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domingo, março 04, 2018

Globo une gestão de imagem de Neymar com bomba semiótica da intervenção militar


Assim como na Copa de 2014, mais uma vez Neymar sofre uma contusão que o retira de uma cena catastrófica: lá atrás, livrou-se dos humilhantes 7 X 1 contra a Alemanha; hoje, escapa de mais uma possível derrota para o Real Madrid que tiraria o PSG da Champions League. O que tornaria ainda mais pesado o clima do craque com a imprensa francesa. Mas parece que os interesses dos gestores da imagem do jogador (o “Neymarketing”) estão se alinhando à estratégia diversionista da grande mídia num momento de intervenção militar no Estado do Rio – ponto de inflexão que representa o “laboratório” para “melar” as eleições desse ano pela criação de inimigos internos: favelas e crime organizado. No dia da cirurgia do jogador em Belo Horizonte, o veterano repórter esportivo Mauro Naves protagonizou ao vivo uma desajeitada tentativa para criar um suposto clima de comoção popular na frente do hospital. Sem um evento real, restou a mise-en-scène e o não-acontecimento tautista: jornalista entrevistando outro jornalista e as indefectíveis crianças com camisetas amarelas.

Após o naufrágio nas pesquisas sobre a aprovação do governo do desinterino Temer e do fiasco reforma da Previdência (apesar do terrorismo das agências internacionais de classificação de risco rebaixando o Brasil), a seleção brasileira de futebol e a proximidade Copa do Mundo transformam-se num importante tema para ocupar a pauta midiática. Para desviar a atenção opinião pública de uma crônica crise econômica de desemprego.

Ao lado da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro e da sombria declaração do interventor, general Walter Souza Braga Netto, de que o Estado é “o laboratório para o Brasil”, não há como evitar uma sensação de “déjà-vu”.

Pelo menos para aqueles que viveram no período da ditadura militar brasileira (1964-1985) – após o fracasso da seleção na Copa de 1966 (dois anos após o golpe militar) o presidente general Emílio Garrastazu Médici interveio na seleção do “comunista” técnico João Saldanha sob o pretexto de forçar a escalação de Dario, do Atlético Mineiro.

Mas agora a intervenção, pelo menos no futebol, não é governamental e nem militar: é através do auxílio luxuoso e sempre prestativo da grande mídia, às voltas com a promoção do agronegócio como a panaceia que salvaria o Brasil de si mesmo.

Assim como na época dos militares, a Copa do Mundo é agora o centro da estratégia diversionista. E o jogador Neymar, o pivô da comoção que pretende se criar na opinião pública. Um jogador vendido para o distinto público como a salvação da seleção. Algo assim como uma espécie de “gênio” de um “Brasil que dá certo”.

“Circo midiático” para Neymar


Uma pequena parte do todo dessa estratégia pode ser assistida no programa do SporTV “Troca de Passes”, apresentado pelo jornalista Tiago Maranhão ao lado de uma inacreditável matéria do veterano repórter esportivo Mauro Naves.

O contundido Neymar (uma fratura do quinto metatarso do pé-direito em um jogo do PSG pelo campeonato francês) foi submetido nesse sábado a cirurgia no hospital Mater Dei, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Todo o viés da matéria (alinhando-se ao tom geral da grande mídia brasileira) foi de mostrar e tentar comprovar que houve um “circo midiático” (termo usado por Mauro Naves) e uma comoção de torcedores à porta do hospital mineiro.

 O veterano repórter falava ao vivo na noite de sábado. E chamou uma matéria editada sobre os eventos que supostamente teriam ocorrido ao longo do dia na frente do hospital.

O que foram vistas foram imagens constrangedoras, numa tentativa de Mauro Naves forçar a barra para tentar criar uma atmosfera de preocupação popular na portaria do hospital. Falava-se em “dezenas de torcedores” e tudo que víamos eram jornalistas e técnicos montando tripés, câmeras e estendendo fios no chão para a cobertura do evento. Naves falava de “grupos de torcedores”, mas víamos apenas uma dupla solitária com as indefectíveis camisetas da CBF (de péssima recordação) fazendo graça para a câmera.

E numa evidente mise-en-scène criada para as lentes da imprensa presente, via-se duas crianças paramentadas com o uniforme completo da seleção fazendo dribles um no outro, solitárias, em um espaço vazio na calçada em frente ao hospital.


