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quarta-feira, abril 11, 2018

Vazamento de áudio de Chico Pinheiro foi um não-acontecimento



Dentro da caixa de ferramentas da guerra semiótica, o dispositivo do vazamento é o mais manjado. Porém, continua eficiente, como demonstraram os vazamentos de Edward Sowden e o papel que desempenharam na guerra hibrida brasileira. Vazamentos sugerem espontaneidade, acidente ou um escorregão de alguém boquirroto. Na verdade, criam dissuasão, cortina de fumaça e, se voltada diretamente para o oponente, desmobilização. Como simulação para conseguir um determinado efeito midiático na opinião pública e um perfeito não-acontecimento. Depois do “vazamento” do áudio do jornalista global Chico Pinheiro no WhatsApp, criticando a cobertura da emissora e elogiando Lula, a esquerda se alvoroçou: Pinheiro detonou a Globo! Uma voz dissonante! etc. Tal como o “vazamento” do vídeo de William Waack, este do Chico Pinheiro tem timing e um conteúdo que ajuda ainda mais a iconificar a figura de Lula, para retirá-lo do campo da guerra simbólica.

"A violência é a parteira da História" (Karl Marx)

Dentro da guerra semiótica, a estratégia do “vazamento” é a mais manjada. Na verdade, uma bomba semiótica que explode visando seja o inimigo ou a opinião pública como um todo. Cujo objetivo é a criação de uma cortina de fumaça, tática de dissuasão ou, no caso de visar o adversário, a desmobilização.

Principalmente em tempos de tecnologias de comunicação em tempo real, on line ou ao vivo. Porque para o cidadão médio, um link de satélite ou comunicadores instantâneos em plataformas digitais são coisas esotéricas que manipulamos apenas como usuários. Portanto, supostos “acidentes” como “vazamentos” soam sempre como eventos não intencionais, acidentais ou espontâneos.

Ou, por um ponto de vista do psiquismo, nos dá o prazer voyeurista de flagrar a suposta intimidade de uma celebridade, artista, político etc. Ou ainda uma suposta revelação de eventos não autorizados pela grande mídia.

Por isso, mesmo manjada ainda é uma eficiente bomba semiótica.

"Mera Coincidência": vazado diretamente da Albânia...

Da ficção à realidade


Por exemplo, no filme Mera Coincidência (Wag the Dog, 1997), acompanhamos um presidente dos EUA a poucos dias da sua reeleição, quando se envolve em um escândalo sexual. Sua equipe de relações públicas, liderada por Robert De Niro (o “Sr. Conserta Tudo”) entra em contato com um produtor de Hollywood com o objetivo de criar, através de recursos cinematográficos, uma crise internacional envolvendo terroristas da Albânia.

Em um estúdio em croma key, filmam uma jovem segurando um gato fugindo de terroristas estupradores no meio de um fogo cruzado. O vídeo fake é propositalmente vazado através de um link no satélite, para a grande mídia capturar o sinal, gravar o vídeo e divulga-lo como um “vazamento” da inteligência militar. Em pleno horário nobre. Criando uma cortina de fumaça para o presidente roubar a narrativa da oposição.

Saindo da ficção, encontramos, por exemplo, o papel das “bombásticas revelações” de Edward Snowden na guerra híbrida brasileira. O suposto vazamento dos documentos secretos da NSA pelo ex-agente Snowden, repercutidos na grande mídia brasileira e pelo espectro político da direita à esquerda. A “revelação” (na verdade um segredo de polichinelo, já conhecido há décadas por qualquer professor de comunicação, desde o “ Projeto Echelon”) de que a NSA monitorava e-mails da presidenta Dilma e da Petrobrás. Prato cheio na Guerra Híbrida: para a grande mídia, era mais uma evidência da tibieza de um governo corrupto e em crise.

Ou como comprova o documentário francês Pax Americana e a Militarização do Espaço (2009), a  hegemonia dos EUA na propriedade de satélites em orbita do planeta e a capacidade de “vazar” informações, vídeos e dados têm uma relação direta com a capacidade da inteligência norte-americana criar jogos de simulação, produzindo uma verdadeira cortina de fumaça através das mídias – clique aqui.


