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sexta-feira, agosto 09, 2024

Sincromisticismo, religião e pornografia no filme 'MaXXXine'


Para os pesquisadores em Sincromisticismo, Hollywood é uma gigantesca corporação que recruta médiuns para, sob as bênçãos do Método da Actor’s Studio, incorporarem formas-pensamento retirada do inconsciente coletivo da humanidade. Para, a partir dessa tese, surgirem caricaturas de teorias conspiratórias que denunciam um suposto satanismo para destruir o Ocidente, é um passo. Esse é o pano de fundo do fechamento da trilogia de Tie West, “MaXXXine” (2024), uma homenagem ao terror slash dos anos 1970, agora ambientado em meados dos anos 1980. Agora, Maxine tenta sair dos filmes pornôs e virar estrela no mainstrem hollywoodiano – como sempre, deixando um rastro de sangue. “MaXXXine” revela como pornografia e religião estão estranhamente muito próximas. Afinal, foram os primeiros gêneros bem-sucedidos na história do cinema.

Certa vez o ator Paulo Autran foi entrevistado com perguntas formuladas por uma pequena plateia de jovens no antigo programa “Matéria Prima”, apresentado pelo Serginho Groisman, na TV Cultura. Quando veio uma típica pergunta ao melhor estilo “Vídeo Show”: “dos personagens que você fez na carreira, qual tinha mais a ver com você?”. “Nenhum!”, respondeu enfático Autran. E explicou como a função do ator é a de representar o personagem e nunca se identificar com próprio personagem. E nisso, segundo ele, que reside a técnica e o talento do ofício do ator.

É claro que Autran era um ator da escola clássica do método Stanislavski que empreendia uma dialética entre entrega do ator ao personagem e distanciamento.

Criada em Nova York em 1947, a partir de uma leitura particular da teoria do ator em Stanislawsky, a Actors Studio cria a proposta contrária: ator não deve apenas representar, mas ser o próprio personagem a partir de um complexo método composto por exercícios físicos e psicológicos. Para dar espírito e autenticidade às verdadeiras formas-pensamento que são os personagens, o ator deve arrancar do seu psiquismo diversas personas arquetípicas. 

O brilho e magnetismo revolucionários de Marlon Brando e James Dean (egressos da Actors Studio) nos anos 50 expõem uma espécie de animismo do ator: assim como no Espiritismo se chama de animismo a interferência do espírito e sentimentos do médium na comunicação (na verdade, são as personas do médium que falam e não algum espírito), vemos em filmes e teatros personagens cuja força vêm do próprio psiquismo do ator.

Chegando ao ponto em que o pesquisador em Sincromisticismo Jason Horsley afirma os atores seriam como médiuns (no mínimo, personalidades fragmentadas) recrutados pela indústria de entretenimento para servirem de canal para formas-pensamento elaboradas a partir do vasto material arquetípico da psique humana. 




Ou seja, Hollywood seria uma gigantesca corporação recrutadora de médiuns.

Dessa constatação científica às teorias conspiratórias em torno de satanismo e manipulações maçônicas para destruir o Ocidente é um passo.

E esse passo foi dado durante a década de 1980, anos conservadores da era do presidente republicano Ronald Reagan: movimentos fundamentalistas cristão que acusavam os filmes e a música pop de Twisted Sister, Kiss e Ozzy Osburn de serem parte de um gigantesco complô satanista – levando na época músicos a deporem no Senado dos EUA, numa espécie de macarthismo religioso.

Esse é o pano de fundo de MaXXXine (2024), a sequência da trilogia “X” de terror slash de Tie West, iniciada em 2022 com X e Pearl. Filmes originais e ousados que fazem uma homenagem ao gênero nos anos 1970.

Esse terceiro filme da trilogia é o mais fraco. Porém, há Mia Goth, a atriz protagonista com uma presença perturbadoramente intensa na tela que está plenamente à vontade em suas constantes mudanças de forma: o filme se desenrola em meados fluorescentes dos anos 80, seis anos após os eventos confusos de X e Pearl, e segue a atriz pornô Maxine Minx (Mia Goth) enquanto ela tenta entrar no cinema mainstream através de um filme de terror dirigido por uma exigente diretora Elizabeth Bender (Elizabeth Debicki). Maxine não vai deixar nada em seu caminho, seja um detetive particular obscuro (Kevin Bacon gloriosamente desagradável) ou o serial killer que persegue atrizes nas Colinas de Hollywood.




Toda a narrativa acompanha a críptica epígrafe que abre o filme, uma citação de Bete Davis que resume todo o negócio de Hollywood: “Enquanto você não for reconhecida como um monstro na sua profissão, você não é uma estrela”.

Por isso, MaXXXine é mais sombrio e mal-humorado do que os filmes anteriores. Porque é um acerto de contas de um subgênero (o slasher) com o mainstream hollywoodiano. Como o verdadeiro monstro é muita mais a ambição pela fama do que alguém com uma faca na mão.

