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terça-feira, julho 19, 2022

Urnas eletrônicas: das teorias conspiratórias às dúvidas justificadas


A pantomima do chefe do Executivo diante de embaixadores atacando as urnas eletrônicas, com inacreditáveis powerpoints by Dallagnol sobre inescrutáveis “malwares maliciosos”, foi mais um jogo de dissimulação e simulação (blefe) de um fusível para ser queimado. Tal como o jogo de prestidigitação do mágico (que com uma mão distrai o distinto público e com a outra puxa a carta secreta da manga), Bolsonaro não diz o mais importante de qualquer crítica consequente às tecnologias adotadas pelo TSE: o problema não é auditabilidade ou impressão de votos, mas de conflito de interesses e soberania: segurança criptográfica, armazenamento e contagem estão nas mãos de uma multinacional brasileira ligada visceralmente às Forças Armadas e outra com ligações comprovadas com CIA e NSA. O capitão da reserva distrai a patuleia com teorias conspiratórias. Enquanto as dúvidas justificáveis são ocultadas.

A tramitação da chamada “PEC Kamikaze” a toque de caixa com Arthur Lira tratorando o Congresso e a acelerando da distribuição de R$16 bilhões em emendas do “orçamento secreto” sem seguir as normas de transparência pública, foram as cartadas decisivas para Bolsonaro tentar se manter no poder. Passando por cima da lei eleitoral e dos próprios regimentos das casas legislativas apenas comprovam que as instituições NÃO estão funcionando – apesar dos espasmos para visibilidade midiática como o anúncio do Tribunal de Contas da União para investigar SE Bolsonaro “desrespeita a lei eleitoral”... “se”...

 Depois da própria oposição apoiar a PEC (colocada contra a parede, sob a ameaça de se tornar vilã do povo) caiu a ficha sobre o que estava embutido no pacote: o maroto conceito de “estado de emergência”, figura jurídica inexistente na Constituição, que apenas prevê “Estado de Defesa” e “Estado de Sítio”. Conceito que pode prever a instalação de um novo estado de exceção que, dependendo da vontade do PMiG, pode colocar em risco as próprias eleições.

Preocupada, oposição tentou retirar a expressão do texto da PEC. Mas sem sucesso.

Restou à oposição e à mídia progressista criticar o governo de ter “desfigurado o orçamento federal para se manter no poder”. Fala em “bomba fiscal”, revivendo o “teto de gastos”, “responsabilidade fiscal”, o perigo do país quebrar” martelados pelo financismo neoliberal. O fato é que, de repente, os discursos se inverteram. A esquerda denunciava como a austeridade fiscal destruía projetos de auxílio social. Mas agora o dinheiro apareceu! Enquanto Bolsonaro manda às favas a responsabilidade fiscal (sob o silêncio dos “mercados”), ironicamente, agora, é a esquerda que se apropria do discursos da “reponsabilidade fiscal” para criticar o governo, saindo em defesa de um dos pilares do neoliberalismo. Que a esquerda combate...

Esse é um exemplo da explosão na esquerda de uma bomba semiótica da guerra criptografada do PMiG – Partido Militar Golpista. Técnica de prestidigitação semelhante ao que o mágico faz para desviar o olhar do distinto público - tal como o mágico que com uma das mãos distrai a atenção da auditório enquanto a outra puxa a carta da manga.



Outro exemplo foi o “ato de desespero” do chefe do executivo em reunir embaixadores nessa segunda-feira para disseminar “ataques contra as urnas eletrônicas” através de slides em powerpoint toscos que se limitavam a apresentar diagramas bisonhos sobre “malwares maliciosos” e manchetes da grande mídia sobre os confrontos do TSE e STF contra ele.

O diversionismo dos “malwares maliciosos”

Claro, grande mídia rapidamente se aproxima desse jogo criptografado de prestidigitação. A Globo foi a mais rápida: crava que a fala de Bolsonaro “frustrou equipe de campanha” por parecer “estratégia de um derrotado” e destacou o erro ortográfico em inglês de um dos slides – “bienfing” ao invés de “briefing”.

A tosquice dos powerpoints (seguindo a estética “by Dellagnol” – clique aqui) seguido pelo erro ortográfico (convenientemente viralizado nas redes) são detalhes desse verdadeiro “caos com método”, de acordo com os manuais militares de simulação e dissimulação em campos de batalha.



Qual a carta que o prestidigitador Bolsonaro está puxando da manga para a qual o público não está olhando? 

Óbvio que a primeira carta por trás dessas pautas e agendas de cunho marcadamente diversionista é manter acesa a militância em torna de temas totalmente alheios a questões urgentes como a política de preços da Petrobrás voltada aos acionistas estrangeiros (ao lado da autonomia do Banco Central, pièce de résistance do hiperliberalismo dessas plagas) como a raiz da explosão inflacionária.

