Para
impor seu DNA, leões matam os filhotes da cria anterior ao desposar a leoa. Da
mesma maneira entre os humanos, em toda História, os vencedores submetem os
vencidos a castigos e crueldades como forma de demonstração simbólica do poder.
E no Brasil atual, os vencedores ostentam a conquista de terras arrasadas em
shows midiáticos de demonstração de poder, confirmando o sombrio presságio dos
escritores libertinos do século XVIII: um dia as perversões privadas
se transformarão em virtudes públicas. O bizarro vídeo da deputada quase
ministra Cristiane Brasil falando em “justiça” e “direitos” enquanto fortões
seminus ao redor dela encaram a câmera de forma intimidadora; o trocadilho
erótico de Rosângela Moro no Instagram; e a piada pronta de Temer no quadro
“Topa Tudo Por Dinheiro” de Silvio Santos que se deliciava com uma pistola que
disparava dinheiro são, além de exemplares da histórica violência simbólica dos
vencedores, lições de propaganda política para a esquerda. Nem Cristine Brasil
está preocupada com justiça e muito menos Temer quer convencer os
telespectadores. São meras provocações, bombas semióticas para ocupar espaço
midiático e criar espiral de polêmica diante de uma esquerda que apenas esperneia escandalizada.
Muitos
analistas da atual realidade brasileira falam em “tempos estranhos”. Mas na
verdade são tempos proféticos. Melhor dizendo, tempos da realização de um
antigo presságio dos escritores libertinos do século XVIII (Bernard Mandeville,
Marquês de Sade e Restif de La Bretonne), atentos à amoralidade que iria
ascender com o Iluminismo, como uma espécie de outro lado da moeda.
“Um dia
as perversões privadas se tornarão virtude públicas”, alertavam em pleno século
das Luzes. Afinal, luzes também produzem sombras. Pensadores como Adorno e
Horkheimer gastaram muitas páginas para explicar a tese de que a Razão retorna
ao Mito e de que luzes podem se tornar trevas na História sob a aparência do
Progresso – por exemplo, leia Dialética
do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer.
Mas
nesse momento, aqui no Brasil, esse sombrio presságio libertino está muito além
das reflexões filosóficas ou sociológicas: realiza-se de forma brutal, sem
matizes ou nuances, através da infernal maquinação jurídico-político-midiática.
O
inacreditável vídeo de Cristiane Brasil (às voltas com problemas judiciais e
processos trabalhistas que a impedem de assumir a pasta do Ministério do
Trabalho) cercada de enormes marmanjos ao melhor estilo Alexandre Frota e
ray-ban alusivos a coisas no cinema como Stallone Cobra, no convés de um iate
clamando por “justiça” é apenas a face mais visível desse movimento de escárnio
diário, que a grande mídia apenas registra e faz pano rápido. Diferente de
outros tempos, não tão distantes, nos quais a grande mídia tinha chiliques
diários a cada ato presidencial.
Desde
que o também inacreditável Alexandre Frota (dublê de ator pornô e ativista
político) foi recebido no gabinete do recém-empossado Ministro da Educação
Mendonça Filho, em 2016, para entregar um “documento” com propostas de “política
educacional”, a soturna profecia dos libertinos do século XVIII realiza-se em
exemplos exponenciais.
Grosseiras demonstração de força
Só para
ficar em mais dois casos recentes: em postagem no Instagram, a esposa do
indefectível juiz Sérgio Moro, a advogada Rosângela Moro, entre mensagens do
escritor francês Jules Renard (“a Liberdade tem limites que a Justiça impõe) e
indignação contra os políticos, postou: “Para me fazer feliz, é só me beijar em
dois lugares... Paris e NY”.
