De todos os pecados, a vaidade é a aquele mais apreciado pelo Diabo. A semana começou com uma armadilha que o “Fantástico”, da Globo, armou para Mandetta: uma entrevista cuidadosamente editada e destacada, representando a mosca azul da política que picou o agora demissionário ministro da Saúde. Mas pouco importa: isso é apenas a interface de uma guerra criptografada cujos conflitos e polarizações (p. ex. da atual palavra-fetiche “Ciência” versus “Negacionismo”) eletrizam nossos corações e mente para as telas de TV e celulares. Ocultando não somente o sistema operacional (SO) que está rodando em Brasília e que manipula atores zumbis – oculta principalmente as “backdoors”, programas maliciosos que operam no segundo plano do SO: Biopolítica e Necropolítica. Como, diante de toda uma Nação, usar o dinheiro público para produzir a maior concentração de riqueza da História no cassino financeiro? Como, diante dos olhares de todos concentrados na TV e redes sociais, implementar uma higiene social que elimine idosos, doentes, desempregados e toda a sorte de uma massa considerada supérflua inútil segundo a moralidade da atual agenda neoliberal? A pandemia COVID-19 é a incrível janela de oportunidades que se abre para a criação de uma nova ordem global. E o que a esquerda pode fazer diante disso?
“Vaidade... definitivamente é o meu pecado favorito!”, dizia Milton, o próprio Diabo em pessoa disfarçado de advogado no filme O Advogado do Diabo, 1999.
Mandetta concedeu uma entrevista especial para o programa “Fantástico” da TV Globo, com toda pompa e circunstância. Parecia tudo, menos uma entrevista com um ministro em plena crise sanitária: muitas câmeras, uma matéria com edição caprichada que abria com uma foto da família feliz do ministro. Tudo parecia mais um programa inaugural do horário político gratuito de uma campanha eleitoral na TV.
E toca a falar em “Ciência” (palavra-fetiche dos últimos tempos) e a dar estocadas no presidente Bolsonaro, para a câmera que o tempo inteiro fechava em close-up, como se procurasse emoção no rosto de um político e médico com trajetória privatista. E que de uma hora para outra tornou-se o campeão do SUS – que antes da crise do COVID-19 ajudava a desmontar.
Em poucos dias, Mandetta foi demitido por Bolsonaro e a entrevista para o Fantástico foi a gota d’água.
Para quem ainda não acredita que o suposto duelo mortal entre Bolsonaro e a Globo não passa de uma simulação, mais um lance dentro da guerra semiótica criptografada na qual a extrema-direita ganha por goleada, a entrevista de Mandetta no “Fantástico” foi uma bem armada cilada para o agora ex-ministro cair feito patinho: a vaidade, sempre a vaidade...
Se nos dias anteriores o “time de notáveis” (é assim que a Globo News promove os seus analistas de política) estavam surtados e indignados com o negacionismo do presidente e elogiando o viés “técnico” e “científico” do ministro demissionário, depois da queda de Mandetta estranhamente todos pareciam ter tomado Lexotan.
“O negócio agora é passar uma borracha no passado e todos se unirem nessa crise!”, dava o tom um otimista Gerson Camarotti. E agora, toca a elogiar o novo ministro, Nelson Teich, o “cientista” da vez. Para todos os “notáveis” da Globo um “médico de sucesso” e um “técnico”.
Para aqueles leitores que talvez estejam começando a entender a interface da guerra criptografada que esconde o Sistema Operacional (SO) que roda em Brasília, numa leitura rápida poderíamos até achar que a Globo armou para Mandetta: fisgou o peixe através do pecado capital da vaidade.
A vaidade... |
A interface e a nuvem
É claro que a mosca azul da projeção midiática picou Mandetta, acima de tudo um político antes de ser médico. Mas tudo isso é apenas a interface, com atores no piloto automático – o “Estado Espetáculo”, para traduzir através das palavras de Roger-Gerard Swartzenberg – leia O Estado Espetáculo, Difel.
Um show de falsas polarizações (p.ex. Negacionismo X Ciência ou Economia X Vidas) que nunca termina para que fiquemos hipnotizados pelos efeitos especais e animações gráficas dos ícones que brilham na tela. Algo assim como quando mandamos um arquivo para a “nuvem”, e vemos o arquivo sendo arrastado para o ícone de uma nuvenzinha – mero efeito retórico tecnológico para ocultar o fato de que o arquivo vai ser armazenado em algum provedor, expondo a privacidade das nossas informações ao controle e engenharia sociais.
Uma evidência desse continuum midiático é que na essência nada mudou: Mandetta/Teich fizeram suas trajetórias nas redes privadas de saúde – assim como a equipe econômica do atual Governo vem da banca financeira. O principal credor do Estado.
