quarta-feira, novembro 03, 2021

A presunção da catástrofe da COP 26: engenharia de consenso do Capitalismo Verde


É mais fácil imaginarmos o fim do mundo do que o fim do Capitalismo”, disse certa vez Fredric Jameson. Por quê? Basta uma olhada nos títulos de filmes sci-fi nas plataformas de streaming e a retórica metonímica diária dos telejornais: acompanhamos a engenharia do consenso em torno de uma presunção da catásfrofe – as mudanças climáticas e o esgotamento dos recursos naturais estão levando à destruição do planeta! Mas não do Capitalismo, que vê na crise a repetição de uma velha lógica descrita por Marx e Weber: a pressuposição subjetiva da escassez gera valor. Esse é o pressuposto do “Capitalismo Verde” ou “Green New Deal”: o problema não está na sociedade, está numa Natureza tão frágil que precisa de ajuda: iniciativa privada, financeirização mas, principalmente, socializar as perdas e privatizar os ganhos. Três pequenos contos relacionados com a COP 26 mostram isso: o clichê “Ethno World” dos organizadores da Conferência, a carreata de 85 veículos de Joe Biden pela ruas de Roma e a “galhofa” de um diplomata norte-americano.

domingo, outubro 31, 2021

Live Cinegnose 360: doces ou travessuras? Não! Cinetanatologia, séries, crítica midiática, rock e política


Nem doces, nem travessuras. Só a Live Cinegnose 360 #27 nesse domingo de Halloween, às 18h no YouTube. Com uma pauta igualmente assustadora. Para começar, na sessão dos vinis do humilde blogueiro, Lou Reed e o Velvet Underground: Hippies MKUltra vs. Poetas Beatniks. Depois vamos conversar sobre duas séries. “Made For Love” (2021- ): amor pós-humano e totalitarismo tecnológico; “Departamento de Conspirações” (2021- ): Inside Jobs, Estado Profundo e psyops das teorias conspiratórias. Depois, Cinetanatologia: mortos e vivos nas representações do pós-morte no cinema. A estranha jurisprudência do TSE na absolvição da chapa Bolsonaro/Mourão. Capitalismo Verde e Grande Reset Global. Cancelamento e demissão do jogador Maurício: direita esquenta estratégia digital para 2022. E a crítica midiática da semana. A distopia brasileira é mais assustadora do que um Halloween... 

sábado, outubro 30, 2021

Cinetanatologia: imagens do pós-morte no cinema falam mais dos vivos do que dos mortos



Sabemos o que é morrer, mas nada sabemos sobre o que vem depois. A não ser testemunhos de supostos espíritos ou as controversas experiências de quase-morte tão estudadas por médicos, psiquiatras e neurocientistas. Mas há também as representações do cinema e audiovisual. Uma verdadeira “Cinetanatologia” na qual fala-se muito menos do Grande Além e muito mais das mazelas do mundo dos vivos – as representações fílmicas do pós-morte seriam verdadeiros sismógrafos das ansiedades ou temores de cada época, criando modelos diferentes de “céus” ou “infernos”: de representações objetivas a solipsistas. Porém, o século XXI revela uma mudança nas representações: deixa de ser um momento conclusivo ou de passagem para algo totalmente outro, tornando-se um evento absolutamente banal – continuação da mesma banalidade de quando éramos vivos. Ou uma prisão cósmica de multiversos quânticos e de inspiração gnóstica.

quinta-feira, outubro 28, 2021

'Departamento de Conspirações': será que a própria série é um inside job do Estado Profundo?


A série de animação adulta da Netflix “Departamento de Conspirações” (“Inside Job”, 2021-) navega pelo atual mar revolto das teorias das conspirações. Principalmente depois que elas foram apropriadas pela extrema direita “alt-right” e se transformaram em ferramenta política de desinformação. A série tem um difícil desafio: transformar reptilianos e governos das sombras em uma espécie de meta-humor – fazer paródias em cima de algo que, em si, já são paródias. Ou melhor, psyops para neutralizar o perigo do crescente número de pessoas que historicamente começaram a contestar versões oficiais. “Departamento de Conspirações” lembra a “Hipótese Fox Mulder”: por que o governo, ao mesmo tempo que encobre o fenômeno OVNI, também permite que se faça tantos filmes sobre o assunto? Para que todos pensem que é coisa de cinema e, quando surgirem notícias verdadeiras, ninguém acreditar. Será que a própria série é um “inside job” do “Estado Profundo”?

terça-feira, outubro 26, 2021

Quando o amor vira totalitarismo tecnológico na série 'Made for Love'


O messianismo tecnológico da gigantes tecnológicas sempre foi cheio de boas intenções - dar às pessoas o que supostamente querem: o menor esforço, facilidades e conveniências. Por que pegar um ônibus até o trabalho se posso fazer um home office? Para quê encarar uma discussão de relacionamento se um aplicativo pode garantir um relacionamento amoroso transparente e sem mentiras? Mas também, abolir qualquer sigilo ou privacidade. Como as melhores intenções como amor, felicidade e comunhão podem resultar num pesadelo totalitário? Esse é o tema da sátira ao Vale do Silício “Made for Love” (2021- ), série de humor negro na qual acompanhamos uma jovem em fuga depois de dez anos de um relacionamento tóxico, cujo marido é um híbrido de Jeff Bezos, Elon Musk e a gigante Google. O problema é que ela é a “usuária número 1”, com chip implantado em seu cérebro, de um aplicativo revolucionário do amor, monitorada 24 horas a partir de um campus tecnológico chamado “The Hub”. 

