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sexta-feira, novembro 22, 2024

'Plano Punhal Verde e Amarelo', não-acontecimento e paralisia estratégica


Com quatro pistolas, quatro fuzis, uma metralhadora, um lança-granada e um lança-rojão o “Plano Punhal Verde-Amarelo” da trupe dos kids pretos de Bolsonaro pretendia dar um golpe de Estado em 2022, assassinando Lula, Alckmin e “Xandão” com “veneno, bombas e tiros”. E depois, um “núcleo jurídico” daria sustentação ao Estado de Exceção. Bom, parece ser mais efetivo do que a história do cabo e um soldado para fechar o STF. O que chama a atenção é a sincronia do indiciamento da PF (logo depois que o Tiü França se autoexplodiu) e o timing (a vitória do Itamaraty no G-20 e o contra-ataque de Haddad ao divulgar planilha das empresas beneficiadas por renúncia fiscal – destaque para a própria mídia). Um golpe ao estilo república de bananas caribenha em pleno século XXI de golpes híbridos? Ou um não-acontecimento? Para quê? Manter em cartaz o plot do “Ataques à Democracia” e reforçar a paralisia estratégica da esquerda. Mas com um desejado efeito residual que a mídia começa a dar pauta: mudança na Lei Antiterrorismo para criminalizar a própria esquerda em um futuro próximo.

Certamente a pesquisa fundamental e definitiva sobre o processo de articulação do golpe militar brasileiro de 1964 foi a realizada pelo historiador uruguaio René Armand Dreifuss na sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow, Inglaterra, entre 1976 e 1980. E depois publicada no Brasil, em 1983, com o livro “1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe”, pela editora Vozes.

Com farta documentação, Dreyfuss detalha como a intervenção militar no Estado e na sociedade brasileira decorreu da articulação das Forças Armadas com forças sociais que emergiram do processo de internacionalização da economia brasileira e a ascensão do capital multinacional e associado.

Principalmente, como, para desfechar a conquista militar final do Estado, foi necessário criar uma elite orgânica, recrutamento, estruturas decisórias e anos de preparação para a ação. E como formou-se uma elite de classe aliada à Escola Superior de Guerra, criando um arco de ações na sociedade civil para pôr em prática uma intensa campanha ideológica através das mídias.

E, claro, com conhecimento, anuência e apoio logístico da CIA e Departamento de Estado norte-americano.

Dreifuss nos apresentou como se faz um golpe de Estado de verdade, por assim dizer, old fashion, num país das dimensões econômicas e geopolíticas como o Brasil. Ao contrário de uma republiqueta de bananas, em que uma simples quartelada resolveria.

De toda a complexidade política e econômica da engenharia de um golpe de Estado, ficou no imaginário coletivo para a posteridade as fotos de tanques cercando o Congresso Nacional, soldados armados perseguindo civis nas ruas, mas, principalmente, o trauma histórico do AI-5, prisões, sequestros, desaparecimentos de cidadãos e torturas nos porões de delegacias contra opositores da ditadura militar. 



“Provavelmente seríamos presos e torturados!”

Corta para a semana atual. 

No canal do YouTube ICL Notícias a veterana jornalista Cristina Serra comentava, em tom exasperado, sobre o “Plano Punhal Verde e Amarelo” de golpe de Estado revelado pela Operação Contragolpe da PF : “Essa articulação de tamanha gravidade para dar um golpe que seria de características sangrentas, que lembra os piores momentos da ditadura que esse país viveu... tudo mostra a gravidade do que estamos falando... se esse golpe tivesse dado certo, uma coisa tão violenta e sangrenta, nós não estaríamos aqui... muito provavelmente estaríamos presos, talvez sendo torturados...”.

A Polícia Federal deflagrou, nesta terça-feira 19, uma operação para prender militares que planejaram um golpe de Estado em 2022. Batizada de Operação Contragolpe (a PF deve promover animadas sessões de brainstorming para batizar suas operações...), a ação mirou agentes das Forças Especiais do Exército (os “kids pretos”) que pretendiam promover um golpe de Estado mediante o assassinato do presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin (PSB), além do ministro do STF, Alexandre de Moraes. 