Enquanto, numa crise sanitária como a atual, o exigido seria a liderança de infectologistas com experiências em redes públicas de saúde e economistas com experiência em dispositivos de transferência de renda.
Assim como a interface gráfica de uma tela torna um programa mais “amigável” ao usuário (usabilidade), funcionando na superfície das intrincadas linhas de algoritmos, da mesma forma a política criptografada com suas polarizações simuladas, intrigas, quedas, ameaças de impeachment e assim ad infinitum cria narrativas “amigáveis” – catalisa corações e mentes do respeitável público através de narrativas tensas e dramáticas. Como numa telenovela ou série do Netflix.
Seguindo essa linha de raciocínio, então qual seria o propósito desse SO que roda oculto em Brasília – assim como o velho DOS que roda oculto por trás da interface gráfica das várias versões do Windows?
As “portas dos fundos” do SO
Claro que não estamos falando dos propósitos políticos ou econômicos imediatos representados pelos três poderes. Mas das “Backdoors” – “porta dos fundos”: parte oculta de um programa que pode tanto fornecer ao fabricante acesso “legítimo” para restaurar senhas dos usuários; ou criar vulnerabilidades para um SO ser hackeado.
Nesse momento, duas “backdoors” estão em atividade no interior do SO político-econômico:
(a) Biopolítica
(b) Necropolítica
(a) Biopolítica – circuit braker e a brutal concentração de riquezas
“Circuit Breaker” é um mecanismo de segurança utilizado pela Bolsa de Valores para interromper todas as operações no momento em que as ações negociadas sofrem grandes quedas consideradas atípicas.
Pois a pandemia do COVID-19 era necessária e até esperada (vide a simulação de uma crise pandêmica no “Event 201: Global Pandemic Exercise”, realizado em outubro de 2019 – clique aqui): 2020 seria o ano de mais uma das crises financeiras cíclicas, mas com uma explosão da bolha especulativa muito mais violenta do que a de 2008 – lá, a dívida corporativa antes do crash era de US$3,3 trilhões; em 2019, US$ 6,15 trilhões.
A pandemia ofereceu o álibi perfeito para colocar a economia real em suspensão (deprimida pelo isolamento social), enquanto a banca do cassino global recebe aportes de dinheiro público através, por exemplo, da compra pelos bancos centrais dos títulos podres dos bancos – aqui no Brasil como no mundo.
O Brasil também vivia a exuberância da bolha das bolsas de valores, com a chegada das “sardinhas” (pequenos investidores pessoas físicas), insuflada pelo otimismo midiático de empresas como XP investimentos.
Ao mesmo tempo, abre-se uma janela fantástica para implementar a outra parte do tripé neoliberal (Estado Mínimo, liquidez financeira, flexibilização do trabalho): destruição de direitos trabalhistas, destruição dos sindicatos e toda rede de garantias sociais.
Nesse momento, percebe-se a eficiência da interface da guerra criptografada em ocultar essa “backdoor”: a aparência é que Bolsonaro estaria cada vez mais isolado e até estaria sofrendo um “golpe branco” e o General Braga Neto seria o “presidente em exercício”; ou até que Rodrigo Maia quer derrubar o presidente ou que a Câmara dos Deputados já falaria em impeachment.
Porém, nesse curto período, a Câmara aprovou, ou se mostrou favorável a: aprovação da “Carteira de Trabalho Verde e Amarela” (fim do 13o salário, 1/3 de férias e redução de multas para facilitar demissões); do “Plano Mansuetto” (austericida, desmontando investimentos sociais e serviços públicos essenciais); PEC 10/2020 que permite ao Banco Central assumir bilhões de títulos podres dos bancos e mercado de capitais; o subsídio ao desemprego no atual isolamento social com a MP 936 – permitir ao patronato demitir, suspender contratos de trabalho e redução salarial em plena crise sanitária. Entre outras medidas com timing, a toque de caixa, aproveitando-se da oportuna crise COVID-19.
O que mostra que Maia, Guedes, Alcolumbre e Bolsonaro estão alinhados, apesar da mise-en-scène performada para as câmeras de que o Congresso está à beira de uma intervenção militar liderada por Bolsonaro – ou pelo “presidente-em-exercício” Braga Neto... tanto faz...
Trocando em miúdos: o álibi de um estado de exceção biológico dá “cientificidade” ou “tecnicidade” à gatunagem política da agenda neoliberal.