domingo, outubro 24, 2021

Live Cinegnose 360: Titãs, Cineteratologia, discos voadores e Guerra Cognitiva, Metaverso e pós-humanismo


Noite de domingo com rock no vinil, filosofia, crítica midiática e política. Live Cinegnose 360 #26, 24/10, 18h, no YouTube. Na sessão dos vinis, ambiguidade e ironia da banda Titãs no rock brasileiro. Filme Maligno: algoritmos e cineteratologia – as representações da monstruosidade e do Mal no cinema. O próximo passo da guerra híbrida na nova Guerra Fria: discos voadores e “Guerra Cognitiva”. O que significa a aposta de Mark Zuckenberg e Facebook no Metaverso? – Grande Reset Global e a digitalização da sociedade. Crítica midiática da semana: Paulo Guedes, Auxílio Brasil e terrorismo do mercado financeiro: como a empatia da grande mídia só vai até a página dois. 

sábado, outubro 23, 2021

Metaverso: a aposta transhumana do Grande Reset Global

Enquanto o CEO do Facebook, Mark Zuckenberg, aposta tudo no futuro do Metaverso (a convergência de realidade física, aumentada e virtual em um espaço online compartilhado), em Madrid foi realizada a Conferência Transvision 2021, com os pesos pesados do Vale do Silício da agenda transhumanista mundial. Nos últimos meses estão sendo lançadas de forma mais acelerada as bases intelectuais e tecnomísticas para uma nova ordem social totalmente digitalizada – aquilo que está sendo chamada de Quarta Revolução Industrial, paradigma global de transformação total – adotado pela Microsoft, Alibaba, Sony, General Motors, Mozilla e Salesforce, entre muitos outros. No contexto do “Grande Reset Global” anunciado pelo Fórum Econômico Mundial, o que tudo isso representa? Não precisa ser nenhum escritor distópico como George Orwell ou Aldous Huxley para imaginar as implicações políticas da religião pós-humanista transformada em realidade. 

quinta-feira, outubro 21, 2021

Depois da Guerra Híbrida: discos voadores e Guerra Cognitiva na Guerra Fria 2.0


Tendo a pandemia Covid-19 como janela de oportunidades, ocorrem dois eventos sincronicamente ligados no atual contexto da escalada da Guerra Fria 2.0 – no lugar dos velhos soviéticos, os malvados favoritos russos e chineses. De um lado, depois de décadas como tema tabu, os discos voadores viraram hype na grande mídia, depois de um relatório do Pentágono que suspeita de “aeronaves hipersônicas chinesas” por trás do fenômeno OVNI; e os eventos chamados “Desafios de Inovação” promovidos pela OTAN que apresentam o próximo passo da Guerra Híbrida: a Guerra Cognitiva – a militarização das neurociências e a transformação do cérebro de civis em campo de batalha, para defende-los da suposta ofensiva cognitiva da Rússia e China. Oportunidade de manipulação e controle de uma nova engenharia social, testada no Canadá em 2020 na coleta militar de big data, sob alegação de se tratar de programa para combater a pandemia.

terça-feira, outubro 19, 2021

A monstruosidade algorítmica do zeitgeist atual no filme 'Maligno'


Os algoritmos das plataformas de filmes em streaming acabaram se tornando os verdadeiros curadores que pautam a produção cultural. Mais do que isso, acabam transformado os roteiros fílmicos em autênticas colagens de sequências, argumentos e clichês que acompanham os padrões das escolhas dos usuários. "Maligno" (Malignant, 2021) é um exemplo flagrante onde tudo é misturado em alta velocidade, com plot twists a cada 15 minutos – a receita de terror pronta para ser servida aos espectadores. Por outro lado, essa bricolagem algorítmica deixa mais explícito o "zeitgeist" de onde os ingredientes dessa receita são retirados. Um exemplo é a forma como o Mal e a monstruosidade são representados em “Maligno”: não mais de forma xenomórfica e informe, mas agora como monstruosidade parasitária. Novidade cineteratológica que reflete a nova reconfiguração do Capitalismo atual.

segunda-feira, outubro 18, 2021

O Oculto na saga 'Venom', das HQs ao cinema: Teosofia e Magia do Caos, por Claudio Siqueira


"Venon: Tempo de Carnificina" estreou nos cinemas dia 7 de outubro deste ano. Embora a cronologia dos filmes mostre o anti-herói e seu filho rival em suas origens, a atual saga de Venom nos quadrinhos tem incríveis eminências pardas ocultas – Teosofia, Magia do Caos e esoterismo. O Cinegnose vem falar um pouco sobre o início da nova saga de Venom, que já vem saindo nas bancas há um bom tempo e culminou com a atual saga do Rei de Preto. 

domingo, outubro 17, 2021

Live Cinegnose 360 de domingo: Rock no vinil; análises fílmicas e políticas; será que você está numa seita e não sabe?