Um negócio baseado na fragmentação psíquica dos atores/médiuns: em troca da fama, o ator oferece o seu material psíquico e espontaneidade para dar vida a formas-pensamento do inconsciente coletivo. Um negócio arriscado, com desfechos como a relação trágica do ator Heather Ledger com o arquetípico Coringa. Ou a alienação de si mesmo representado pelo mergulho em drogas, sociopatia e comportamento esquizoide.

MaXXXine faz uma metalinguagem dessa condição numa espécie de narrativa em abismo: a produção de um filme dentro de outro filme – com Mia Goth mostra que a desconexão com a realidade é a alma do negócio.

O Filme

MaXXXine abre com uma montagem dos telejornais da época sobre um assassino serial chamado “Night Stalker” que está à solta, aterrorizando cidadãos inocentes que temem que sejam sua próxima vítima. E os conservadores cristãos estão protestando que filmes e músicas vão transformar a juventude da América em satanistas - entre a montagem de imagens de notícias específicas do período com o vocalista do Twisted Sister, Dee Snider, testemunhando perante o Senado diante de uma comissão sobre censura.  



Dentro dessa mistura explosiva está Maxine Minx, de Mia Goth, que vimos pela última vez fugindo do set de filmes adultos de Pearl em 1979, deixando um rastro de sangue. Agora é 1985, e ela foi para Hollywood, alimentada por sonhos de estrelato e um senso inabalável de si mesma. 

Sessões em boates pornôs e peep shows foram suficientes por um tempo, mas ela sabe que está destinada a algo maior. Uma sequência de abertura na qual ela faz o teste para um filme legítimo (a sequência de terror The Puritan II) sugere que ela pode estar certa.

O núcleo da história é que várias mulheres jovens na órbita de Maxine estão sendo assassinadas de maneira sangrenta e com detalhes ocultistas -suas peles são marcadas com o símbolo do pentagrama. 

Sabemos que ela não é a assassina, mas alguns detetives da polícia de Los Angeles (Michelle Monaghan e Bobby Cannavale) estão atrás dela de qualquer maneira para ver se ela pode ajudá-los. Assim como uma investigador particular de Nova Orleans contratado por uma força sinistra que surge do passado de Maxine - Kevin Bacon, com um pesado sotaque sulista e decidido a tornar o caso violentamente pessoal.



"Eu não aceitarei uma vida que não mereço", ela declara, repetindo o mantra ensinado por seu pai, um pregador fundamentalista visto em flashback salpicado em preto e branco. Garantir um papel em uma sequência de terror de baixa qualidade a coloca sob a asa de uma diretora endurecida pela indústria. 

No entanto, Maxine está constantemente distraída: seus amigos estão morrendo, e dois detetives de homicídios querem questioná-la; um detetive particular de um cliente misterioso a persegue; e um misterioso perseguidor de luvas pretas assombra o filme, flertando Maxine furtivamente. Não é à toa que Maxine é atormentada por lembranças do seu passado traumático.

As metalinguagens dominam MaXXXine. As cenas de perseguição através da cidade cenográfica (passando pelas cenografias de diversos filmes clássicos como Psicose de Hitchcock) é Maxine tentando fugir do seu passado traumático para ganhar a vida que ela reivindica que merece.

Ela não está perseguindo a glória do ofício do artista. Tudo que Maxine pretende é a fama. O que a move não é a admiração pela história do cinema – sintetizado numa cena em que Maxine joga o seu cigarro no chão e o apaga com o salto da sua bota sobre a calçada da fama, ignorando o nome do símbolo sexual do cinema mudo “Theda Bara”. 

O que verdadeiramente a move é a inveja, numa combinação explosiva do passado traumático e uma intensa motivação egoísta.

O desejo pela fama que, ao final, dá aquilo que mais a indústria do estrelato busca em novos candidatos: uma vida de escândalos para injetar espontaneidade e humanidade aos astros produzidos em série.

Insistentemente MaXXXine nos leva a um movimento pendular entre o puritanismo religioso e a pornografia. Paradoxalmente, esses gêneros não são tão opostos assim.

Sabemos que ao lado dos filmes sobre a Paixão de Cristo, o primeiro gênero a prosperar desde o Primeiro Cinema da virada do século XIX-XX foi justamente a pornografia. Um enclave que se tornou multimilionário e uma indústria em que o seu poder está na relação direta com a sua discrição.

Pornografia e filmes religiosos foram os dois primeiros gêneros bem-sucedidos do cinema, como publico e indústria. O que fica evidente na sequência final de MaXXXine – a única maneira de denunciar o satanismo pornográfico de Hollywood é... fazendo um filme.  


 

 

Ficha Técnica

 

Título: MaXXXine

Diretor:  Tie West

Roteiro: Tie West

Elenco: Mia Goth, Elizabeeth Debicki, Kevin Bacon, Michelle Monaghan, Bobby Cannavale, Giancarlo Esposito

Produção: A24, Motel Mojave

Distribuição: Universal Pictures

Ano: 2024

País: EUA

 

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