E o
outro insólito exemplo: dois homens embalsamados em suas funções, Silvio Santos
(apresentador e dono do próprio canal) e Michel Temer (o presidente-desinterino)
juntos no quadro “Topa Tudo Por Dinheiro” para defender a Reforma da
Previdência. E ao final, pagando com uma nota de 50 reais apologia do
apresentador como garoto-propaganda da reforma previdenciária – da metáfora à
literalidade: no programa de maior audiência da emissora o
presidente-desinterino, explicitamente, demonstra o seu modus-operandi da compra de apoios, assim como faz no dia-a-dia do
Congresso.
Essa
parece ser a recorrência em contextos de tomada do poder, seja na vida animal
como na História: assim como os leões recém-chegados desposam a leoa e matam os
filhotes da cria anterior para impor seu DNA, da mesma maneira o grupo que se
apossou do Poder e do Estado após um golpe, demonstrará das formas mais
grosseiras e explícitas sua força – principalmente quando as massas estão
paralisadas entre o pânico e a indiferença.
E nesse
contexto ritual e psíquico de ostentação para se impor e demonstrar força em
terra conquistada e arrasada, as perversões privadas se tornam virtudes
públicas.
Pintos no lixo
A
conotação erótico-perversa das bizarras imagens da deputada e quase ministra
Cristiane Brasil fala por si mesma – vestida com saída de praia tipo rede
arrastão preta, cercada de musculosos homens com torso nu. Todos no convés de
um iate, do qual vê-se um mar esmeralda e ouve-se música eletrônica.
“Vai
ministra”, fala um dos fortões. E Cristiane, condenada por processos
trabalhistas, fala que qualquer um tem direito de pedir “qualquer coisa
abstrata na Justiça”. “Quem é que tem direito?”, interroga, enquanto os fortões
olham para a câmera em tom intimidador. Como se as imagens sugerissem: “Panaca!
Entra na Justiça prá ver o que acontece!...”.
O dedo
em riste da deputada junto com a imagem aos fortões que mais parecem
gigolôs-jagunços, algo como uma espécie de tropa de choque tropical da antiga
SA do regime nazista, nada tem a ver com “direitos”, “justiça” ou qualquer
outro conceito iluminista associado à “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Tudo sugere o contrário: intimidação, terrificação, ameaça, choque.
Cristiane
Brasil não é louca e tão “sem noção” ou “cara de pau” como sugerem muitos
comentários. Ela parece à vontade, segura, em sintonia com esses novos tempos
de terra arrasada onde os conquistadores dispõem do território do jeito que
querem. Ela, assim como toda a tropa de choque no Congresso, sentem-se felizes
como pintos no lixo.
Seu pai,
o presidente do PTB Roberto Jefferson, foi o “homem-bomba” do mensalão, a
fagulha que iniciou todo o processo turbinado pelas bombas semióticas
midiáticas que deu-no-que- deu. Por isso, o vídeo é uma provocação, uma bravata
semelhante àquelas que militantes do MBL, como Kim Kataguiri e Alexandre Frota,
fazem.
Virou
meme e certamente um potencial hit do Carnaval. Mais uma lição de comunicação
política para as esquerdas que, como sempre, escandalizam-se com tudo: o
objetivo de Cristiane Brasil era produzir um acontecimento, impactar, falar
através das mídias não para a oposição. Seu interlocutor são as massas
indiferentes e bestificadas.
E ela
sabe que está “blindada” nessa queda de braço entre Executivo e Judiciário na
qual é o pivô: a grande mídia apenas mostra as imagens e... pano rápido! Entre
os muxoxos dos apresentadores que pulam rápido para a próxima notícia da pauta.
Ostentação do Poder e ambiguidade erótica
Ela
aparece em capas de revistas femininas e de celebridades. Ela é a esposa do
juiz da Lava Jato, Sérgio Moro. Ela é a nova dama da mídia. Na página do
Facebook “Eu Moro com Ele” postava homenagens ao marido e, com a ajuda de uma
amiga, apagava mensagens inconvenientes.