O Plano chamava-se “Punhal Verde Amarelo” (outro criativo brainstorming: uma alusão a “Noite do Longo Punhais” que expurgou as SA e unificou as forças nazistas em torno de Hitler) e o Dia D seria 15 de dezembro, portanto, antes da posse do presidente eleito.

O timing da bombástica revelação dessa operação coincide com o hype do homem-bomba que se autoexplodiu diante do STF, num aparente atentado malsucedido para matar o ministro Alexandre de Morais. 

Em meio a perplexidade midiática do homem-bomba, eis que a PF mais uma vez convocou Mauro Cid: ele não teria cuspido ainda todos os feijões premiados – da caixa de pandora em que virou seu celular, teria pulado esse plano audacioso “de organização criminosa que se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar um golpe de Estado nos meses de novembro e dezembro de 2022”, como informou a PF.



O plot da “Democracia em Perigo”

“A intentona de Bolsonaro”, cravou a grande mídia. 

Uma trama de golpe de Estado planejada em um mês, iniciada em uma reunião realizada na casa do general Braga Neto? 

Para quem leu o volumoso dossiê do historiador René Dreyfuss, essa trama golpista somente se torna crível se a encararmos como outro spin-off do “8/1, O Capitólio Brasileiro” dentro do plot do “Ataques à Democracia”.

Aliás, reavivado num timing simbolicamente oportuno: a reunião do G20, no Rio, que abriu com o Tiü França indo para os ares e fechou com o plot da tentativa do golpe de Estado que previa o assassinato de Lula com veneno, bombas e tiros... afinal, o “sapo barbudo” é duro de matar! 

Como Dreifuss nos mostra, um golpe de Estado old fashion (a ocupação física ou territorial do Estado pela força) requer anos de uma engenharia complexa que envolve a articulação militar, elites orgânicas e o capital – no passado, multinacional associado; hoje, seria o rentismo da Faria Lima.

O que as trepidantes revelações da PF nos informam é exatamente o contrário: a paródia de um golpe old fashion em pleno século XXI num país de economia globalizada nas mãos do rentismo conectado em tempo real com as praças financeiras do planeta. Um golpe planejado em um mês, cujo desfecho seria dissolver o Alto Comando das FFAA e substituir por um gabinete chefiado pelo General Heleno. 

Tudo depois que as quatro pistolas, quatro fuzis, uma metralhadora, um lança-granada e um lança-rojão previstos no “Plano Punhal Verde e Amarelo” tivessem feito o serviço, deixando um rastro de mortos e destruição. 

Por um momento, vamos supor que o “Punhal Verde e Amarelo” seja verdade. Como seria o dia seguinte? Essa figura onipresente dos “mercados” ficaria olhando o show de braço cruzados? E os EUA, cuja geopolítica dos Novos Democratas não permite nem mesmo que os países do seu quintal deem golpe em si próprios? 

O timing e inverossimilhança (ou canastrice – parece mais um roteiro de golpe de uma república caribenha tal como satirizado no filme Bananas, de Woody Allen) nos revela que a verdade está em outra cena. 

Sim! O Plano é real... afinal pulou do celular de Mauro Cid, enquanto a mídia vem mostrando imagens dos fac-símiles de documentos. Porém, a única coisa real nessa história inverossímil é a sua natureza simulatória, de prestidigitação, de não-acontecimento



Paralisia estratégica

O tom exasperado entre a perplexidade e o pânico da jornalista Cristina Serra comprova o alvo e o efeito pretendido: trazer novamente em cena o recall do trauma da ditadura militar na esquerda para reforçar a paralisia estratégica do campo progressista.

Por paralisia estratégica entendemos como o efeito de uma operação psicológica na qual cria no oponente a percepção que só resta a ele uma única alternativa: guardar a sua posição rendendo-se ao status quo. No caso, a adesão ao plot da “Democracia em Perigo” ou “Ataques a Democracia”. Porque, a outra alternativa, seria tão somente a ameaça existencial do golpe e do fascismo.

