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sexta-feira, abril 22, 2022

Presunção da catástrofe da mídia cria arma geopolítica da mitologia da mudança climática


Fez 30 graus na Antártida! Por incrível que pareça foi isso que alguns telejornais (desses que transformam notícias em infotenimento) acabaram induzindo o distinto público a acreditar a respeito de “onda calor inédita” reportada por uma base francesa no continente gelado. É a presunção da catástrofe, construção semiótica operada pela mitologia das “mudanças climáticas” – depois da urgência biológica da pandemia, agora a grande mídia volta para a urgência climática. Uma operação semiótica de despolitização ao reduzir a questão ecológica ao “meio ambiente”, deixando de lado o fator socioeconômico. A mitologia das mudanças climáticas se transforma em chantagem ambiental na grande mídia: a substituição da matriz do combustível fóssil pela “energia limpa” (eólica, solar) além de igualmente destruir o meio ambiente, atende principalmente objetivos geopolíticos: transformar os países outrora chamados de “emergentes” em novas neocolônias high tech.

Nessa semana os telejornais deram manchetes bombásticas para a notícia de que a Antártida registrou temperatura 30 graus acima do normal, batendo recorde. 

A base Dumont d’Urville, localizada na costa da Terra de Adelia, Antártida Oriental, registrou o mês de março mais ameno, com 4,9 graus e temperatura mínima de 0,2 graus. Para Gaëtan Heymenes, especialista da Météo-France, tratou-se de um “evento historicamente ameno”, 30 a 35 graus acima da sazonalidade. E salientou que o evento é uma “coincidência” e não uma “parte da mudança climática criada pelo aquecimento global”.

Porém, a forma como a notícia foi dada foi bem diferente: partindo do a priori da presunção da catástrofe quando se refere a questões climáticas, tendenciou-se de forma bizarra a sugerir que a temperatura na Antártida chegou a 30 graus! – fazendo alguns apresentadores e comentaristas exclamarem, por exemplo, que “daqui a pouco vai dar para se bronzear no Polo Sul...” (Studio I, Globo News). Risos nervosos, porque, afinal, todos sabemos, caminhamos para o apocalipse ambiental.

O tom discursivo generalizado da grande mídia é “o mundo vai acabar em breve”. A cada ressaca em uma costa litorânea, incêndio em uma floresta, famílias soterradas por desmoronamentos de chuva e lama e enchentes destruindo cidades, sempre a conclusão instantânea de que tudo são “avisos” de que o clima está mudando e que o “aquecimento global” está mandando a sua conta.

Como este Cinegnose já abordou sobre a construção midiática da mitologia da pandemia (clique aqui), assim como o vírus possui uma cápsula proteica para aderir na célula hospedeira (de bactérias, fungos ou animais), também a sociedade possui uma “cápsula semiótica” (de discursos, sentidos e significações) que adere aos eventos naturais, ressignificando-os na biopolítica. Como fenômenos biológicos que eclodem na sociedade, o grau de letalidade é ampliado ou minimizado por vetores sociopolíticas: políticas sanitárias, desigualdade social, agenda das políticas econômicas etc. Porém, como este humilde blogueiro observava, antes de salvar os cidadãos, a sociedade tem que salvar a si própria: manter a ideologia e a coesão social na desigualdade e luta de classes.

Através do mecanismo semiológico da mitologia (Roland Barthes), transformar a realidade em signos esvaziados da contingência e História, transformando tudo em fenômenos “naturais” e despolitizados. Dessa maneira, as contingências socioeconômicas da pandemia (que, em última instância, determinou a sua letalidade) foram esvaziadas para transubstanciar em “urgência sanitária” ou “biológica”.

A construção da mitologia

Com as “mudanças climáticas” acompanhamos o mesmo mecanismo semiológico: agora temos o discurso despolitizado da “urgência climática”.

Calma, prezado leitor! Este humilde blogueiro não está virando um negacionista. A tese desse artigo é que mídia (e a própria sociedade como um todo) funciona como um sistema tautista: há uma realidade lá fora desse sistema semiótico composto pelas estruturas de discursos e narrativas. Contudo, essa realidade é traduzida a partir de uma descrição que esse sistema faz de si mesmo. Esse é o fenômeno semiótico do tautismo – tautologia + autismo midiático.




Sim! A mudança climática é real e foi causada pelo sistema econômico do capitalismo – de um lado composto pelo neocolonialismo predatório das exportações das commodities dos países “emergentes”; e do outro de uma sociedade de consumo dos países ricos do hemisfério Norte – os 10% dos mais ricos da população global que causam metade da poluição do planeta: as famílias ricas emitem muito mais poluição do que as mais pobres. Portanto, esta distorção significa que as mudanças climáticas estão associadas à desigualdade econômica.

Essa é a realidade “lá fora” que deve ser traduzida para o interior do sistema e ser mantido o equilíbrio homeostático – despolitizar contradições e naturalizar os fenômenos como “climáticos”, “biológicos” e assim por diante. Mitologização trata-se de um mecanismo de neutralização ideológica.

É o que está por trás, por exemplo, das oportunistas opiniões de “colonistas” da mídia corporativa de que a Petrobrás deve mudar: de empresa petrolífera para uma empresa “de energia”. Privatizada, ela abandonaria o passado (a matriz do combustível fóssil) e investiria na futura matriz “limpa”: energia eólica, solar etc. Privatizada, ajudaria a salvar o planeta.