À beira do abismo distópico brasileiro, chegamos à edição 25 da “Live Cinegnose 360”, nesse domingo (17/10), às 18h no YouTube. Começamos com a materialidade histórica da banda IRA! no álbum “Psicoacústica”: por que a grande mídia brasileira esqueceu o rock? Depois, Geração Millennial e labirintos no filme “Dave Made a Maze” (2017) e utopias, distopias e hipo-utopias no filme “Settlers” (2021). Dez evidências de que você possa estar numa seita e não sabe. Barrado no jogo: a bomba semiótica anti-institucional de Bolsonaro. Bolsonaristas arrependidos querem votar em Lula? O filósofo Jean Baudrillard responde! O que tem a ver corte de 92% verbas à Ciência e Tecnologia e empresário que financia apoiadores de Ciro Gomes? E alguns flagrantes da manipulação semiótica diária do jornalismo corporativo. Antes do fim do mundo na segunda, participe da Live Cinegnose 360 no domingo!

quinta-feira, outubro 14, 2021

Em 'Settlers' o lado sombrio da conquista espacial é nós


No momento em que os empresários Jeff Bezos e Elon Musk estão reavivando de forma privatista a fantasia modernista da conquista do espaço, assistir à coprodução sul-africana/britânica “Settlers” (2021) é muito oportuna. Aqui não temos mais heróis ou cowboys da conquista espacial, mas “colonos”, com todas as suas implicações terrenas: a questão da propriedade da terra, conquista, pilhagem, traição e violência. Tudo em um microcosmo: um assentamento marciano com atmosfera controlada na qual uma pequena família vê a chegada de intrusos que reivindicam a posse do terreno. “Settlers” é mais um exemplo de uma tendência dos sci-fi independentes: não mais explorar utopias ou distopias no sentido clássico. Mas hipo-utopias pós-modernas: ficções científicas que, paradoxalmente, parecem se ressentir de ausência de futuro. O futuro não passaria de um espelho no qual mazelas do presente são projetadas. Na verdade, o futuro não existe - ele é apenas uma tela hiperbólica do presente.

quarta-feira, outubro 13, 2021

Sincronismos entre Nª Sª Aparecida, Vênus de Milo e Dia das Crianças, por Claudio Siqueira


12 de outubro comemora-se o Dia das Crianças. Curiosamente também é comemorada a data de Nossa Senhora de Aparecida. Mais curioso ainda é que a Vênus de Milo foi achada em condições semelhantes em 1830. Sincronicidade? “Quem conta um conto aumenta um ponto?” Ao invés de dar a resposta, o Cinegnose vem perscrutar a origem do mito de Nossa Senhora da Aparecida, bem como o da Vênus de Milo.

terça-feira, outubro 12, 2021

Bolsonaro barrado no jogo e TSE faz limited hangout dos "disparos em massa"

Nietzsche temia pelo momento em que o ressentimento passaria a gerar valores, alcançando o perigoso nível da racionalização. E é justamente isso que as operações psicológicas conseguem: os traumas psíquicos nacionais da militarização e escravidão tornam-se uma matriz geradora de valores cujo recall é acionado pelas bombas semióticas: justiçamento, judicialização, meganhagem, cismogêneses identitárias e... anti-institucionalização. O não-acontecimento de Bolsonaro barrado no estádio por não ser vacinado e o seu vídeo nas redes sociais com estudada indignação mais uma vez se conectou com esse imaginário antissistema ou não institucionalidade. Ao mesmo tempo, STF e TSE, depois de muito tempo, descobriram as “milícias digitais”, “abusos de poder econômico” e os chamados “disparos em massa” – expressão sensacionalista para criar um “limited hangout”. Ao confundir massificação com viralização, oculta o mais perigoso: a metodologia “microtargeting”, cuja eficiência é o que difere da massificação na propaganda política clássica.

domingo, outubro 10, 2021

Domingo com o retro-futurismo do Kraftwerk, Ocultismo em Brasília e no game Mortal Kombat e o novo salto mortal do Capitalismo


Mais um domingo, e ainda estamos sobrevivendo a essa distopia chamada Brasil. Então, se ainda resiste, participe da Live Cinegnose 360 #24, 10/10, às 18h no YouTube. Vamos começar com o retro-futurismo e o Gnosticismo na música eletrônica de Kraftwerk. Receberemos o nosso convidado e colaborador do Cinegnose, o jornalista e pesquisador de HQs, games e cartoons, Claudio Siqueira. Conversaremos sobre as influências ocultas e esotéricas de Brasília e do game “Mortal Kombat”. E depois, o apagão do Facebook e o Projeto Cyber Polygon: Forum Econômico Mundial prepara mais um salto mortal do Capitalismo. Por que o jornalismo corporativo blinda as offshores de Paulo Guedes e “Bob Fields” Neto? - a retórica jornalística para “segurar a barra” antes das privatizações da Eletrobrás e Correios. O xadrez da viralização e massificação na propaganda política das eleições 2022. Aguardamos os cinegnósticos! 

quinta-feira, outubro 07, 2021

Geração millennial perdida em um labirinto mitológico no filme 'Dave Made a Maze'


A Geração Millennial (ou “Geração Y”, a primeira a nascer e crescer cercado pelas mídias digitais) sempre foi caracterizada pela ansiedade, imediatismo, instabilidade emocional e falta de foco. Então, como representantes dessa geração se comportariam perdidos no interior de uma versão século XXI do mitológico labirinto de Creta, com Minotauro e tudo? Essa é a proposta da comédia “Dave Made a Maze” (2017): Dave, um jovem artista que nunca terminou nada que começou, decide fazer um labirinto de papelão na sala de estar até que alcance a perfeição. Em consequência, seu interior começa a ficar enorme, ganha vida própria e até um Minotauro começa a persegui-lo. Seus jovens amigos millennials também entram na obra para tentar para salvar Dave, para depois se verem perdidos e perseguidos pelo monstro mitológico. Através do autodistanciamento irônico e solipsista, todos tentam interpretar os simbolismos do labirinto e se salvar das armadilhas mortais de papelão. O resultado é um painel psíquico da geração mais tecnológica da História.

quarta-feira, outubro 06, 2021

Apagão do Facebook, Cyber Polygon e offshore de Paulo Guedes: novo salto mortal do Capitalismo



