Pages

quarta-feira, setembro 15, 2021

"Três Estranhos Idênticos": será que Hitler ganhou a guerra?


Tudo começou como um típico final feliz de um melodrama midiático: três gêmeos idênticos, separados aos seis meses de vida e adotados por famílias diferentes, por acaso se reencontram no campus de uma universidade norte-americana. Nos anos 1980 viraram celebridades e objetos de uma insaciável curiosidade do público em talk shows e programas de auditório. Circo midiático que pretendia ocultar uma realidade sombria: uma obscura pesquisa científica liderada por um psiquiatra austríaco, cujos resultados jamais foram publicados, os financiadores são mantidos no anonimato e os registros originais estão judicialmente trancafiados no acervo da biblioteca da Universidade de Yale. É o que descreve o documentário “Três Estranhos Idênticos” (2018, disponível na Netflix) que sugere as conexões entre a American Eugenic Society (“eugenia”, termo usado para tornar a expressão “limpeza racial” menos forte) e os campos de concentração nazistas. O que nos leva a suspeitar que a sociedade norte-americana atual seria a versão triunfante do modelo que Hitler queria implantar. 

Três Estranhos Idênticos (Three Identical Strangers, 2018) é um documentário da Netflix que cumpre a primeira função do que se espera de uma plataforma de filmes em streaming: entretenimento. A bizarra história do reencontro de três gêmeos idênticos que, separados aos seis meses de vida, foram adotados por três famílias diferentes. Tiveram suas vidas paralelas até, por acaso, se reencontrarem ao serem confundidos um com o outro em um campus universitário quando tinham 19 anos.

Típico “fato diverso”, um exemplar daquele tipo de notícia enquadrada pelo viés de curiosidades e fatos pitorescos, que em jornais televisivos ou impressos vira uma combinação de notícia com entretenimento – “infotenimento”.

Como “fato diverso”, a sua natureza aparentemente aleatória nos desperta empatia e identificação – e se fosse comigo, como me comportaria?

Porém, se o espectador começar a ir além dessa primeira camada interpretativa, começará a colocar em xeque essa suposta aleatoriedade do destino.

Na Nova York da década de 1980, formou-se um verdadeiro circo midiático em torno dos gêmeos Edward, Robert e David – três jovens deslumbrados correndo de um lado para outro em talk shows, programas de auditório e grandes eventos em ginásios esportivos, respondendo a perguntas que satisfaziam à curiosidade mórbida do público. Além de se divertirem ao vestirem as mesmas roupas, fazerem movimentos idênticos (gestos, danças, fumar a mesma marca de cigarro etc.) como se estivessem sendo dirigidos pelos produtores de TV.

Aos poucos, o infotenimento de Três Estranhos Idênticos começa a adquirir tonalidades sombrias quando descobrimos as disfunções psicológicas e tragédias envolvendo os sorridentes rapazes. Para tudo terminar em uma total conspiração na qual supostamente foram enredados os gêmeos e suas famílias: uma centenária agência de adoção, um não menos centenário Conselho Judaico de Serviços à Família e Infância e a Universidade de Yale.

 E, no princípio de tudo, uma obscura pesquisa científica liderada por um psicólogo infantil de origem austríaca, cujos resultados jamais foram publicados, os financiadores ainda se mantêm no anonimato e os registros originais da pesquisa iniciada na década de 1960 estão judicialmente em silêncio, trancafiados em algum canto empoeirado no acervo da biblioteca da Universidade de Yale. 

Mas é nos fios soltos resultantes de uma investigação independente feita por um jornalista de Austin, Texas, que encontraremos ecos ainda mais sombrios. De cara, começamos a lembrar do filme Meninos do Brasil(1978), baseado no livro homônimo de Ira Levin e inspirado no infame médico nazista do campo de concentração de Auschwitz Joseph Mengele, conhecido pelas suas experiências genéticas com judeus prisioneiros: 94 clones de Hitler quando ele era um garoto são enviados para serem adotados em diversos países. Com o cuidado das diversas variáveis sócio-psicológicas serem controladas para emular a própria trajetória de vida do líder nazista. E ser concretizado o plano da criação do IV Reich.

E, além disso, encontramos ressonâncias do livro do economista argentino Walter Graziano, “Hitler Ganhou a Guerra” (2005): como o Nazismo foi financiado por clãs industriais e financeiros anglo-americanos cujo núcleo esconde-se em antigas sociedades secretas – na verdade, a sociedade norte-americana atual seria a versão triunfante do derrotado modelo que Hitler queria implantar após a vitória na Segunda Guerra Mundial.




O Documentário

Dirigido por Tim Wardle, o documentário usa uma combinação de entrevistas pessoais, material de arquivo e sequências de reconstituições para contar a história. 