Mas a segunda carta que Bolsonaro puxa secretamente é justamente o ponto mais importante que qualquer crítica mais consequente às urnas eletrônicas deveria fazer: o sistema de segurança, criptografia, armazenamento e contagem de votos foi contratado de empresas cujas ligações perigosas suscitariam não “teorias conspiratórias”, mas dúvidas justificadas: a multinacional brasileira Kryptus (multinacional brasileira em segurança cibernética e criptografia para aplicações militares, governamentais e empresariais), ligada até a raiz dos cabelos com as Forças Armadas, e a norte-americana Oracle, historicamente ligada à CIA e à NSA.

Jogos de dissimulação (diversionismo) e simulação (blefar e blefar sem parar): gritar o tempo inteiro questões não significativas como auditabilidade das urnas ou a possibilidade de impressão dos votos, ocultando a questão mais crucial: o controle das eleições brasileiras por organizações que, no mínimo, suscitariam conflito de interesses e suspeita – Kryptus, empresa vencedora nas licitações da Forças Armadas (cujo representante no Executivo concorre nas eleições) e a Oracle, intimamente ligada a CIA e NSA – Agência de Segurança Nacional, aquela cujos documentos ultrassecretos,  revelados por Edward Snowden em 2013, apontavam a então presidenta Dilma Rousseff e seus principais assessores como alvos do sistema de espionagem americano – clique aqui.



Kryptus e o Exército Brasileiro

Se não, vejamos. Em ofício enviado pelo ministro do TSE Luís Roberto Barroso ao General Heber Garcia Portella, do Comando de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro, como resposta às questões enviadas ao TSE sobre o processo eleitoral brasileiro, está descrito:

É importante frisar que os perímetros criptográficos das urnas emitem requisições de certificado que são validadas por uma Autoridade Certificadora das Urnas Eletrônicas, cujas chaves privadas estão armazenadas e protegidas em HSMs (Hardware Secure Modules) certificados ICP-Br, fabricado pela Kryptus (Empresa Estratégica de Defesa) e que também é um Produto Estratégico de Defesa – clique aqui

Ou seja, as chaves criptográficas são geradas, armazenadas e protegidas por uma empresa que já fornece produtos estratégicos de defesa para o Exército Brasileiro. Ou ainda: as respostas das questões 14,15,16 e 17 já eram conhecidas de antemão pelo próprio Centro de Defesa Cibernética do Exército – evidência de que as questões levantas ao TSE pelo Exército é puro jogo de simulação para repercussão midiática, dentro da estratégia de criar o caos informacional da “ameaça do golpe”. Afinal, o golpe já aconteceu e ninguém percebeu por que não foi televisionado – clique aqui.

Kryptus é responsável por diversos projetos de defesa do Exército brasileiro. Entre eles, módulo criptográfico do Projeto IFFM4BR: identificação amigo/inimigo, Projeto SISFRON: Sistema Integrado de Sensoriamento, Projeto LinkBR2: Sistema de Enlace de Dados

Desde 2013 a multinacional brasileira mantém relações estreitas com o Exército, quando ficou responsável por prover subsistema de criptografia para sigilo das comunicações do Exército. Por isso, é bastante conscienciosa com o seu principal cliente, fazendo homenagens institucionais em datas comemorativas do Exército, como o Dia do Soldado – veja abaixo:



Esse humilde blogueiro pergunta: isso não configuraria conflito de interesses num cenário em que um capitão da reserva ocupa a presidência e conta com três mil militares em cargos do governo federal? – numa situação em que uma empresa tão visceralmente ligada às Forças Armadas é responsável pela criptografia das urnas eletrônicas.

É claro que para ser aceita essa tese, é necessário considerar a existência real de um Partido Militar, com base ideológica, base corporativa, forma e controle de governo, além de base eleitoral e militante. Para a mídia, tudo se trataria apenas de uma empresa nacional prestando serviços ao TSE num país em que as Forças Armadas se preocupam apenas com a segurança nacional e integridade das suas fronteiras... também o coelhinho da Páscoa deve acreditar nisso.

Oracle e as redes de dados da CIA e NSA

A grande mídia frequentemente cria uma imagem da Oracle (gigante de tecnologia e informática norte-americana especializada em hardware e software de banco de dados) como uma empresa que se originou de uma humilde startup do Vale do Silício. Sua história real é ofuscada pela imagem do seu fundador, Larry Ellison, quinta pessoa mais rica do planeta segundo a Forbes, com o costume de comprar gigantescos iates e ilhas – como a ilha de Lanai, no Havaí, para onde se mudou durante a pandemia Covid-19.

Na verdade, a empresa de Ellison foi criada em 1977 como um projeto financiado pela CIA, fundamental para a criação da atual rede de vigilância dos EUA. Ellison escolheu o nome Oracle para sua empresa porque trabalhou nos planos da criação da rede de banco de dados da CIA, cujo codinome era Oracle, em 1975.

Ele [Larry Ellison] abandonou a Universidade de Chicago na década de 1960, foi para Berkeley, Califórnia, e em meados da década de 1970 começou a trabalhar em um projeto de banco de dados. Nome de código: Oracle. Cliente: Agência Central de Inteligência. Em 1977, Ellison fundou a empresa com Robert Miner e Edward Oates, batizando-a com o nome do trabalho da CIA – clique aqui.

