Pages

sábado, abril 28, 2018

Trompete invade link da Globo e abre perspectivas na guerra semiótica


A invasão de um solo de trompete num link ao vivo do “Jornal da Globo” entoando o refrão de “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula” é mais uma mostra da eficiência da estratégia de guerrilha antimídia do “culture jamming” (trolagem) – tática anárquica de criar ruídos, atrapalhar ou interferir no fluxo normal da informação. No atual cenário de guerra híbrida (demonstrado pela imediata criação de uma “cinderela de esquerda” pelo BBB18 após a ocupação do “tríplex do Lula”), a trolagem do link ao vivo da Globo demonstra seu poder de fogo por potencialmente mobilizar elementos semióticos de opinião pública fundamentais: clima de opinião, importância e ambiguidade, ironia e sarcasmo e trolagens multi-culturais. Eficácia que só aumentaria através de uma espécie de “temporada de caça aos links ao vivo da grande mídia”, ação de guerrilha midiática que atingiria o ponto fraco da TV atual: apesar do seu “tautismo” crônico, a TV tem necessidade de abrir pequenas janelas (blindadas) para o mundo. Afinal, ela vive do álibi da informação e entretenimento.

Lá pelos idos de 1983, o semiólogo italiano Umberto Eco já alertava que a televisão há muito tinha deixado de ser uma “janela aberta para o mundo” no seu texto “Televisão: a Transparência Perdida”.  De uma televisão que “falava das inaugurações dos ministros e cuidava para que o público aprendesse apenas coisas inocentes, mesmo à custa de contar mentiras”, hoje a TV fechou-se em si mesma: é metalinguística, fática, ou seja, interessada apenas em manter o contato, a audiência.

Tão fechada em si mesma que para ela os eventos do mundo só acontecem para que ela possa transmiti-los segundo sua logística e que, de preferencia, dê para se encaixar na sua grade de programação. Caso contrário, não aconteceu. Não foi História.

Por isso, nunca uma mídia se tornou tão forte e autocentrada como a televisão - e no caso brasileiro, exponencialmente com o fenômeno do monopólio da Rede Globo. Mas ao mesmo tempo tão frágil a qualquer imprevisto ou acontecimento eruptivo que abale a descrição que a TV faz de si própria.

O trompete inconveniente

O incidente do solo de um trompete entrando no link ao vivo do Jornal da Globo na noite de quarta-feira (25) é um exemplo dessa fragilidade que repentinamente pode ser revelada na  demonstração diária de poder da TV (Globo) - veja o vídeo abaixo.


Ao vivo de Brasília, um repórter iniciava comentário sobre a reação dos procuradores da Lava Jato diante da decisão do STF que favoreceu Lula – bate-bumbo necessário para mostrar que a emissora paira como uma ameaça sobre a cabeça de cada ministro do Supremo.

Depois de alguns segundos, ouve-se de fundo um solo de trompete do refrão tradicional “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”. Estoico, o repórter continua a tecer os seus comentários, como se nada estivesse acontecendo. Dá para imaginar o esforço do jornalista naquele momento, para manter o fio da meada dos seus pensamentos – se não, deve ser mais um profissional da emissora que pratica o jornalismo de ponto eletrônico: repete os comandos que vem do switcher ou dos próprios chefes de redação.

Quanto mais o repórter tentava ignorar o solo, mais alto o trompetista Fabiano Leitão tocava. E depois, numa outra entrada ao vivo com o mesmo repórter, Fabiano tentou emendar com outro clássico, o “Lula lá”, das eleições presidenciais de 1989.

Este Cinegnose vem insistindo na eficácia de táticas anárquicas de guerrilha antimídia no atual cenário de guerra semiótica comandado pela Guerra Híbrida - colocada em ação desde 2013, diretamente dos próceres do Departamento de Estado dos EUA a partir do momento em que o Brasil tornou-se uma ameaça à geopolítica norte-americana do petróleo.

As táticas conhecidas como “media prank” (pegadinhas) ou culture jamming (trolagens) são tão conhecidas como a estratégia de “empate” (tática entre o pacifismo e o belicismo) colocada em prática na ocupação do “tríplex do Lula” no Guarujá.


Explorando o ponto fraco da TV 


As pegadinhas e trolagens como guerrilha antimídia podem ter efeitos cada vez mais letais se entendermos essa fraqueza da TV (e de resto da grande mídia de massas): quanto mais as mídias tornam-se tautistas (tautologia + autismo midiático), mais tornam-se vulneráveis a irrupções do mundo externo.

Embora a televisão se torne cronicamente fática e metalinguística, ela ainda necessita abrir pequenas janelas (blindadas) para o mundo externo: links ao vivo, transmissões de eventos esportivos, coberturas de manifestações políticas, enviar repórteres a campo etc.

Nesse momento revela-se a fraqueza da poderosa TV em geral (Globo, em particular): as pequenas janelas abertas para o mundo real (afinal, o álibi da TV permanece a informação e o entretenimento) são blindadas pela pauta, ponto eletrônico e todo o aparato logístico... mas estão em ambiente público.