Um exemplo didático das consequências políticas da paralisia estratégica foi a eleição em São Paulo: um candidato progressista ideologicamente desidratado emulando o mesmo conteúdo dos candidatos da extrema-direita – empreendedorismo e todo o corolário neoliberal, embrulhado em moderação. Deu no que deu...

Quanto mais se apega ao status quo, às “instituições democráticas que funcionam”, à Justiça que (espere sentado) irá punir exemplarmente os golpistas, mais a esquerda se mostra para a sociedade como “O Sistema”. E mais prospera a extrema-direita “antissistema”.

“A guerra é a arte da ilusão”, dizia Sun Tzu. A extrema-direita, com a sua estratégia de comunicação aprendida nos manuais alt-right, entendeu a essência dessa máxima. Daí a recorrente manobra de alopragem política: a estratégia do caos como método, isto é, a criação sistemática de acontecimentos (controvérsias, polêmicas, crises e denúncias até contra si próprios) para controlar a pauta política e midiática nacional. 

Como jogo de prestidigitação, além de criar a paralisia estratégica no oponente, desviar a pauta política. 

Se não, vejamos:

(a) O escândalo da revelação da intentona do “Punhal Verde e Amarelo” teve o timing de tirar da pauta midiática o sucesso de Lula e do Itamaraty com o fechamento do texto final da Reunião do G-20 – havia uma torcida velada entre os “colonistas” da imprensa corporativa de que Javier Milei melaria tudo;



(b) Além de simplesmente fazer desaparecer de cena, em meio aos debates de reajustes e corte de gastos do Governo, o contra-ataque do ministro Fernando Haddad ao divulgar, de forma inédita, uma lista das empresas beneficiadas pela renúncia fiscal – com destaque para as empresas de mídia; 

(c) Chantagem! Manter sob pressão a necessidade do corte de gastos que obrigue o governo cortar da própria carne, sob o medo da “Democracia em Perigo”;

(d) Os casos do homem-bomba Tiü França e do Plano Punhal Amarelo estão fazendo pipocar, aqui e ali na grande mídia, “colonistas” defendendo a necessidade da mudança na Lei Antiterrorismo: incluir “motivação política e ideológica” na Lei para, supostamente, facilitar a criminalização do golpismo. Mas o ardil é outro: no futuro, criminalizar qualquer movimento social. Mais um timing perfeito do “celular de Pandora” do Mauto Cid;




(e) Manter em cartaz o plot da “Democracia em Perigo”, mandando a mensagem para a esquerda que ela deve manter-se do lado das “instituições que funcionam” para afastar a ameaça fascista. A Faria Lima agradece.

Pode até ser que tudo isso seja um delírio teórico desse humilde blogueiro e que, de fato, o País esteve à beira de um golpe de Estado real envolvendo assassinatos, bombas e tiros.

Então estaríamos diante de réus inimputáveis pela Lei: a trupe de Bolsonaro deveria ser diagnosticada com síndrome de mitomania sob delírios de grandeza, medicada e confinada num manicômio judicial. 

Porque golpes de Estado old fashion no século dos golpes híbridos num mundo loteado pelas estratégias geopolíticas, só pode mesmo ser coisa de maluco.

 

PS.: O Procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidiu que apresentará a denúncia contra Jair Bolsonaro (PL) e outros 36 indiciados por tentativa de golpe de Estado só no ano que vem. Segundo a “colonista” da Folha, Monica Bergamo, a decisão visa “garantir que o caso avance de forma sólida, evitando falhas processuais em um tema de grande repercussão nacional e internacional”. Como sempre, os não-acontecimentos são uma questão de timing: deixar o cenário político digerir a repercussão para a Justiça sentir a temperatura do momento.  Enquanto a mídia mantém o clima tenso da “corda esticada” – o plot da “ameaça à democracia”. Como sempre, Gonet no modo "Esperando Godot".

 

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