Após a
condenação de Lula no TRF-4, sob elogios rasgados dos desembargadores ao
trabalho do marido, Rosangela Moro postou no Instagram: “Para me fazer feliz é
só me beijar em 2 lugares... Paris e NY!”.
Mais um
exemplo de como conquistadores de terras arrasadas ostentam a vitória para as
massas: sempre através de um mix de erotismo perverso, poder e força – “vou
para Paris e NY porque posso! E nesses lugares ser beijada!”. Com destaque
para a carga ambígua e erótica do
“beijar em dois lugares”.
Um
flagrante de como no contexto atual onde os vencedores ostentam os louros da
vitória, privado e público misturam-se de forma perversa. Se na Antiguidade os
vencedores impunham castigos e crueldades aos vencidos, hoje através da mídia
ostentam de forma grosseira e pervertida a força da violência simbólica.
Canastrice em cena
Foi
praticamente uma piada pronta: após o SBT veicular peças publicitárias
promovendo a reforma da previdência pagas com muito dinheiro público, eis que o
próprio desinterino Michel Temer faz uma aparição no quadro “Topa Tudo por
Dinheiro” do dublê de apresentador/proprietário da emissora, Silvio Santos (SS).
Antes do
presidente-desinterino entrar em cena, SS apontou para a plateia uma pistola
que dispara notas de 10 e 50 reais. E mulheres se engalfinham para pegá-las. O
quadro chama-se “Revólver da Fortuna”. Tal como um libertino pós-moderno, SS
diverte-se sadicamente com a plateia feminina que luta pelas notas disparadas
da sua pistola...
Como
sempre canastrão, Temer entrou em cena com gestual, corte de terno e peito
empolado (só faltou o microfone sorvetão) idênticos aos de SS. Tão mimético
que, ao final da defesa apologética de SS às reformas, Temer tira uma nota de
50 reais e entrega para o apoplético apresentador.
Dinheiro
público entregue a empresário de uma concessão pública de comunicação social
num bizarro show de ostentação de poder na sua forma mais crua e sádica: “Faço
porque posso! Porque vencemos!”.
Em todos
esses exemplos de publicização das perversões privadas há três pontos em comuns
que deveriam ser lições para as estratégias de guerrilhas semióticas da
esquerda:
(a)
Vencedores compulsivamente necessitam ostentar e demonstrar para os vencidos o
poder conquistado. É a violência simbólica, traço antropológico que está
presente em todos os cenários de guerra e conquista na História. É a sua força,
mas também um ponto fraco, desde que superado o pânico e a indiferença das
massas derrotadas. Ou também superado a “servidão voluntária” como Étienne de
la Boétie denominou em 1548: estrutura de dominação em que o tirano joga
migalhas para os vencidos. E na atualidade, as migalhas são o show midiático da
ostentação das próprias perversões privadas – leia Discurso da Servidão Voluntária, editora Nós, 2016;
(b) Esse
show público das perversões privadas são shows de provocações: Cristiane
Brasil, Rosângela Moro e Michel Temer estão pouco se lixando para as oposições:
seu alvo é a massa, ao criar acontecimentos-choque. Afinal, qual a eficiência
persuasiva de um vídeo tosco como a de Cristiane Brasil ou de Sílvio Santos ou
Ratinho como garotos-propaganda de Temer? São nada mais do que provocações para
a esquerda, em geral, morder a isca e responder com escândalo moral, dando
maior repercussão na espiral da polêmica. E atingir o alvo principal: as
massas.
Mas
quando será que a esquerda jogará no mesmo campo semiótico dessas bombas
semióticas?
(c)
Portanto, esses episódios precisam ser analisados em dois aspectos: o primeiro,
como recorrência histórica e antropológica dos vencedores ostentarem de forma
perversa os frutos da conquista para as massas indiferentes e em pânico; e
segundo: como tática paradoxal de propaganda política: não objetiva persuasão
ou convencimento, mas apenas provocação por meio de acontecimentos-choque que
se retroalimentam.
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