Essa blindagem pode ser constantemente desafiada e colocada em xeque com acontecimentos irruptivos, imprevistos. Não violentos, mas irônicos.

O teórico da “culture jamming” (a tática de criar ruídos, atrapalhar ou interferir no fluxo normal da informação), Abbie Hoffman, dizia no seu livro “Steal This Book” (1971) que deveriam ser explorados quatro sentimentos: choque, vergonha (alheia), medo e raiva. Mas poderíamos acrescentar um quinto sentimento: a ironia (o humor, o riso cínico). O mesmo efeito de riso das gags contra o socialmente mais forte que Chaplin adorava colocar em seus filmes. Como, por exemplo, a gag do sorvete que cai no decote de uma burguesa com seu colar de pérolas.

Qual a eficácia de uma trolagem como essa do trompetista que atrapalhou o livre fluxo ideológico do Jornal da Globo? Vamos ver alguns aspectos:

(a) Clima de opinião: 

Toda a tática de guerra híbrida não objetiva a doutrinação, mas a criação de um etérico “clima de opinião”: a falsa percepção de que há um consenso ou de que a maioria pensa, age ou aceita determinada orientação: impeachment, justiça, prisão aos corruptos etc. Como se faz isso? Com bombas semióticas explodindo em consonância, acumulação e onipresença. O que acaba criando um “clima” no qual a percepção substitui a realidade.

Se as trolagens e pegadinhas forem generalizadas (TEMPORADA ABERTA DE CAÇA AO LINKS E TRANSMISSÕES AO VIVO!) num único sentido (no momento, o slogan “Lula Livre”), potencialmente pode-se criar esse clima de opinião positivo à causa.

Claro que a blindagem da grande mídia reagirá qualificando tudo como “vândalos petistas” etc. Mas percepções são mais poderosas do que palavras. Para as massas, imagens valem mais do que discursos.

(b) Importância e ambiguidade: 


Para muitos pesquisadores (Allport, Postman, DiFonzo e Bordia – veja referência no final), esses dois quesitos são fundamentais para a massificação e viralização de um acontecimento. Ver a poderosa Globo numa situação de saia justa é “importante” (até para um deleite mórbido: ver o outro em maus lençóis...) e, ao mesmo tempo ambíguo – um trompetista no meio da noite fazendo um solo de uma música familiar é curioso, interrogante, instigante pela surpresa e até bizarrice.  


(c) Ironia, sarcasmo: 


foram irresistíveis os trocadilhos como “tromPETISTA”. Além da própria sonoridade do trompete naquela situação: na dissonância cognitiva entre uma notícia grave e o solo do artista, o som do trompete pareceu um comentário cínico ao que o repórter dizia. Criando uma atmosfera farsesca ou de ópera bufa.

(d) Trolagens multi-artísticas: 


A intervenção por meio de um instrumento musical, abre uma perspectiva de novas ideias para trolagens. Para além de pessoas passando e gritando “Globo golpista!” ou mostrando furtivamente faixas ou cartazes para o campo da câmera, um solo de trompete abre novos caminhos mais bem elaborados – instrumentistas, atores, malabaristas e toda a sorte de personagens da ruas como vendedores de panos alvejados. Aliás, os novíssimos produtos da crise econômica, ironicamente qualificados como “empreendedores”.

Um Grupo de Inteligência Semiótica (GIS, ideal utópico desse humilde blogueiro, se é que a esquerda se interesse num tipo de guerra simbólica – lutar no mesmo campo no qual ela foi abatida e defenestrada do poder),  assessorando a esquerda com propostas anárquicas de ação antimídia, articularia essa “temporada aberta de caça”.

E muito mais do que isso: politizar todas as ferramentas que o marketing e a publicidade utilizam: em tempos de “paz”, promover produtos e serviços. E em tempos de deflagração, promover Guerra Híbrida.

Por “politizar” entenda-se trocar os sinais das ferramentas de comunicação  comumente usadas pela Publicidade: buzz marketing, marketing de guerrilha, buzz agents, agentes virais, marketing viral etc. Mas agora, com o sinal ideológico trocado ao serem utilizadas pelas esquerdas.

Quem sabe, a esquerda esteja começando a entender a urgência de repensar as práticas de manifestação e constestação. Afinal, em menos de quinze dias, testemunhamos duas arrojadas táticas de guerrilha semiótica: a ocupação do triplex do Guarujá e a trolagem do solitário trompetista noturno.

Referências


ALLPORT, Gordon; POSTMAN, Leo. Psicologia del Rumor. Buenos Aires: Psique, 1973.

DIFONZO, Nicholas; BORDIA, Prashmant. Psychological Motivations in Rumor Spreads In: FINE, Gary Alan. Rumor Mills – The Social Impact of Rumor and Legend. New Brunswick: Transaction Publishers, 2005.


Postagens Relacionadas