Documentários como Green Lies (clique aqui), de Julia Barnes baseado no livro homônimo de Max Wilbert, vem denunciando que essas tecnologias verdes são produtos de uma indústria igualmente destruidora de recursos naturais – na verdade o “ambientalismo verde brilhante” é um rearranjo do Capitalismo para manter as desigualdades de classes e o sistema predatório do consumismo, enquanto o sistema faz uma descrição despolitizada ao criar a mitologia das mudanças climáticas.




Por que “despolitizada”? Além da questão que os problemas ambientais ter uma relação direta com a desigualdade social e global de um sistema econômico baseado no neocolonialismo que beneficia aqueles 10% mais ricos que mais poluem, há outro aspecto bem desinformado pela grande mídia: a inconsistência das alternativas energéticas, as chamadas “matrizes limpas”.

Energia limpa?

Cerca de 85% da energia global é proveniente de três fontes: petróleo, gás, carvão. Substituir, que seja, até 10% disso por parques eólicos e gigantescos campos de painéis solares e invasivos e construídos a partir de materiais é extremamente caro e ineficiente (dentro da relação custo/benefício, recurso/intensividade), representam uma energia instável e difusa que não chega nem perto da “qualidade” (eficiência) dos combustíveis fósseis.

Porém, há duas alternativas energéticas extremamente“verdes” e que são hipereficientes: a hidrelétrica e a nuclear. Mas, do ponto de vista da grande mídia, não seriam alternativas “populares”. De um lado a hidrelétrica, pressionada por ONGs que sempre alegam impactos às comunidades ribeirinhas e aos ecossistemas – basta recordar das batalhas dessas organizações na OEA (Organização dos Estados Americanos) contra a Usina Belo Monte, no Pará, chegando às manchetes da grande imprensa como mais uma das denúncias envolvendo empreiteiras no âmbito da Operação Lava Jato – mais um lance geopolítico da destruição do soft power brasileiro.




E a energia nuclear sempre foi um tema negativado midiaticamente, associado ao medo apocalíptico da contaminação, terceira guerra mundial e acidentes catastróficos - uma conquista de corações e mentes muito bem planejada pela profusão de filmes e séries na indústria do entretenimento, de Síndrome da China (1979) à recente minissérie Chernobyl (2019). 

Mas a energia nuclear é, de longe, a fonte mais eficiente – energia de alta densidade, baixo custo e impactos ecológicos baixos.

O que o jornalismo corporativo não conta é que cortar o uso de todos os combustíveis fósseis e nuclear significará (dentro do jogo do mercado no capitalismo) um enorme aumento nos custos de energia e queda dramática nos padrões materiais de vida, isto é, aumento da pobreza e miséria! Em decorrência, tumultos e colapso social num contexto socioeconômico de pobreza crescente. Isso é o que vemos em todos os países quem tentam fazê-lo. Este é o “preço” para “tornar-se verde” em termos climáticos.

Um pequeno exemplo: na Indonésia, a produção do óleo de palma (utilizada em produtos de grande consumo) tornou-se o alvo de protestos do Greenpeace, chegando ativistas da organização a ocuparem uma refinaria de óleo em 2018. Protestavam contra a destruição de florestas. Não há uma única alternativa ao óleo de palma, cuja produção implica em um frágil equilíbrio entre a sobrevivência da população local e meio ambiente. A diminuição na produção resultou no empobrecimento da população, desemprego e desaceleração do crescimento econômico.




Afinal, será que dentro da geopolítica do grande reset global do Capitalismo não seria essa a meta desejada? A promoção do neocolonialismo high tech? Promover a desindustrialização dos países outrora chamados de “emergentes” mediante a desorganização das suas cadeias produtivas (vide no Brasil o caso da destruição da construção civil e infraestrutura, além da cadeia do petróleo, pela Operação Lava Jato). E os desempregados, entregues ao capitalismo de plataforma do trabalho uberizado. 

Em tudo isso, a presunção da catástrofe pela grande mídia é a pedra de toque nesse verdadeiro trabalho de engenharia social: a construção da mitologia da mudança climática como questão ecológica urgente. Os oceanos estão subindo! As florestas pegam fogo! O planeta está ficando mais quente!

Porém o mundo não vai acabar em breve. As consequências reais das mudanças climáticas dentro de 100 a 200 anos, mega incêndios e inundações, são administráveis pelo Estado (“Estado”, uma palavra que os neoliberais não gostam muito de ouvir...) A questão é que os custos das mudanças climáticas não se resumem ao meio ambiente – aliás, é isso que a operação semiológica das mitologias quer fazer. Daí, o seu mecanismo semiótico despolitizador.

É impossível olhar para os custos das mudanças climáticas sem comparar com os custos sociais e políticos da substituição dos combustíveis fósseis como pobreza, colapso social, convulsões políticas e, historicamente, o resultado desses contextos: as escaladas dos nacionalismos e extremismos de direita – o que, no final, são as consequências geopolíticas desejáveis: regimes políticos extremistas como pilotos ideais para países emergentes transformados em neocolônias high tech.

O mundo pode gerenciar um aumento de 50 cm dos oceanos globais. Mas não o colapso social. É mais fácil imaginarmos o fim do mundo do que o fim do Capitalismo. 

 

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