(b) Necropolítica – o sinistro “cavalo de troia” da eugenia e darwinismo social
Esse humilde blogueiro tem que confessar que hospitais de campanha, principalmente aqueles construídos em estádios de futebol, como no estádio do Pacaembu/SP, causam uma má impressão. Primeiro, lembra toda a iconografia da ditadura militar de Pinochet no Chile nos anos 1970: o Estádio Nacional de Santiago cheio de prisioneiros opositores do regime – muitos dos quais entraram lá para morrerem ou desaparecerem.
E segundo, aquilo que o jornalismo asséptico no álcool em gel não pauta: quem vai parar naqueles hospitais de campanha montados por empresas promotoras de eventos? A resposta é fácil de dar, num país no qual as relações capital e trabalho são uma extensão da Casa Grande e Senzala e o capitalismo uma versão 2.0 da escravidão no período do Império. Certamente não serão as classes sócio-economicamente “favorecidas”.
“Necropolítica” é um conceito pelo historiador e cientista político camaronês, Achille Mbembe. Em poucas palavras, podemos dizer que é a deliberada política de Estado guiada pela atual agenda neoliberal no qual as massas supérfluas (“resto” ou o “excremento” do sistema – idosos, aposentados, desempregados e toda sorte de vulneráveis que não produzem mais valor e dependeriam de uma rede pública de assistência) tornam-se objetos de uma deliberada violência estatal – policial, exclusão nas periferias urbanas etc.
E, na janela de oportunidade aberta com essa da pandemia COVID-19, eliminar a massa supérflua através da morte induzida pela sabotagem deliberada das redes públicas de saúde.
Não devemos esquecer da moral subjacente à agenda neoliberal, cujas origens estão lá na Escola de Chicago e nos seus artífices latino-americanos como os “chicago boys” chilenos, fonte de inspiração do ministro Paulo Guedes: o darwinismo social que emerge da crença de que a competição generalizada é moralmente boa.
Uma sociedade somente poderá evoluir com a sobrevivência dos mais aptos. Se no campo econômico, falidos e desempregados resultantes da competição no mercado representa a saudável eliminação dos menos aptos ajudando no aprimoramento da economia, na sociedade doenças e mortes violentas (guerras, acidentes etc.) selecionam os biologicamente mais aptos.
Historicamente, a política prática dessa moral chama-se Eugenia – controle social para melhorar as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou mentalmente. Ou através do extermínio, ou pela esterilização compulsória de pessoas consideradas “inadequadas”: doentes mentais, minorias étnicas e outros elementos indesejados.
O problema é que a Eugenia pegou muito mal na História, com as políticas racistas no Sul dos EUA e no Holocausto dos campos de concentração nazistas.
Mas hoje, a Eugenia ressurge com uma nova roupagem, por assim dizer, “neutra”, com dois álibis: o problema dos recursos economicamente escassos e a necessidade do controle do crescimento populacional como uma necessidade “ambiental”.
Álibis que são verdadeiros “cavalos de Troia” nas “backdoors” do SO que roda em Brasília.
É sintomático que o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, tenha afirmado num evento de oncologia que “Você vai ter que fazer escolhas. Então você vai ver no que você vai investir. Então se eu tenho uma pessoa que é mais idosa, com idade mais avançada e para ela melhorar eu vou gastar o mesmo dinheiro que com um adolescente que vai ter a vida inteira pela frente e a outra é uma pessoa idosa, qual vai ser a escolha?” – clique aqui.
Ele é o homem certo para o momento certo, quando cadáveres começam a se empilhar – p. ex. uma câmara frigorífica foi colocada ao lado de um hospital de Manaus para desafogar o número de corpos que jazem ao lado de pacientes ainda vivos. Também quando o Exército sonda sobre a capacidade de cemitérios e a disponibilidade de sepulturas e a logística de sepultamentos diários – clique aqui.
Números e mais números crescentes de mortos diariamente são divulgados pela mídia corporativa. Mas a sua assepsia no álcool em gel passa batido por uma questão simples que mesmo um jornalista que jamais tenha ido a um Congresso da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji) faria: quem está morrendo? Qual o recorte social? Quais classes, grupos, etnias etc.?
O novo coronavírus entrou no país através das elites, voltando de seus perrengues chiques no Exterior. Os primeiros hospitais que ganharam a mídia foram Albert Einstein e Sírio Libanes, hospitais das classes dominantes.
Nesse momento os três poderes estão sincronicamente rodando a programação oculta da “posta dos fundos” do SO: levar o COVID-19 para as periferias e deliberadamente sobrecarregar (e desmoralizar) o SUS - Bolsonaro obcecado pela Economia e o retorno ao trabalho; o Congresso aprovando rapidamente subsídio ao desemprego; e o Ministério da Economia deliberadamente tornando confuso e demorado a liberação de recursos para os mais vulneráveis.