A semana começa com a repercussão de um complexo sincrônico de eventos: o “apagão” global do Facebook, Instagram e WhatsApp, a revelação do “Pandora Papers” de que Paulo Guedes (Economia) e Roberto Campos Neto (Banco Central) possuem offshores em paraísos fiscais. E a grande mídia fazendo o que pode para blindá-los ou, no máximo, fazer “jornalismo Snapchat” como o da “Folha”. O que têm em comum? O Projeto Cyber Polygon do Fórum Econômico Mundial e a agenda do “Grande Reset Global” que teve no Facebook o seu grande golpe de propaganda: deixe um número suficiente de pessoas confiar em gigantes tecnológicas sem qualquer regulação pública e você terá uma vulnerabilidade parecida com o que representou Pearl Harbor para os EUA na Segunda Guerra Mundial. O “Grande Reset Global” das offshores de ministros e da própria grande mídia que se preparam para o próximo salto mortal do Capitalismo: a pandemia digital para mitigar o próximo crash – a da bolha do dinheiro digital.

terça-feira, outubro 05, 2021

Porque você NÃO deve assistir à série 'Lúcifer', por Claudio Siqueira


Lúcifer estreou sua sexta temporada. Mas, como faziam as antigas adaptações de histórias em quadrinhos para as telonas, difere muito da obra original. Em respeito à HQ, a única capaz de se equiparar (e talvez até superar) a Sandman, o Cinegnose vem elucidar 5 motivos pelos quais não se deve assistir à série. 

A série tem feito muito sucesso, curiosamente entre aqueles que NÃO leram a HQ. Ao contrário de Constantine, que não fez sucesso entre nenhum dos dois públicos (os que leram e os que não leram) e nem sequer chegou à segunda temporada, ou de Demolidor, que fez sucesso por parte de ambos os públicos (leitores e não leitores), Lúcifer conseguiu a proeza de ser uma série bem fraca e fazer mais sucesso do que a magnífica HQ. 

Mike Carey despontou como o novo Neil Gaiman ao capitanear o spin off de Sandman, Lúcifer. Pelas palavras do próprio Neil Gaiman, autor de Sandman e criador de Lúcifer como o conhecemos em Sandman #4 (abril de 1989): “O Lúcifer de Mike Carey é mais manipulador, charmoso e perigoso do que eu esperava.”

 

Lúcifer com semblante de David Bowie


A HQ continuou a ser escrita por outros autores, inclusive, por uma autora de New Jersey que atende pelo sugestivo nome de Holly Black. Holly e os demais nunca deixaram a peteca cair e Lúcifer continuou cínico, arrogante, com uma moral dúbia que nos faz questionar nossa própria noção da mesma. Não necessariamente perverso, mas nietzschedamente além do bem e do mal. 



Enquanto o sisudo filósofo cofia seus bigodes no Inferno, sentado à esquerda do deus filho todo-poderoso, vamos aos motivos para NÃO assistir à série.

Lúcifer é MUITO diferente do original

E me refiro à aparência mesmo. Lúcifer continua cínico, arrogante até certo ponto e faz os personagens – coadjuvantes ou não – questionarem a moral ocidental, mas um primeiro olhar para o protagonista já dá uma desanimada em quem leu as HQs. 


Daniel?! Não, Lúcifer


Assim como Keanu Reeves ficou péssimo como Constantine, o sorriso maroto de Tom Ellis querendo passar a imagem de sarcástico faz o Primeiro dos Caídos parecer um cantor de sertanejo sensualizando. O Lúcifer das HQs foi inspirado em David Bowie e o semblante do cantor e ator está presente nas edições #14 e #15, lançadas no Brasil pela Panini em O Universo de Sandman: Lúcifer Volume 3 como parte do selo Black Label.

É uma série policial!

Nada contra séries policiais, mas os quadrinhos nos dão um panorama filosófico, apresentando às vezes até quíntuplos sentidos em cada quadro. Nem sempre pelo que está escrito, mas pela própria gestalt das cenas, fazendo match cuts inteligentes em momentos que muitas vezes perpassam o espaço-tempo. 

A série nos dá uma trama policial onde Lúcifer, com sua sabedoria mais que milenar, (desde antes da Queda, na verdade), ajuda a policial Chloe Decker na divisão de homicídios do Departamento de Polícia de Los Angeles que vira seu affair e sua sidekick. Da mesma forma que Constantine virou uma espécie de Supernatural de quinta, Lúcifer se tornou um Doctor Who infernal. Isso dito novamente pelo próprio Neil Gaiman.




Na segunda edição de 2018 dos quadrinhos, lançada no Brasil em O Universo de Sandman: Lúcifer nº1, três bruxas cegas chamam a nossa atenção. Durante um ritual, elas utilizam um olho de um gato. Gatos são tidos como “familiares” comuns entre bruxos. Pra quem não sabe, “familiares” são animais de estimação com um laço mágico com seu dono, mas porque o simbolismo do olho? 

De acordo com algumas das muitas atribuições cabalísticas, onde cada caminho da Cabala corresponde a uma carta do tarô e a uma letra do alfabeto hebraico, o 26º caminho corresponde à 15ª carta do tarô, O Diabo, e à 16ª letra, Ayin. Seu significado é “olho”. 

A trama diverge muito das HQs

Como a FOX não detêm os direitos sobre os personagens da DC, não tivemos as eventuais participações de outros protagonistas do selo Vertigo como o Constantine, por exemplo. Interpretado por Matt Ryan, este sim, um excelente Constantine, a despeito da série. 

Amenadiel aparece tão bundão quanto o anjo Manny, de Constantine e não é nem de longe o anjo dantesco, invocado e grisalho (de aparência mais velha) dos quadrinhos. Na série, além de mais jovem, nem cabelo Amenadiel tem.


