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quinta-feira, novembro 30, 2017

O jogo da simulação de censura Globo/Gabriel Bá


Nas redes sociais indignação. O desenhista Gabriel Bá apareceu no talk show da Globo “Conversa com Bial” com seu indefectível boné verde – marca registrada do artista. Só que dessa vez com a estrela vermelha coberta de forma improvisada com duas fitas isolantes preta. “Evite números ou símbolos para que não haja associação a marcas ou partidos políticos”, teriam dito os figurinistas nos camarins. “Censura!”, gritaram internautas. Se foi mesmo censura, como pode a Globo fazê-la de forma tão tosca e improvisada? O episódio apresenta algumas dissonâncias que sugerem mais uma estratégia de manipulação. Mas dessa vez não mais no campo semiótico da “dissimulação” – esconder, mentir, censurar. Mas agora no campo da “simulação”: propositalmente tornar o evento visível (a suposta “censura”). Para quê? Para a Globo tentar se livrar de mais um dos seus dilemas: depois de anos de oposição política explícita explorando símbolos e números de forma até subliminar, agora, candidamente, tenta demonstrar que possui uma linha editorial “imparcial”. E o artista, assim como os indignados críticos, participaram inconscientes desse blefe.

“A indignação contra a manipulação é o último “scoop” patrocinado pela ideologia” (Theodor Adorno)

Primeiro, vamos aos fatos. Internautas acusam nas redes sociais a Globo de ter censurado o desenhista Gabriel Bá. Ele era o convidado para o talk show “Conversa com Bial” da última segunda-feira.

Marca registrada do desenhista conhecido internacionalmente por suas graphic novels, Gabriel Bá apareceu no estúdio da emissora usando um boné com uma estrela vermelha, frontal, semelhante àquele usado por Fidel Castro. Logo que chegou aos camarins foi alertado pelos figurinistas: “a estrela no boné não vai rolar...”. Duas alternativas foram sugeridas ao artista: ou tirava o boné, ou a estrela seria coberta com fita isolante. E Gabriel Bá escolheu a segunda opção.

No vídeo da entrevista com o jornalista Pedro Bial, a ocultação da estrela vermelha ficou explícita e tosca. Principalmente para aqueles que conhecem a marca registrada do artista. Nas redes sociais, a polêmica de uma suposta censura. O que levou o desenhista a dar o seguinte recado no Facebook:
"Evite números para que não haja associação a marcas ou partidos políticos". Essa foi uma das dicas de vestuário da produção do programa. Mesmo assim, fui com meu boné verde com estrela vermelha, que trouxe do Vietnam. Tenho outros, mas gosto deste, do que ele representa. Foi minha escolha. Chegando no estúdio, o pessoal do figurino, respondendo à diretoria do programa, disse que a estrela não ia rolar. Claro que não fiquei contente, mas eu fiz uma escolha antes: a de ir com o boné. Entre entrar com a estrela coberta ou entrar sem boné, escolhi o boné. E escolheria novamente. Poderia ser um tucaninho azul e amarelo ou um número 45, o logo da Adidas ou o escudo do Palmeiras. Seria coberto da mesma maneira. Prefiro ver agora esse debate todo e o povo refletindo do que simplesmente ter entrado sem boné."
Censura, dissimulação, simulação

Porém, para esse humilde blogueiro não houve “censura”. Antes até fosse, o que demonstraria uma conflagração de luta ideológica semelhante ao período da ditadura militar brasileira – uma grande mídia que cerrava fileiras com os governos ditatoriais censurando, escondendo ou omitindo fatos. Como ficaram conhecidas a censura de qualquer informação sobre o assassinato do jornalista Wladimir Herzog nos cárceres do DOI-CODI ou a omissão ao movimento Diretas-Já pela Globo, relatando todas as mobilizações na Praça da Sé como festa do aniversário da cidade.


Fosse censura, ficaria mais fácil denunciar a recorrente e histórica manipulação da informação da emissora.

Isso porque a censura está no campo semiótico da dissimulação: omitir, esconder, censurar etc. Fala-se que não possui aquilo que se esconde. Se algo está sendo escondido, basta ser revelado!

Dissonâncias


No caso da suposta censura no “Conversa com Bial” há dois elementos que são dissonantes: primeiro, a “censura” foi explícita e até tosca – duas fitas isolantes que ainda deixaram exposta a parte central da estrela vermelha, como se o figurinista tivesse a intenção de tornar evidente no vídeo a tentativa de “censura” de um símbolo ideológico: a estrela comunista, a estrela do PT etc. Melhor seria um tampão mais bem elaborado como um círculo preto ou solução do gênero, como uma tarja, por exemplo. Sabotagem do figurinista? O profissional quis propositalmente revelar aos espectadores a manobra de censura? Muito improvável.

E segundo: fosse um ato de arbítrio ou violência ideológica, mereceria um boicote de Gabriel Bá, que aceitou o jogo sob o álibi do “queria esse debate todo e o povo refletindo...”. Aliás, seu recado no Facebook dá a pista do jogo Globo/Gabriel Bá: “poderia ser um tucaninho azul e amarelo ou o número 45, o logo da Adidas ou o escudo do Palmeiras. Seria coberto da mesma maneira”. O artista parece justificar a suposta censura ao seu boné que mais aprecia por tudo aquilo que, segundo ele, “representa”.


Esses dois elementos dissonantes para um suposto episódio de censura levam a crer que não mais estamos diante de uma estratégia de dissimulação, mas desta vez de simulação: como como fosse um blefe - de forma inversa, dizer que tem algo que na verdade não existe.