 


Porém, esse vínculo não se limitou ao empréstimo do codinome. Depois dos anos 1970 a Oracle acabou se integrando à comunidade de inteligência dos Estados Unidos. obviamente. No livro “Softwar”, escrito pelo jornalista Matthew Symonds (escrito antes e depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 200) há inúmeras pistas disso. Por exemplo, sobre como Ellison se saiu após uma de suas conversas em um jantar com Michael Hayden da NSA em 13 de setembro de 2001 ou no almoço com o Procurador-Geral do Presidente George W. Bush, John Ashcroft, nessa mesma viagem.

Ellison criou um banco de dados de segurança capaz de identificar qualquer cidadão, desde impressões digitais, passando por identificação das mãos e indo até leituras de íris. Ellison chegou a dizer isso publicamente na época.

Ellison ganhou muito dinheiro com o governo nos anos que se seguiram aos ataques de 11 de setembro. O governo federal foi responsável por cerca de um quarto dos bilhões de receitas da Oracle em 2003 – leia ROSEN, Jeffrey. The Naked Crowd: Reclaiming security and freedom in an anxious age, Random House, 2004.

Recorrentemente, Ellison vem defendendo as táticas de inteligência nas controvérsias levantadas pela mídia norte-americana – como, por exemplo, após os vazamentos de Snowden em 2013.

É explícita a janela aberta entre Oracle e CIA. Como, por exemplo, Leon Panetta, membro do Conselho da Oracle em 2015 e que atuou como diretor da CIA (2009-2011) e Secretário da Defesa (2011-2013). 



No próprio site da Oracle há depoimentos de pessoas que fizeram sucesso no mundo da coleta de informações secretas ou mesmo militares e que passaram a atuar na Oracle após a aposentadoria – clique aqui e aqui com alguns exemplos de “brindging the gap for veterans”.

O banco de dados Oracle é usado para acompanhar basicamente tudo. As informações sobre seus bancos, seu saldo de cheques, seu saldo de poupança, são armazenadas em um banco de dados Oracle. Sua reserva de companhia aérea é armazenada em um banco de dados Oracle. Os livros que você comprou na Amazon são armazenados em um banco de dados Oracle. Seu perfil no Yahoo! é armazenado em um banco de dados Oracle - disse Ellison a Rosen no livro The Naked Crowd.

Não fosse a estratégia de limited-hangout do jornalista Glenn Greenwald (o jornalista fechou o arquivo de documentos de Snowden em 2019), teríamos ainda mais provas das táticas de espionagem dos EUA e suas ligações com o banco de dados da Oracle.

Segundo Felipe Maruf Quintas (doutor em Ciências Políticas pela UFF), “não se trata de dizer que todos os resultados eleitorais desde 1996 foram fraudados e ilegítimos, pois isso seria impossível de provar com os dados que dispomos hoje. Preocupante é a possibilidade de fraude das eleições brasileiras sempre que a elite do poder estadunidense assim quiser”. Para o cientista político, “um país realmente livre e soberano não pode confiar a outro, ainda mais um adversário histórico, a responsabilidade por gerenciar o seu processo eleitoral, e muito menos isso pode ser naturalizado”.

Essa questão da soberania numa área tão sensível como o processo eleitoral é também preocupação do professor especialista em software livre da Universidade Federal do ABC (UFABC), Sérgio Amadeu, que defende o uso de tecnologias nacionais em código aberto, e que abandone a Oracle:

Isso garantiria que o processo, desenvolvimento de códigos e soluções para os problemas ficassem no Brasil. O fato de o código ser aberto não reflete fragilidade, mas a possibilidade criar algoritmos mais robustos de criptografia. Usar soluções livres aumenta a transparência e a autonomia nacional. Porém, isso precisa de projeto, não é de uma hora para outra. – clique aqui.

Sérgio Amadeu conclui: “estamos aprisionados dentro de uma tecnologia externa”.

É claro que, também, para aceitar mais essa dúvida justificável (Oracle fornecendo sistema armazenamento e contagem de votos desde 1996), temos que reconhecer o protagonismo das estratégias geopolíticas do Departamento do Estado e serviços de Inteligência dos EUA na guerra híbrida brasileira que, como discutido nesse Cinegnose, empoderou as Forças Armadas até o desfecho no golpe militar híbrido em 2018 – a vitória de Bolsonaro, com o apoio do Judiciário, grande mídia e banca financeira credora do Estado.

A existência do PMiG e da ação da guerra híbrida contra os governos do PT no Brasil são até aqui qualificadas como “teorias conspiratórias” – até para certa parte da esquerda.

De qualquer maneira, minimamente existe uma dúvida justificável sobre conflitos de interesse e soberania nacional no processo eleitoral brasileiro.

Dúvida que passa ao largo tanto da esquerda quanto da oposição, hipnotizadas pela prestidigitação que esconde aquilo que a outra mão está fazendo. E passam a defender as urnas eletrônicas para não se confundirem com o “golpista”.

Essa é a grande ironia das estratégias de comunicação alt-right.

 

Com informações da Forbes, Gizmodo, Rede Brasil Atual, Oracle, DefesaNet, Pravda.ru

 

 

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