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quarta-feira, janeiro 03, 2018

Curta da Semana: "5 Films About Technology" - cinco acidentes em nossas bolhas virtuais


Cinco contos sobre a nossa obsessão pelos smartphones. Cinco pequenas vinhetas sobre acidentes (físicos, mal entendidos, incontroláveis efeitos virais etc.). Pequenos momentos que retratam a vida de pessoas normais através de gags sobre efeitos inesperados das nossas relações com os celulares nos quais cada efeito é rapidamente interligado com o personagem da próxima vinheta. É o curta de Peter Huang chamado “5 Films About Technology” (2016) que nos permite fazer uma reflexão sobre dois fundamentos da nossa experiência na modernidade: a tecnologia e o acidente. Mas principalmente o irônico destino dos dispositivos móveis: ao invés da comunicação, a incomunicabilidade – bolhas solipsistas que tornam a realidade um conjunto de impressões sem existência própria. Mas o acidente está sempre à nossa espera: sempre as bolhas estouram.  

Geralmente nos filmes de Hollywood, a tecnologia  é figurada pelo seu mal uso; como ferramenta de golpes por pequenos escroques e super-vilões; ou efeitos catastróficos de bugs e crashs tecnológicos. Mas dificilmente trata da forma como  realmente as pessoas interagem através dos dispositivos tecnológicos.

As poucas exceções encontramos na cena independente como nos filmes Disconnect (2012 – clique aqui), Bird People (2014 – clique aqui) e muitos episódios da série Black Mirror como “Nosedive” da terceira temporada.

E no curta 5 Films About Technology, do diretor chinês Peter Huang (atualmente vivendo em Ontário, Canadá, egresso da escola de cinema de Sheridan College) , encontramos mais uma produção sobre como Instagram, Facebook, Twitter, Snapchat transformaram-se em verdadeiras próteses dos relacionamentos humanos. Um pequeno estudo antropológico, expondo esse lado do desenvolvimento tecnológico de uma maneira hilária e divertida.

São cinco vinhetas irônicas envolvendo constrangimentos com smartphones: um grupo de jovens em um restaurante interage entre si através de seus celulares, para depois fotografarem os seus pratos e postarem nas redes sociais (“Sunday With The Girls); enquanto assiste vídeo em um site pornográfico, um adolescente inadvertidamente conecta seu smartphone no Bluetooth do carro onde estão sua mãe e sua irmã ("Sunday With Yoursef”); uma selfie inoportuna em uma exposição de arte que viraliza nas redes sociais (EWW); o celular que cai em uma privada com um irônico desfecho (“Face Time”); e o resultado final de tanto solipsismo, numa rápida cena no melhor estilo das gags de um desenho animado (“Geoffrey”).

Peter Huang
 São cinco pequenos momentos que retratam a vida de pessoas normais através de gags sobre efeitos inesperados das nossas relações com os celulares, interligadas – cada efeito inesperado rapidamente é interligado com o personagem da próxima vinheta. Uma narrativa interessante que parece emular a forma como percorremos os nossos feeds na mídias sociais.

Tchaikowsky e tecnologia


A trilha musical escolhida por Huang é o leitmotiv irônico que percorre o curta. A princípio, o diretor pensava em alguma faixa Techno, a princípio mais condizente com o tema tecnologia. Mas o efeito não seria tão engraçado pela obviedade. Preferiu então jogar com o contraste: a “Valsa das Flores” do “Quebra Nozes” de Tchaikovsky. Imaginamos a delicada coreografia do ballet e a harmonia dos movimentos. O oposto das trapalhadas dos desajeitados protagonistas das vinhetas do curta.

O curta 5 Films About Technology são na verdade rápidos contos sobre o solipsismo moderno produzido por um pequeno dispositivo que acompanha as nossas vidas em todos os momentos. E a imagem sobre harmonia e os delicados movimentos de ballet que a trilha musical clássica suscita sublinha essa natureza solipsista do nosso cotidiano: parece que pacientemente criamos verdadeiras bolhas virtuais em torno de nós, produzindo uma realidade em tons pastéis, harmônica que apenas confirma nossos hábitos, crenças e disposições.


Até batermos de frente na realidade dura e teimosa que está lá fora: postes, privadas, a selfie inconveniente diante da palavra “Genocídio” em uma exposição de ativismo de vanguarda etc.