Em 1980, Bobby Shafran, de 19 anos, estava indo para uma faculdade comunitária em Catskills. Em sua chegada, ele foi recebido com a recepção mais calorosa que se possa imaginar em um primeiro dia: os alunos perguntaram “como foi o seu verão”, houve parabéns e beijos de meninas. Ainda mais bizarro, todos persistiram em chamá-lo de Eddy.

A explicação incrível, como Bobby logo descobriu, era que ele tinha um irmão há muito perdido. Mais precisamente, um gêmeo idêntico, cujo nome era Eddy Galland. E embora isso em si pareça ter sido retirado de um roteiro de filme (os gêmeos parecem fascinar cineastas), tudo estava apenas começando.

Outro rapaz, David Kellman, viu a foto dos gêmeos em um jornal e percebeu que eles se pareciam com ele. Os gêmeos eram na verdade trigêmeos. 

Como as entrevistas com familiares e amigos no documentário nos informam, os trigêmeos compartilharam um forte vínculo afetivo desde o primeiro dia, apesar do fato de terem sido criados em ambientes muito diferentes. O que se seguiu foram artigos em publicações importantes e várias aparições na TV. 

O público ficou simplesmente fascinado pela história do feliz reencontro e passou a fazer perguntas do tipo como “Vocês gostas das mesmas cores?” e “Você tem gostos semelhantes por mulheres?”. Os trigêmeos até tiveram uma participação especial no filme Madonna Procura-se Susan Desesperadamente (1985)Logo, eles encontraram um apartamento em Nova York e abriram um restaurante chamado, obviamente, de “Trigêmeos”. A vida deles então se transformou numa grande festa por algum tempo, pelo menos.

O conto de fadas entrou em crise quando Bobby deixou o negócio e definitivamente acabou quando Eddy cometeu suicídio. 




No entanto, ao mesmo tempo, os pais dos trigêmeos tinham inúmeras perguntas. E é aqui que a história começa a dar uma guinada sombria. Todos os três meninos foram adotados através da Louise Wise Services, uma agência proeminente com foco no serviço de adoção de bebês judeus, supervisionada por um conselho formado pela elite de Nova York. 

Os pais nunca foram informados de que havia outras duas crianças. Quando exigiram respostas, receberam uma resposta insatisfatória.

Porém, o mais estranho é que, quando decidiram entrar na Justiça, encontraram advogados motivados por uma causa praticamente ganha. Mas, de repente, o ânimo dos advogados caiu e informaram aos pais que o caso não poderia ser levado em frente, com justificativas insatisfatórias. 

Porém, o buraco da toca do coelho começa a se mostrar mais profundo quando o jornalista texano Lawrence Wright começou a trabalhar na história dos trigêmeos para a publicação “New Yorker”. Durante sua pesquisa, encontrou um artigo que fazia referência a um estudo no qual outros gêmeos idênticos haviam sido separados. Todos os bebês vieram de Louise Wise Services.

O estudo foi conduzido pelo Dr. Peter Neubauer, um renomado psiquiatra que foi refugiado austríaco do Holocausto. O objetivo exato do estudo, conduzido de 1960 a 1980, ainda é desconhecido e os resultados do estudo estranhamente nunca foram publicados. Enquanto o material de pesquisa é mantido na Universidade de Yale, selado judicialmente até 2066 pelo próprio Dr. Neubauer, falecido em 2008.

Aparentemente, Neubauer pretendia com o estudo definir qual a principal variável na formação do caráter e personalidade de uma criança: a genética ou as influências sócio-culturais – família, educação, classe social etc.

Aos poucos, Wright começou a perceber a metodologia do experimento: cada um dos gêmeos ficou em famílias judias de classes sociais distintas: o pai de Bobby era um abastado médico; a família de David era de classe média; enquanto Eddy vivia numa família de um pequeno comerciante. E todas os gêmeos adotados tinham uma irmã mais velha, também adotada.

O impacto da publicação da reportagem de Wright fez a Universidade de Yale ceder uma parte do material aos pais. Porém, o que foi liberado foi um material bruto e fortemente editado. Mas o suficiente para descobrir que as crianças tiveram seu crescimento monitorado por assistentes, que visitavam as famílias, filmavam as crianças e as submetiam a entrevistas e constantes testes de QI – alguns desses registros fílmicos são mostrados nos créditos finais do documentário.


Os trigêmios fazem ponta no filme "Procura-se Susan Desesperadamente"


EUA, Eugenia e Nazismo

Na medida em que essa parte sombria do documentário se desenrola, passamos a perceber a inegável natureza eugênica do experimento – “Eugenia”, termo usado para que a expressão “higiene racial” se torne menos forte. O termo significa “bem-nascido” e se tornou uma pseudociência criada pelo inglês Francis Galton em 1833 como o “estudo dos agentes sob controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais físicas ou mentais das futuras gerações”. Cujas pesquisas e aplicações se estenderam pelos EUA e, infamemente, no regime nazista.