“Vão morrer alguns [idosos e pessoas mais vulneráveis] pelo vírus? Sim, vão morrer. Se tiver um com deficiência, pegou no contrapé, eu lamento”, disse Jair Bolsonaro em recente entrevista.
Sabendo-se que o darwinismo social e eugenia são a moralidade oculta da agenda neoliberal que conduziu esse governo ao poder, esses “hospitais de campanha” assumem um aspecto sinistro. Paramédicos, médicos e enfermeiros, a linha de frente de guerreiros bem-intencionados que querem fazer a diferença, assistirão impotentes a um novo holocausto.
Familiares de pacientes internados em hospitais de campanha já começam a reclamar não só da falta de informações, como também do motivo de serem levados aos hospitais do Pacaembu e Anhembi, em SP – clique aqui. Estádios e ditadura militar têm uma estranha conexão – grupos eugenicamente determinados morrendo e desaparecendo em complexos de isolamento.
O governo parece estar consciente das consequências diante do planeta, dessa política eugênica oculta em larga escala que está se iniciando.
O professor e pesquisador da Universidade de São Carlos, Piero Leirner, levanta informações que fazem coçar atrás da orelha num cenário como esse. Segundo Leirner, consultando a agenda do ministro do GSI, Augusto Heleno, ele recebeu duas desembargadoras do TRF-1: "Mônica Jacqueline Sifuentes, Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região; e Maria do Carmo Cardoso, Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Juízas “linha dura” na luta contra o lulismo e condecoradas pela Aeronáutica... Porém, o mais curioso ocorreu no último dia 07:
"Mineira de Belo Horizonte, a desembargadora Mônica Sifuentes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foi indicada para concorrer a uma vaga no Tribunal Penal Internacional, um dos mais importantes do mundo e responsável por julgar casos de pessoas envolvidas em crimes contra a humanidade, de genocídio e crimes de guerra" (https://g1.globo.com/…/desembargadora-mineira-do-trf-1-e-in…).
Como sugere Piero Leirner, certamente também coçando atrás da orelha: “pelo visto, alguém já pensou em preparar o terreno...” – clique aqui.
... E a esquerda?
Até esse instante, a guerra criptografada, cujo maior protagonista é Bolsonaro, está ganhando de lavada: de um lado, faz as esquerdas ficarem contabilizando os crimes do capitão da reserva que desfechariam um impeachment – as esquerdas vivem dessa esperança de algum “deus ex-machina” político.
E do outro, assistem impotentes como estão se tornando irrelevantes: assistem a um conflito basicamente da direita contra a extrema-direita – Bolsonaro ataca pronunciamento do governador Doria, Mandetta (DEM) ironicamente virou o pai do SUS. Enquanto Doria virou um iluminista que pensa “a vida acima de tudo”.
Enquanto isso, uma a uma, as bandeiras das esquerdas são apropriadas pela extrema-direita: acumulam-se intervenções “#GloboLixo” nos links ao vivo das emissoras (a última, da filha de Onyx Lorenzoni em link ao vivo no programa do Datena); a crítica à globalização virou o mote conspiratório dos bolsomínios. Isso sem falar nas apropriações da camisa da seleção, bandeira nacional, hino nacional etc. que se tornaram ícones do bolsonarismo.
Entre um lamento aqui e outra “denúncia” ali nas redes sociais e blogosfera, a esquerda está desaparecendo na irrelevância diante dos números de pesquisas recente após a demissão do “cientista” Mandetta: para o DataFolha, 64% dos pesquisados reprovaram a demissão. Enquanto a imagem de Bolsonaro melhorou de 33% para 36% entre ótimo e bom – paradoxalmente, os pobres são agora o suporte do bolsonarismo – clique aqui.
Enquanto as classes médias batem panela – não por convicção, mas por falta do que fazer no isolamento...
O que a esquerda pode fazer, então? Backdoors são parasitas extremamente perigosos e dificilmente são removidos manualmente – pelo voluntarismo ou “wishfull thinking”. No mercado de informática, através de programas confiáveis como “Intego” ou “Combo Clear”.
No mundo da política do lado de fora dos computadores, talvez as metáforas dos SOs, backdoors sejam inspiradoras para ações políticas voltadas para a criação de “programas” que extirpem cavalos de Troia.
Porém, a primeira condição é abandonar o fascínio pela interface (a guerra criptografada) no qual acreditamos que manipular ícones com o dedo, mouse ou touch pad fosse a manipulação da própria realidade.
E criar programas de remoção de “trojan horses”: uma ação política interdisciplinar que envolva militância política e virtual – pela primeira vez geeks tecnológicos agindo em conjunto com a esquerda.
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