Em outras palavras: o encobrimento da estrela vermelha de forma tosca e improvisada foi proposital para a emissora simular que agora é imparcial. A Globo quer dizer que possui algo que nunca teve: imparcialidade.

Depois de tudo, candidamente a emissora tenta fazer o público esquecer do seu período de jornalismo de esgoto e de oposição selvagem aos governos lulopetistas (já que a oposição parlamentar era incompetente) no qual números e símbolos era ostensivamente mostrados como bombas semióticas para desestabilizar e criar a crise política que culminou no impeachment de 2016.

Na verdade, a suposta censura ao símbolo em um boné do entrevistado num talk show é o resultado de mais um dilema que a Globo enfrenta desde que partiu para o jornalismo de guerra: desde o escândalo do mensalão, a emissora entrou num dilema existencial entre o papel de um partido político e de uma empresa comercial que precisava atrair anunciantes – por exemplo, enquanto tentava detonar a Copa do Mundo e Olimpíadas, precisava lucrar com esses megaeventos. Esse foi o primeiro dilema.

Depois veio o dilema de pedir a cabeça de Temer endossando as denúncias do PGR de Janot (para esconder na pauta o seu envolvimento no escândalo da FIFA – clique aqui) e ao mesmo tempo ter que apoiar as reformas de um governo que supostamente tentava derrubar.

Atualmente, a Globo tenta se livrar do terceiro dilema: a herança maldita do período do jornalismo de guerra: o fato de ter se aliado à direita raivosa e ao baixo clero do Congresso (Eduardo Cunha + bancada da Bíblia, Boi e Bala) – agora tenta posar de politicamente correta e imparcial. Resultado: se a emissora já contava com os tradicionais inimigos à esquerda, agora ganhou os novos inimigos no campo da direita hidrófoba.

  Com o blefe Globo/Gabriel Bá, a emissora carioca tenta simular uma imparcialidade (daí o recurso tosco da fita isolante) como se quisesse passar a seguinte diretriz editorial (endossada na postagem do desenhista): qualquer símbolo ou número de referência a qualquer partido ou ideologia será suprimido.

A Globo tenta simular o que nunca foi, como atestam fatos recentes da sua época do jornalismo de guerra. Vamos ficar em apenas três:


(a) A mensagem subliminar do “apagão aéreo” (2007)


Após o acidente do avião da TAM no aeroporto de Congonhas, criou-se o jornalismo global criou o bordão “apagão aéreo” responsabilizando o presidente Lula como o responsável pelas mortes. O bordão virou “selo” (composição de elemento gráfico que identifica editoriais ou temas recorrentes em telejornais) no qual via-se numa animação que fazia alusão aos painéis de horários de voos em aeroportos. No movimento das letras, formava-se a sigla “PT” abaixo dos dizeres “vítimas do apagão”.


(b) O número “45” no logo da telenovela (2014)


Em pleno ano de campanha presidencial, a Globo lança a novela “Geração Brasil”, com um logo cujo design baseava-se no alfabeto “leet” (a linguagem “internetês”) – “G3R4Ç4O BR4S1L”. No design final era explícita a sugestão do número “45” (o número do candidato do PSDB Aécio Neves) bem no centro do desenho – sobre isso clique aqui.

O detalhe é que a escolha tinha sido arbitrária dentro do léxico do alfabeto leet: poderiam ser escolhidas as opções: 4, /\, @, /-\, ^, ä, a . Mas foi escolhido “4” para, ao lado do “S” formar um perfeito “45”... – mais sobre isso clique aqui.


(c) Aécio e o juiz justiceiro na teledramaturgia


No auge da crise política que desembocaria no impeachment de 2016, os produtos da teledramaturgia global Felizes para Sempre (2014), “Questão de Família” (2015) e “O Brado Retumbante” (2012) praticamente espelharam o telejornalismo de guerra ao apresentar explícitos sincronismos.

Em Felizes Para Sempre os acontecimentos dos capítulos praticamente se sincronizavam com as ações da Lava Jato da Polícia Federal.

Em O Brado Retumbante, onde além do protagonista ser muito parecido com o candidato à presidência Aécio Neves (feito pelo ator Domingos Montagner), na trama ele chegava à presidência após a morte do presidente e vice em um acidente aéreo. Num insólita coincidência (ou sincronismo?), um acidente aéreo em 2014 matou o candidato à presidência pelo PSB Eduardo Campos, embaralhando a disputa eleitoral com o lançamento da sua vice Marina Silva.

E numa alusão explícita ao protagonismo do Judiciário (Sérgio Moro e cia.) com sua parceria com a grande mídia, a série Questão de Família era centrada num juiz inebriado pela necessidade de fazer justiça – saia da vara da família e ia a campo com a ajuda de um detetive da polícia – sobre esses casos clique aqui.


O último “furo” da ideologia


Por isso, o episódio da suposta censura no “Conversa com Bial” deve ser visto com sérias reservas, diante da necessidade atual da Globo fazer o público esquecer desses casos recentes militância política da emissora. Assim como, até hoje, tenta exorcizar os fantasmas do seu apoio irrestrito à ditadura militar e seus internacionalmente famosos casos de manipulação e censura desse período.

O filósofo Theodor Adorno falava que “a indignação contra a manipulação é o último furo jornalístico (“scoop”) patrocinado pela ideologia”. A censura propositalmente tornada visível pela TV Globo é uma evidente estratégia de propaganda baseada na simulação: feita para indignar os críticos da Globo que apontam a censura dos velhos tempos.

Mas para a emissora, é uma tática para tentar se livrar de mais um dos seus dilemas e aparentar uma linha editorial “imparcial”. Resta saber se agora aparecerão slogans da Adidas e escudos de clubes de futebol cobertos de forma tosca com mais fitas isolantes.

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