Os vazamentos da Globo: Waack e Pinheiro


Como um dos protagonistas do atual cenário de guerra híbrida, a Globo também se vale da tática do vazamento. O caso William Waack, por exemplo, era até aqui o caso mais notório: uma gravação antiga feita, durante a cobertura das eleições nos EUA, no qual Waack fazia uma galhofa racista antes de entrar ao vivo, vazou nas redes sociais num momento crucial para a emissora.

Um momento no qual a Globo tenta limpar as mãos de toda a lama que teve que remexer para criar a massa de revoltados que pediam o impeachment em 2016 – deu visibilidade ao racismo e intolerância de grupos que serviram de bucha para o golpe político.

E a demissão do jornalista serviu de estratégia dissuasiva para desviar a atenção da opinião pública para a parcialidade da Globo. Um vazamento com timing, uma “não-notícia”.

Agora, repete-se mais um caso de não-notícia como suposto vazamento: um áudio do jornalista e apresentador do Bom Dia Brasil Chico Pinheiro que “vazou”, a partir do seu grupo do WhatsApp, com críticas ao juiz Sérgio Moro, à cobertura da Globo News e mensagens de “coragem e sabedoria” para Lula. Isso, logo depois da prisão de Lula, notícia dada por ele mesmo no Jornal Nacional do último sábado.

“Ele precisa sair, sim, mas vai sair na hora que for a hora. Que Lula tenha calma, sabedoria, inspiração divina, para ficar quieto ali um tempo, onde está”, diz o apresentador sobre a suposta liberação do ex-presidente. “Se pensarmos bem, aquela acomodação é melhor que todos os lugares em que ele dormiu quando era criança e na juventude”.

Pede ainda para que Lula fique tranquilo e mais quieto por algum tempo, já que ele já está preso... a direita não tem o que fazer... os coxinhas estão perdidos. Precisam de outro caminho agora”, diz. “Como ele disse, não sou mais um ser humano, sou uma ideia. Ideia não se prende, a gente tá solto”, continuou.

A esquerda se alvoroçou: “Chico Pinheiro é a voz dissonante da Globo!”, “Chico Pinheiro critica a Globo!”... “detona a Globo!”... “elogia Lula!”. Foram as comemorações mais recorrentes.

E a curiosa resposta do todo poderoso diretor de jornalismo da emissora, Ali Kamel: enviou um e-mail anódino para seus jornalistas alertando para o uso das redes sociais. Outro segredo de polichinelo: qualquer jornalista, principalmente num ambiente corporativo como a Globo, sabe dos riscos do uso das redes sociais: elas podem se voltar contra o próprio usuário.


O jogo do jornalista bom e do jornalista mau


Ingenuidade de um profissional tão experiente como Chico Pinheiro? Chico está tão revoltado ao ponto de mandar para o alto seu emprego? Quis criar um pretexto para ser demitido porque não suporta mais as pressões da emissora?

Parece que a Globo quer fazer um jogo que é comum nos interrogatórios policiais. Como nos mostram os filmes: o jogo do policial bom e do policial mau – aquele que busca a confiança do interrogado e aquele que só toca o terror. Ou em outras palavras: o jogo na bancada do JN entre o vilão William Bonner e o mocinho Chico Pinheiro – aliás, é para isso que a Globo mantém a sua cota de progressistas de estimação, se não para criar esse jogo. Além do Chico Pinheiro, José de Abreu, Monica Iozzi, Letícia Sabatella entre mais alguns.

A resposta insípida de Ali Kamel, o timing do vazamento e, mesmo, o tom desmobilizador e conformista de Chico Pinheiro, reforçam a suspeita de que temos mais um “não-acontecimento”, na modalidade “vazamento”. Mas, claro, aspirando ao efeito de uma bomba semiótica.

Foto: Francisco Proner Ramos

Desmobilização e conformismo


Mas por que desmobilizador e conformista? Na postagem anterior sobre a guerra semiótica em torno da prisão de Lula esse humilde blogueiro observava que a esquerda perdeu a batalha semiótica ao trilhar a familiar, mais uma vez, a narrativa da “luta e resistência”. Lula se rendeu à sanha punitivista de Moro, mesmo sob vaias da militância e tentativas de impedir que Lula saísse do sindicato. Sim, a militância queria resistir. Mas cobrando do oponente um alto custo simbólico – clique aqui.