Tudo bem que dizem que o Carnaval é a festa do Demo, mas não sabia que Lúcifer tinha desfilado pela Portela... Se bem que "demo" é "povo" em grego


Mazikeen aparece carinhosamente apelida de Maze… que meigo! Sua face disforme ficou bem representada, mas sua fala truncada presente nas HQs foi substituída pela “lingua demoníaca”, que a atriz Lesley-Ann Brandt interpreta guturalmente muito bem. Esperemos que agora, com Sandman e Lúcifer na NetflixMorpheus possa aparecer. Hmm… pensando bem, melhor não.

A série não é dantesca

O próprio termo “dantesco” que usei aqui e no tópico anterior vem do nome de Dante Alighieri por ter escrito A Divina Comédia, sendo um dos capítulos/atos, Inferno. Diferentemente do clima soturno dos quadrinhos de Lúcifer, que não chega a ser lúgubre e de estética gótica como Sandman, a HQ apresenta tramas que envolvem deuses de outros panteões e arcanjos, demônios da demonologia (perdoem o pleonasmo infernal) e até personagens históricos como Willian Blake.


Gabriel alcoólatra


Todos são devidamente humanizados, não no sentido que a palavra tem atualmente, mas de modo a torná-los próximos da condição humana, como um Anjo Gabriel ébrio, por exemplo. Na série de TV, temos diversão garantida para você e sua família, com draminhas pseudo existenciais e uma psicanalista comum a alguns personagens. Seu nome? Linda Martin! Que lindo!

Deus é casado!

Isso mesmo! Dramatizando a frase célebre de Nietzsche, “Deus está morto!”, a saga de 2016 mostra uma estranha entidade ocupando o trono do Criador. Na série, o Todo-Poderoso não só é menos beligerante (e talvez menos onipresente) como ainda é casado! Com a MÃE de Lúcifer!


A entidade que ocupa o trono de Deus, na HQ


Bom, se você nasceu, possivelmente tem uma mãe mas Lúcifer e os demais nem chegaram a “nascer” já que se tratam de entidades, conceitos, arquétipos ou mitos. Acho que isso não consta nem na Bíblia, se não me engano. Lúcifer Estrela da Manhã, e os demais anjos surgem sem ter que passar por um parto ou coisa que o valha.  


A foto alude à carta do tarô "O Diabo"


Se você ainda está disposto a assistir à série, a 6ª temporada já está dando o que falar, mas não leia os quadrinhos ou só os leia depois. Se você leu e ainda não assistiu, não assista. Ou assista, mas sem expectativa, que é a mãe de todas as decepções. Se já acompanha a série, você anda mal acompanhado. Perdoe-os, Lúcifer, porque eles não sabem o que assistem.  

 

 

Postagens Relacionadas


Satanás é o último humanista na série “Lucifer”



Muito além de um jogo de luta: as influências ocultas de “Mortal Kombat”



“Godzilla Vs. Kong”: muito além da jornada do herói



“Samorost 3”: gnosticismo em um jogo eletrônico


 

sábado, outubro 02, 2021

Grande mídia azeita a máquina semiótica do jornalismo de guerra



A imprensa corporativa começa a dar os primeiros sinais de que retornará ao modo “jornalismo de guerra”, com a proximidade das eleições e a complicada empreitada de fazer a “esperança branca” da terceira via. Começa a azeitar a máquina semiótica do jornalismo metonímico (como estratégia diversionista diante da crise energética e alta dos combustíveis) e do jornalismo de delação lavajatista para açodar efeito manada e justiçamento, como no caso Prevent Senior. Enquanto o timing da CPI da Pandemia acaba enterrando as esperanças do impeachment e virando palco para o show de extremismo assertivo de extrema direita. E mais: Bolsonaro revela o seu cálculo do “caos administrado” na guerra híbrida com o pronunciamento de que “nada está ruim que não possa piorar”.

quinta-feira, setembro 30, 2021

Gameficação da luta de classes na série 'Round 6'


O mundo todo está virando um jogo. É o fenômeno da gameficação: processos seletivos de empresas, simuladores militares e de negócios, a política feita por aplicativos e até mesmo os relacionamentos por plataformas. Agora chegou a vez da luta de classes. A série sul-coreana da Netflix “Round 6” (“Squid Games”, 2021- ) acompanha produções recentes de filmes e séries de TV do Leste Asiático como “Parasite”, “Burning” e “Itaewon Class” abordando habilmente a desigualdade e a luta de classes em circunstâncias do mundo real, em vez das lentes distópicas de fantasias americanas como Jogos Vorazes e Elysium. Se ganhar dinheiro significa a luta pela sobrevivência na competição do mercado, por que então não representar a luta pelo dinheiro também como um game? Esse é o núcleo subliminar e de identificação do sucesso de “Round 6”: elevar o conceito de “game” a uma categoria universal de justiça dentro do Capitalismo.  

quarta-feira, setembro 29, 2021

Muito além de um jogo de luta: as influências ocultas de 'Mortal Kombat', por Claudio Siqueira


O novo filme Mortal Kombat estreou no dia 13 de maio e chegou às plataformas digitais no dia 24 de junho causando decepção para muitos fãs que esperavam um filme “fiel” ao jogo, como o foi o de 1995. Opiniões à parte, o Cinegnose vem dissecar o jogo Mortal Kombat, alguns de seus personagens e cenários e mostrar que não se trata apenas de um jogo de luta, já que suas influências ocultas saltam aos olhos. Cinegnósticos, com vocês: Mortal Kombat! 

