedentes, e um desejo de neutralizar o desconhecido, dominando-o. O futuro tecno-solucionista chega ao clímax carregando nossa economia para o blockchain e nossas mentes para a nuvem. Nós “subimos de nível” na estratégia de saída final. Como o enredo de um blockbuster da Marvel, a própria estrutura de The Mindset requer um final de jogo. Tudo deve resolver para um ou zero, um vencedor ou perdedor, o salvo ou o condenado.

Impulso fatalista

Para Rushkoff esse impulso fatalista de se elevar e escapar da humanidade não é o resultado, mas o impulso motivador do capitalismo digital que desperta tendências sociopatas, individualismo e uma distinta concepção de “progresso” – elitista e sobrevivencialista.

Um impacto que vai além: meio ambiente (a tecnologia supostamente limpa – eólica, solar e elétrica – são ainda mais poluentes pela fabricação de placas, baterias etc.) e aumentando a pobreza global com o reset do capitalismo (“quarta revolução industrial”) em que um grande contingente populacional nem para ser explorados servirão.

Rushkoff afirma que a fabricação de alguns de nossos computadores e smartphones ainda utiliza redes de trabalho escravo. Essas práticas estão tão arraigadas que uma empresa chamada Fairphone, fundada desde o início para fabricar e comercializar telefones éticos, descobriu que era impossível manter a atividade sem mão-de-obra escrava - o fundador da empresa agora se refere tristemente a seus produtos como telefones “mais justos”.



Enquanto isso, a mineração de metais raros (sob o custo inclusive de apoiar golpes de Estado, como na Bolívia) e o descarte de nossas tecnologias altamente digitais destroem os habitats humanos, substituindo-os por lixões tóxicos, que são recolhidos por crianças pobres e suas famílias, vendendo materiais utilizáveis ​​de volta aos fabricantes. Logicamente, depois de terem a saúde comprometida ao manipular sem cuidado esses materiais.

Quanto mais a opinião pública fica comprometida com esse “mindset”, mais passamos a ver os problemas humanos e sociais como problemas tecnológicos a ser resolvido pela tecnociência. Retroalimentando o problema. Para essa mentalidade, o ser humano não é um recurso, mas um bug no sistema: 

Em última análise, de acordo com a ortodoxia tecno-solucionista, o futuro humano atinge o clímax ao carregar nossa consciência em um computador ou, talvez melhor, aceitar que a própria tecnologia é nossa sucessora evolutiva. Como membros de um culto gnóstico, ansiamos por entrar na próxima fase transcendente de nosso desenvolvimento, abandonando nossos corpos e deixando-os para trás, junto com nossos pecados e problemas.

O alto escalão do fundo de hedge mundial está por trás dos estúdios de Hollywood, ajudando, através do entretenimento ficcional, a naturalizar essa agenda elitista para o distinto público. A começar pelos shows de zumbis pós-apocalipse em que as pessoas não são tão melhores como os mortos-vivos. Filmes que convidam os espectadores a imaginar o futuro como uma batalha de soma zero entre os sobreviventes.

Nas plataformas de filmes em streaming, nove em cada dez filmes sci-fi seguem o imaginário Musk de elites sobreviventes salvas pela tecnologia privada que nos levará para colônias interestelares.

Enquanto em telejornais (cujos patrocinadores são justamente Big Techs e Big Money) o viés para cada notícia sobre enchentes, tornados ou incêndios em florestas (que sempre atingem as populações mais pobres) é o das “mudanças climáticas”, sala de espera para o futuro apocalipse que destruirá as economias... mas economias de quem, cara pálida?

Rushkoff descreve o resultado imediato da publicação de seu livro narrando suas experiências com a elite tecnológica ao longo dos anos: cancelamento de dois eventos de palestras por patrocinadores que temem ser associados a uma crítica ao capitalismo exponencial descontrolado (que é o que muitos deles ainda estão tentando vender como um resultado desejado e atingível). “Eu tomo isso como um bom sinal”, comemora o autor.

 

 

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