Guerra híbrida se notabiliza por ser aparentemente não violenta. Não segue mais ao padrão clássico intervencionista de marines ou SEALs tentando invadir um país. Ou o financiamento de ditaduras sanguinárias como as militares, de triste memória.

Pelo contrário, golpes e crises políticas seguem tramites aparentemente legais, com chicanas e filigranas jurídicas. Com forte apoio midiático com o discurso moralista (para espíritos ressentidos das classes médias) da corrupção dos políticos – mas só dos políticos!

Para a opinião pública, tudo parece legal, constitucional: o juiz julga, a polícia prende e o STF chancela.

Quando esse Cinegnose afirma que as esquerdas devem atuar no mesmo campo simbólico das bombas semióticas, o melhor exemplo foi a chance perdida em São Bernardo: a tática de empate e desobediência civil levada ao extremo faria cair as máscaras da suposta constitucionalidade e legalismo. Confronto nas ruas e invasão ao sindicato por forças da repressão criariam a dissonância necessária para uma guerra tão contaminada por signos softs: togas, leis, jurisprudências, colegiados, juízes e seu braço armado: a meganhagem da PF.

Para o mundo, o contraponto seria a violência a um centro de resistência sindical. Imagens, signos. Se a Guerra Híbrida se valeu das táticas de ação direta com seus black blocs, por que não atuar no mesmo campo simbólico? Pois os black blocs não posavam para as câmeras? Então, ofereçamos imagens dissonantes para o mundo que comprovem que a guerra híbrida é suja, violenta.


Hipóteses e evidências


O leitor quer evidências e hipóteses de que o “vazamento” do áudio de Chico Pinheiro foi um não acontecimento? Pois então vejamos:

(a) Hipótese radical: tudo foi armado pela Globo? Em muitos momentos do áudio de Chico Pinheiro temos a sensação de que ele está lendo um texto...;

(b) Globo foi oportunista: o desabafo do jornalista foi espontâneo, aceitando todos os riscos. Assim como no caso de William Waack, vazou o áudio no momento no melhor timing – o de aparentar isenção mantendo, apesar de tudo, Chico Pinheiro na emissora. A única diferença foi de tempo: o vazamento de Waack levou meses. O de Pinheiro foi em questão de horas;

(c) Em termos de guerra semiótica o áudio é desmobilizador: defende que Lula deve ficar onde está. Afinal, está num lugar “melhor do que aqueles em que viveu na infância e juventude”. Deve sair apenas “na hora certa”. Um lugar melhor para quem, cara pálida! Lula está em uma solitária e cercado de pessoas dispostas a mata-lo ou tolerantes ao gesto de alguém que tenha essa iniciativa. Desde quando estava no avião que o trazia a Curitiba, com mensagens ameaçadoras pelo rádio da aeronave. E o “sair na hora certa” é o sine die do golpe político;

(d) “Lula deixou de ser humano para se tornar uma ideia”, afirma Pinheiro. Muito conveniente para o adversário na guerra semiótica. Na verdade, semioticamente essa afirmação (e toda estratégia de sebastiniazação de Lula) está incorreta: estão, isto sim, iconificando Lula, como bem demonstra a profusão de fotografias ao estilo Sebastião Salgado: Lula cercado e nos braços do povo. O destino de Lula é a idolatria pelo ícone. Mais um mito ecumênico no panteão dos heróis como Che Guevara, Martin Luther King ou Mandela. O que importa em uma guerra semiótica (se é que a esquerda se interessa por isso) é o rendimento simbólico – repercussão, impacto, de signos que criem dissonância em relação à aparência soft de um golpe político soft sem exércitos (ainda). Apenas Judiciário e Mídia, interpretação arbitrária das leis e narrativa de textos e imagens.

Enquanto a esquerda levanta ícones, o complexo jurídico-midiático pensa sempre em símbolos que produzem efeitos midiático. Empate e desobediência civil é tudo o que não querem. Pedem da vítima apenas “calma, sabedoria e inspiração divina”.


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