Não-acontecimento


Como sempre ocorre quando o repórter tem uma pauta na mão para cobrir um acontecimento que não existe ou que teimosamente insiste em contradizer a pauta criada no “aquário” da redação, cria-se um não-acontecimento: o jornalista começa a entrevistar outros jornalistas que também chegam ao não-acontecimento. Se o fato não existe, resta aos estóicos jornalistas entrevistarem outros jornalistas, num irônico e explícito exercício de tautismo – Tautologia (o jornalismo falando de si mesmo) + “autismo” (jornalismo solipsista que se fecha em si mesmo através de uma pauta cega à realidade).

A matéria, cuja pauta seria apresentar imagens de uma concentração popular em frente a um hospital torcendo pela recuperação do craque, virou um exercício auto-referencial e metalinguístico. Uma reportagem vazia sobre a repercussão midiática de “neymarketing” – jocosa expressão para figurar os movimentos de um jogador preocupado, acima de tudo, com as repercussões extra-campo dos seus dribles.

Mas o pior ainda estava por vir. Após um eufórico Mauro Naves encerrar a matéria em tom “tudo que Neymar faz é notícia”, corta para o estúdio do SporTV.

Provando que a “escola Galvão Bueno” continua forte no jornalismo esportivo da emissora, um apoplético Tiago Maranhão (quem sabe, pela pressão no ponto para bombar ainda mais a matéria sobre uma suposta “corrente de esperança” para que o craque da seleção se restabeleça à tempo de salvar a seleção na Copa) resumiu as imagens mostradas de Belo Horizonte como “fenômeno antropológico”!...

Mais jornalistas do que torcedores em frente ao hospital em BH

“Modus operandi” Neymar e a intervenção militar


É sabido que Neymar possuía um contrato de exclusividade com a Globo no período entre 2014-2016 (entrevistas, matérias, programas e até participação em telenovelas). Os melindres que envolveram a ruptura levaram, de repente, comentaristas como Casagrande e Galvão Bueno a criticarem o jogador, classificando-o como “mimado” e “monstro” pelo seu “egoísmo” e “atitude” com a camisa do PSG – clique aqui.

Mas isso foi antes da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro, evento que foi turbinado e preparado pela própria Globo durante o Carnaval com imagens selecionadas e repetidas ad nauseum em rede nacional - o arrastão em uma praia, o roubo de uma idosa em uma calçada em plena Zona Sul etc.

A entrada em cena dos militares é o ponto de inflexão do governo do desinterino Temer e das próprias forças políticas que o conduziram ao papel de servir de para-raio do ódio popular enquanto enfia goela a baixo a receita neoliberal do Departamento de Estado norte-americano e dos bancos mundiais.

Na ausência de um candidato que seja a “grande esperança branca” para enfrentar Lula (mesmo preso continuará influenciando o destino do voto), a intervenção no Rio transformou-se no “laboratório” ou ensaio para melar as eleições a partir do pretexto da criação de um inimigo interno: o crime organizado.
Não-acontecimento: presença massiva da jornalistas atrai anônimos "papagaios de pirata". Grande mídia chama isso de "festa de apoio a Neymar". 

Afinal , todo esforço de bombas semióticas, Guerra Híbrida e golpe político de 2013 até aqui não vai ter sido em vão. Uma ação milimetricamente calculada não pode ser deixada ao sabor dos caprichos de uma eleição democrática.

Por tudo isso, para aqueles mais velhos como esse humilde blogueiro, fica uma trevosa sensação de déjà-vu: essa combinação entre futebol e intervenção militar dá arrepios, principalmente no momento atual de retrocessos no qual generais retornam e até a teoria da terra plana vira um “hit” na hipermoderna Internet.

Por tudo isso, é sintomática essa tentativa de criar algum tipo de comoção de uma suposta “corrente prá frente” para o pronto restabelecimento de Neymar. 

Sem falar no estranho modus operandi sincrônico nos últimos tempos da carreira do jogador: contusões oportunas que o retiram de cenas esportivas catastróficas. Na Copa de 2014, a fratura na vértebra pela joelhada do jogador colombiano Zúñiga que o tirou da competição e da humilhação dos 7 X 1 contra a Alemanha.

E agora, às vésperas de uma catastrófica eliminação do PSG para o Real Madrid na Champions League (após acachapante derrota no primeiro jogo), Neymar ficará fora por três meses. Desclassificação que certamente acirraria ainda mais os conflitos do jogador com a imprensa francesa.

Algo assim como a gestão de imagem de Alckmin e Dória Jr.: nas pautas positivas estão sempre dispostos a coletivas com a imprensa e entrevistas; nos eventos potencialmente prejudiciais para suas imagens, desaparecem e colocam secretários à frente como buchas de canhão ou para-raios do ódio popular... assim como o desinterino Temer.

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