Em 1992, as desenvolvedoras de games Midway e Acclaim despontavam com o clássico Mortal Kombat, que, na época, foi o único capaz de rivalizar com o game Street Fighter II: The World Warrior. Ambos os games pertencem à categoria kick and punch, onde os jogadores encarnam personagens lutadores, um de cada lado do ringue (ou tela) para se enfrentarem com socos, chutes, quedas e superpoderes.

Antes de Street Fighter II, os jogos de luta (como eram chamados os kick and punch) que faziam a cabeça da molecada nos fliperamas eram Violence Fight (1987) e Pit-Fighter (1990). Ambos sem a presença de superpoderes e apenas o segundo com gráficos digitalizados, ou seja, atores de verdade filmados e com movimentos digitalizados em stop motion.

Após o sucesso estrondoso de Street Fighter II e sua versão arcade (fliperama), Street Fighter II: Champion Edition (1992), muitos jogos tentavam bater de frente com o ícone dos kick and punch, principalmente os da concorrente SNK, mas sempre como pálidas imitações do clássico. A própria Capcom emplacou uma série de games de luta tendo como personagens monstros dos filmes de terror, Darkstalkers: The Night Warriors (1994) e seus sucessores, o que rendeu até um anime e pelo menos 3 HQs. 

Seja como for, o programador Ed Boom e o desenhista John Tobias (um dos desenhistas de Os Caça-Fantasmas) não imaginavam a proporção que sua criação iria tomar. Não vamos nos ater aqui a qualquer um dos filmes, desenhos animados ou jogos, mas a alguns personagens e suas respectivas eminências pardas gnósticas, exotéricas, em suma, relacionadas ao ocultismo. Cinegnósticos, com vocês: Mortal Kombat! 

Jogo do Van Damme

A ideia inicial dos criadores era fazer o jogo oficial de Jean-Claude Van Damme e o astro chegou a ser contatado. Não sei se ele não aceitou, mas os criadores chegaram a colocar uma imagem dele do filme O Grande Dragão Branco (Bloodsport), de 1988, com o fundo “mortalkombático”. O próprio game Pit Fighter tinha o personagem Kato, que lembrava Van Damme. 

O primeiro game consistia em apenas 7 personagens jogáveis que se enfrentavam em um combate mortal para salvar o planeta Terra (Earthrealm) de uma invasão de outra dimensão (Outworld): Liu Kang, um monge lutador treinado para tal fim; Raiden, o Deus do Trovão, responsável pelo monastério de Liu Kang; Kano, um mercenário da organização Black Dragon, foragido; Sonya Blade, das forças especiais dos EUA, que vai à Ilha atrás de Kano; Johnny Cage, ator de filmes de artes marciais que entra de gaiato no torneio pensando tratar-se de mais uma filmagem; Sub-Zero, um ninja do fictício clã Lin Kuei com poderes sobre o gelo e Scorpion, um ninja do clã Shirai Ryu. Morto por Sub-Zero, tornara-se um espectro, um fantasma em busca de vingança. Seu nome deriva da arma que usa, uma kunai.



Todo o primeiro game lembrava o clássico de Bruce Lee de 1973, Operação Dragão (Enter the Dragon), com pitadas de Os Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China), de 1986, de John Carpenter. Liu Kang, era nitidamente inspirado em Bruce Lee. Shang Tsung, o vilão principal e último chefe, inspirado tanto em Han, vilão de Operação Dragão quanto em Lo Pan, de Aventureiros (...). Goro, o monstro de 4 braços, era uma infame versão dos deuses indianos, mas sua figura como personagem era inspirada em Bolo Yeung. Rayden era inspirado em um trio do filme Os Aventureiros do Bairro Proibido, tanto pelo chapéu típico quanto – principalmente – pelos raios que soltava pelas mãos, seu principal poder e Johnny Cage estava lá pra saciar a vontade dos criadores de colocar Van Damme no game; haja vista seu golpe: Johnny fazia um espacato para socar os testículos do oponente. 

A grande sacada do game era que havia sangue, além dos golpes fatais, os famigerados Fatalities, relativamente difíceis de serem aplicados, não só pelos comandos, mas pelo curtíssimo espaço de tempo para se digitá-los ao fim do último round, quando uma voz cavernosa exclamava: Finish him! (ou her, quando se tratava de Sonya Blade, a única mulher no jogo em sua primeira versão). Mais tarde veio a se descobrir que a voz era a do déspota Shao Khan

A ideia de se ter golpes realmente fatais deu o que falar entre pais e educadores em geral, mas era o que fazia a molecada babar como cachorro vendo a carne girar. A versão para o console Super Nintendo deixou a desejar já que não possuía sangue, coisa que não aconteceu para versão de Mega Drive, que, embora fosse ligeiramente inferior no quesito gráficos e sons, possuía a sanguinolência comum ao jogo. Fala sério! De que adianta golpes fatais se não há sangue? E de que adianta tirar o sangue se as mortes continuam ocorrendo?

Mortal Kombat 2: A continuação da história

Segundo o cânone da história, Liu Kang teria vencido o primeiro torneio, obrigando Shang Tsung a se retirar com o rabo entre as pernas com seu séquito para o Outworld. Embora humano e nativo da terra, Shang Tsung se entregou ao lado obscuro, o que lhe conferiu poderes. Ele podia se transformar em qualquer personagem do game, o que obrigava a nós jogadores a saber lidar com todos os demais personagens, já que poderíamos enfrentar qualquer um ao enfrentarmos o velhinho. Mas isso não chegava a ser difícil já que, para se chegar ao derradeiro mestre, já havíamos passado por todos os outros.