Solipsismo tecnológico


Mas enquanto a série Black Mirror prefere abordar o solipsismo tecnológico pelo ponto de vista do controle social como no episódio “Neosedive” da Terceira Temporada (um mundo no qual as pessoas lutam para aumentar seu score nas redes sociais para subir socialmente e, ao mesmo tempo, criar uma forma perversa de controle mútuo), nesse curta Huang preferiu explorar o ridículo de situações triviais do dia-a-dia.

Essa é a proposta central do diretor Peter Huang: se tivéssemos a oportunidade de olharmos para nós mesmos em situações triviais como um almoço, um passeio ou no banheiro do escritório e a maneira como os smartphones fazem a mediação com a realidade e com o outro, perceberíamos como nos tornamos tolos desajeitados.

Mas o curta guarda um ponto em comum com Black Mirror: a reflexão sobre a hipertelia tecnológica. aquilo que uma vez o pensador francês Jean Baudrillard chamou de “hipertelia” (de “hiper”, sobre, além, fora das medidas, e “telos”, de resultado final, conclusão): um certo ponto no desenvolvimento que, sendo ultrapassado, torna as tecnologias totalmente disfuncionais.


Uma espécie de vanish point tecnológico no qual a complexidade dos sistemas e dispositivos inviabiliza as finalidades iniciais.

Tablets e smartphones são o ápice tecnológico da geração antenada e globalizada dos chamados millenials, a geração das tecnologias da comunicação e informação. Talvez a geração mais tecnologizada da História e que, por isso mesmo, sente de maneira mais dramática os efeitos dessa viragem da hipertrofia dos sistemas: a comunicação vira incomunicabilidade, informação em desinformação. E as telas dos dispositivos, que deveriam ser novas janelas abertas para o mundo, transformam-se em telas solipsistas – a realidade torna-se um mero conjunto de impressões sem existência própria.

Claro que a crítica que fazemos hoje à Internet e aos gadgets tecnológicos lembra muito as velhas críticas que fazíamos à dependência da TV: alienação, alheamento, emburrecimento. Também a TV ultrapassou o seu vanish point tecnológico: a multiplicação de canais com as TVs por assinatura (cabo e satélite) criou o chamado efeito zapping - a troca sucessiva e aleatória de canais como fim lúdico em si mesmo, e não mais um instrumento de busca da melhor programação.

A mãe de todos os acidentes


Porém, certamente a hipertelia dos dispositivos móveis apresenta efeitos mais deletérios do que o velha e estática mídia televisão – são dispositivos interativos, portáteis e permeáveis a todas as nossas atividades cotidianas: trabalho, lazer, sexo, entretenimento, relacionamentos etc. Bem diferente da TV, um velho eletrodoméstico encaixado em um estante na sala de estar.


Mas o humor  do curta 5 Films About Technology está exatamente nesses acidentes provocados pelo choque da bolha virtual e solipsista com a realidade concreta, velha e teimosa: o choque final da cara com um poste no momento em que Geoffrey digitava uma mensagem, o smartphone que caiu na privada e que inadvertidamente a chefe leva-o à orelha sem saber de nada etc. 

O que confirma a tese do pensador e urbanista francês Paul Virilio de que a Modernidade é marcada por dois fundamentos que estruturam a nossa própria experiência: a tecnologia e o acidente. Dizia Virilio: “toda tecnologia que é inventada, toda nova energia que é aproveitada, todo novo produto que é fabricado, também inventa uma nova negatividade, um novo tipo de acidente” – Speed and Information: Cyberspace Alarm!clique aqui, em inglês.

Muitos diziam que a mãe de todos os acidentes tecnológicos seria o chamado “Bug do Milênio” que iria ocorrer na virada do século ou algum tipo de crash dos sistemas financeiros conectados em tempo real por todo o planeta. 

Mas o curta de Peter Huang sugere algo mais banal e silencioso: acidentes aleatórios e em série com nossas bolhas virtuais que supostamente nos protegem da realidade.




Ficha Técnica 

Título: 5 Films About Technology
Criador: Peter Huang
Roteiro: Peter Huang
Elenco:  Chloe Rose, Aislinn Paul, Supinder Wraich, Jonathan Keltz, Michelle Milet, Spencer Macpherson
Produção: Herd Films
Distribuição: YouTube
Ano: 2016
País: Canadá