Pode parecer paradoxal um médico fugitivo do Holocausto empreender pesquisas nazistas cujas principais vítimas foram os próprios judeus. E ainda mais em solo americano. 

O documentário não vai mais além, mas se colocarmos em uma perspectiva da historiografia oculta das conexões entre clãs da elite anglo-americana com o financiamento do nazismo, as coisas começam a adquirir um inesperado sentido.

E o livro de Walter Graziano, “Hitler Ganhou a Guerra” pode nos fornecer essas conexões.   

Segundo Graziano, a Eugenia estava presente tanto nos EUA quanto na Alemanha. Em 1932 foi realizado nos EUA o Terceiro Congresso Mundial de Eugenia, cujas pesquisas eram financiadas por clãs como o do financista H. N. Harriman e dos negócios petrolíferos da família Farish – mais tarde, Farish e sua empresa Standard Oil os New Jersey (hoje, Exxon) apoiaria financeiramente a abertura do campo de concentração de Auschwitz, com a finalidade de produzir borracha sintética com mão de obra escrava. E, de quebra, dar o apoio às experiências eugenistas nazistas.




Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento eugenístico recomeçou nos EUA com apoio da Fundação Rockfeller que levou John Rockfeller III a fazer uma turnê mundial cujo foco era a necessidade de frear a expansão de populações não-brancas. 

Nesse momento, a American Eugenic Society era sediada na Universidade de Yale. Uma universidade também notória em abrigar até hoje sociedade secreta Skull & Bones Society que abriga uma elite anglo-americana profundamente racista.

Hoje as chamadas “sociedades secretas” não são assim tão secretas. Por exemplo, qualquer membro de uma Skull & Bones pode expressar livremente que é membro. Certamente, por isso mesmo, ultimamente a Ordem tenha admitido alguns membros de raça negra, judeus e algumas mulheres entre seus membros. Porém, o coração de suas atividades, a “agenda”, continua secreta, bem longe da opinião pública.

Peter Neubauer, um refugiado austríaco, tornou-se um ilustre psiquiatra e psicanalista infantil de Nova York, além de diretor do Freud Archives depois que trabalhou em estreita colaboração com Anna Freud. Mas não o livrou das comparações de seu experimento científico dos gêmeos com os experimentos nazistas dos quais ele próprio havia se livrado.

O documentário Três Estranhos Idênticos apresenta explicitamente a espécie de operação “abafa” que ocorreu após o reencontro involuntário dos trigêmeos – o que provocou o reencontro de outros gêmeos separados pelo mesmo experimento do Dr. Neubauer.

O circo midiático criado em torno dos trigêmeos e a deliberada construção narrativa do final feliz entre gêmeos brincalhões que entretinham os telespectadores foi uma estratégia para esconder da opinião pública as sinistras conexões de um experimento eugênico entre o Conselho Judaico de Serviços para a Família e Infância, Louise Wise Services, Universidade de Yale e a American Eugenic Society. Enquanto, secretamente, advogados eram silenciados e o experimento de Neubauer suspenso em 1980 devido ao estardalhaço midiático dos trigêmeos. Para logo depois os registros e apontamentos dos resultados do experimento serem herdados pelo Conselho Judaico e trancados sob ordem judicial na Universidade de Yale.

Especula-se que um conjunto de 11 gêmeos e um trigêmeo serviram de cobaias para o experimento. Três irmãos cometeram suicídio, além do documentário revelar efeitos colaterais como depressão e transtornos bipolares.

O inacreditável painel descrito pelo documentário parece confirmar as suspeitas de Walter Graziano no livro “Hitler Ganhou a Guerra”: a atual sociedade norte-americana é a realização do derrotado modelo nazista, ocultado pelo circo midiático que promove os aspectos mais formais de um modelo democrático liberal.


 

Ficha Técnica 

Título: Três Estranhos Idênticos (documentário)

Diretor: Tim Wardle

Roteiro: Grace Hughes-Hallet

Elenco: Robert Shafran, Michael Dominitz, Howard Schneider

Produção: RAW

Distribuição:  Netflix

Ano: 2018

País: EUA

 

Postagens Relacionadas


O Top 10 do bestiário neoconservador para o século XXI



A Cracolândia e o documentário “Arquitetura da Destruição”



Em “Ele Está de Volta” o século XXI recebe Hitler de braços abertos



A linguagem da sedução do nazismo em “Hitler’s Hit Parade”