Derrotado e humilhado, Shang Tsung implorou ao seu mestre Shao Khan que lhe poupasse e este o concedeu não só a chance de participar de um novo torneio quanto a oportunidade de rejuvenescer. Não fica muito claro se Shang Tsung rejuvenesceu por seus próprios poderes ou por uma ajudinha de algum feiticeiro do Outworld. Se alguém souber o cânone da história, por favor poste nos comentários.

Não apenas Shang Tsung reapareceu mais jovem e como personagem jogável, mas também Reptile, o personagem secreto do primeiro jogo. Novos personagens surgiram nesta nova versão, como é de praxe em continuações de games. Kung Lao, um outro monge, que herdara não só o nome como o título do lendário Grande Kung Lao, da mitologia do game. Além de um ligeiro teleporte, seu poder consistia em arremessar seu chapéu chinês. 

Bruce Lee abriu espaço para o protagonismo de atores orientais, ainda que estereotipados nas “funções” que lhe cabem: a de lutadores. Ao menos, não eram mais apenas vilões, mas protagonistas. Não é de se esperar que os norte-americanos tenham grande conhecimento da cultura oriental e nem era esse o propósito da série, mas algumas coisas são por demais caricatas. O nome de Kung Lao é a junção de Kung, de Kung Fu, com Lao, de Lao-Tsé.

Sonya Blade e Kano haviam sido feitos prisioneiros e em um dos cenários do game apareciam acorrentados ao fundo, um de cada lado do imperador Shao Khan, sentado em seu trono. Jax, um um oficial das Forças Especiais dos EUA, assim como Sonya, entra no game e sua história consiste no fato de que entra no torneio para resgatar a moça e capturar Kano.

Itto Ogami e seu filho (à esquerda) e Baraka e a menina
que jurou cuidar, Nania


Além de Jax e Kung Lao, três novos personagens jogáveis surgem: Kitana, uma humana adotada pelo imperador Shao Khan que utilizava como arma dois leques cortantes, chamados tiě shān (leque de aço) em chinês, tessen, em japonês e buchae em coreano. Mileena, um clone de Kitana, que utiliava como arma um par de adagas sai e possuía uma bocarra inumana com todos os dentes afiados e em forma de agulhas e Baraka, um ser do outworld com uma boca semelhante a de Mileena e lâminas retráteis que saíam do antebraço a la Wolverine. Em uma das HQs, um spin off de Baraka mostrava o personagem vagando pelo Outworld com um bebê a tiracolo; uma alusão à HQ Lobo Solitário (Kozure Ōkami). Como Shang Tsung aparece como personagem jogável, o último chefe é o imperador Shao Khan e o subchefe, Kintaro, outro ser da raça Shokan, a mesma de Goro, embora este possua a pele “tigrada”. 

Quem matou Scorpion?

O terceiro jogo da série mostra que o temido apocalipse realmente ocorreu. Novamente derrotado, Shang Tsung precisa persuadir Shao Khan a não matá-lo e para isso convence o imperador de que, para abrir o derradeiro portal interdimensional para a Terra, independentemente do torneio, ele precisaria de sua ex-esposa viva. Com isso, Shang Tsung ressuscita Sindel, e juntos abrem o portal para a Terra. Kano e Sonya retornam como personagens jogáveis, sendo que Kano virou a casaca e se uniu a Shao Khan e às forças do Outworld. Se bem que Kano sempre foi um vilão, então a expressão “virar a casaca” nem se aplica a ele. 

Na versão de 2011 (que conta o que aconteceu entre Mortal Kombat 1 e 2 e entre Mortal Kombat 2 e o 3, com pitadas do 4º game), o momento da invasão mostra os personagens Stryker e Kabal. O primeiro, um policial que se mostra atônito ao ver a abertura do portal e as criaturas que dele emergem; o segundo, um ex-membro do Black Dragon (a máfia da qual Kano faz parte) que se tornou policial. O game de 2011 mostra o porquê de Kabal usar a máscara: suas queimaduras de 3º grau se deram por conta da baforada de fogo desferida por Kintaro, ao chegar ao nosso mundo assim que sai do portal. Kano faz questão de soldar a máscara que ficará para sempre em seu rosto, não só por vingança por ter se tornado polícia, mas para chantageá-lo para ingressar nas forças do Outworld.

Após as duas derrotas prévias, Shao Khan não mais se alia à raça Shokan e o novo subchefe é um centauro; ao menos a versão do game, que em sua mitologia diz que a raça dos centauros é inimiga da raça Shokan (meio-dragões, com forma humanoide e quatro braços com três dedos em cada mão). Por esse motivo, Sheeva, uma mulher da raça Shokan aparece como personagem jogável, já que se alia aos humanos contra Shao Khan e seus exércitos. 

A picuinha entre Sub-Zero e Scorpion é explicada em Mortal Kombat 4. Afinal, quem matou Scorpion? Não, não foi Sub-Zero ou alguém do clã Lin Kuiei, mas o feiticeiro Quan Chi. Adepto do deus Shinnok, o deus louco, ele matara Scorpion e sua família por propósitos pessoais mesquinhos. Mas não vou mais me alongar acerca dos enredos. Vamos aos fundamentos ocultos dos personagens.

Liu Kang- A partir do segundo game, um de seus fatalities consiste em se tornar o dragão presente na capa e na logo como silhueta e devorar metade do adversário. Como relatei aqui, o dragão tem outra conotação nas culturas orientais e a partir do 3º game todos os personagens jogáveis possuem um movimento final chamado Animality. Cada um deles se torna um animal para matar o adversário. O animal correspondente seria o animal totêmico de cada personagem.

Mileena- Em Mortal Kombat (2011), uma das skins (roupas ou mesmo formas diferentes para cada personagem, no jargão gamer) deve ter sido considerada pornográfica demais e não foi repetida nos outros games. Seja como for, ela se assemelha muito à figura da deusa grega Afrodite no Tarô Mitológico.


Mileena em uma das suas skins e a carta Os Namorados, do Tarô Mitológico


Baraka- Assim como os indianos possuem a teoria dos Sete Corpos Sutis, os egípcios também possuem alguns aspectos da alma, sendo o Ba, o mais próximo do que conhecemos como alma ou talvez, personalidade. Era representado peor um pássaro com cabeça humana que vinha visitar o corpo do falecido após a sua mumificação. 

Ka seria a essência anímica, a energia vital, representado por um hieróglifo com dois braços com os cotovelos dobrados tendo as mãos e os antebraços voltados para cima, como no ditado “bota as mãos pra cima”. Ao morrer, a perfeita homeostase entre o Ba e o Ka resultavam no Akh, e daí a importância de se colocar comida e pertences do falecido próximo ao corpo, no caso, a múmia. Ao fim de uma luta, se vencesse, Baraka cruzava os braços sobre o peito na posição de uma múmia. 

Shao Kan- Na Medicina Tradicional Chinesa, que tem como base o Taoísmo, temos o sistema Zang Fu (ou Zhang Fu), onde órgãos, vísceras, fluidos corporais, emoções, sabores, temperaturas, estações do ano e fases da vida são correlacionados aos 5 elementos chineses. Também os dois meridianos presentes no corpo humano se dividem em 6 planos energéticos: Tai Yang e Tai YinYang Ming e Jue Yin e Shao Yang e Shao Yin, sendo Yang, a polaridade ativa, masculina e positiva e Yin a passiva, feminina e negativa e Tai, “grande”, Ming e Jue o mediano e Shao, “pequeno”.  

No I-Ching, o Livro das Transmutações, temos 8 Trigramas Fundamentais, sendo K’an, a Água e 64 Hexagramas, o produto de 8x8. No Feng Shui, a Água corresponde à direção Norte e à cor preta e em uma nota de rodapé do livro Dogma e Ritual da Alta Magia, de Eliphas Levi (Capítulo IV da Parte I, Dogma) uma máxima em latim diz que “Todos os males provêm do Norte” (Septentrine pandetur omne malum), já que observando as constelações do Norte é que se pode orientar para os maus presságios vindouros. O Hexagrama K’an, sendo o trigrama da Água duplo, significa O Abismo; a ideia da tribulação como força motriz da perseverança. Não por acaso, Shao Kan constitui o desafio final. Portanto, Shao Kan poderia muito bem significar “O Pequeno Abismo”.

Na Cabala, a Árvore da VidaDa’ath, a Sephira Invisível não é necessariamente uma sephira, mas um abismo; o que separa o Mundo da Criação (Briah) do Mundo Arquetípico (Atziluth). Ela é o portal para a Árvore da Morte, o mundo das Qliphoth e lar do demônio Choronzon que representa a dispersão (no sentido de dissipação, desintegração ou mesmo distração mental, já que os pensamentos não estariam ordenados e orientados).   

O Portal (The Portal)- A ilha onde se passam os dois primeiros games é uma intersecção entre nosso mundo (Earthrealm) e a Exoterra (Outworld). Enquanto dura o torneio, a película que separa o s dois mundos e talvez até os outros três se torna diáfana, permitindo a passagem dos outros seres para o nosso mundo e vice-versa. Algo como o Samhain celta. No segundo game, um dos cenários se chama The Portal. Ele reaparece como The Hidden Portal em Mortal Kombat 3, em uma versão azul, mais “da’ática”, em Ultimate Mortal Kombat 3 e como The Lost Bridge em Mortal Kombat Trilogy, do Nintendo 64. O Portal é uma representação de Da’ath e a letra hebraica, Daleth.

Sindel- a esposa de Shao Khan foi revivida com a ajuda de Quan Chi. seu nome significa “Aquela que canta” e também “Cinza”. Sindel tem o cabelo grisalho (cinza) com o qual agarra e derruba os adversários e um de seus golpes constitui um grito e tanto o cabelo quanto o grito fazem jus ao seu nome.   

Quan Chi- um poderoso feiticeiro obscuro, Quan Chi podia viajar entre os Cinco Reinos sem a intromissão dos Deuses Ancestrais e acabou por encontrar o Deus Ancestral caído Shinnok, o Deus Louco. Seu aspecto lembra muito o de um Shinigami, principalmente a versão do anime Death Note. Quan Chi busca um kamidogu, um dos seis artefatos que representam cada um dos deuses ancestrais. Sendo kami algo como “deus” ou “espírito” e dugu, “boneco”; “estatueta de barro”.  

Sheeva- mais uma analogia caricata da série de games. Sheeva é uma mulher da raça Shokan (meio-dragão), que possui quatro braços com três dedos em cada mão além de pequeninos chifres dispostos em alguns pares, como uma crista de dragão. Seu nome é a forma fonética em inglês para Shiva. Embora o deus indiano (e o termo “deus” nem seja o apropriado, mas sim deva) seja o deus da destruição ou o Destruidor de Mundos, Shiva é um homem. A única atribuição que faz jus à personagem é a destruição.

Claudio Siqueira é Bracharel em Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.

 

Postagens Relacionadas


A simbologia alquímica em “As Tartarugas Ninjas”



“Samarost 3”: gnosticismo em um jogo eletrônico



“Godzilla Vs. King Kong”: muito além da jornada do herói



O significado oculto das máscaras no rock Nu Metal



Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review