terça-feira, julho 30, 2019

Filme "Aniara": a tecnologia nos protege, menos de nós mesmos

 
A ficção-científica sueca “Aniara” (2018) é adaptação de um poema homônimo, de 1956, do prêmio Nobel Harry Martinson sobre uma nave que leva colonos para Marte, fugindo de um planeta Terra devastado. Um acidente ejeta a nave para fora do sistema solar, perdendo-se no espaço profundo. Aniara é um gigantesco shopping center espacial que leva para o espaço o mesmo “modus operandi” que destruiu econômica e ambientalmente a Terra: a cultura do supérfluo, do consumismo e, principalmente, a necessidade da simulação – parques temáticos e mundos virtuais tecnologicamente desenvolvidos para embalar os passageiros de Aniara no marketing e propaganda. “Aniara” vem do antigo grego "aniarós" e quer dizer “triste, desesperado”. Os passageiros daquele transatlântico espacial aprenderão da pior forma possível esse significado. E que a tecnologia pode nos proteger de qualquer coisa. Menos de nós mesmos. Filme sugerido pelo nosso leitor Ricardo Julio.

domingo, julho 28, 2019

Vaza Jato: a religião do dinheiro da banca é a eminência parda brasileira


Um “bate-papo” secreto de um servidor público passando informações privilegiadas, em ano eleitoral, num evento secreto para empresas nacionais e internacionais do setor financeiro. As novas informações vazadas pelo “Intercept” sobre a bem remunerada participação do coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, não apenas revelam as relações promíscuas de procuradores e juízes com o mundo político e empresarial. Também mostra como a banca é uma eminência parda: por todo o espectro político, as críticas ao sistema financeiro são apenas pontuais ou genéricas. Nunca está sob o foco da mídia. No máximo, denuncia-se “bad guys” gananciosos, enquanto a estrutura do sistema nunca é questionada – dinheiro, valor, débito, crédito etc. são conceitos naturalizados, reverenciados quase religiosamente. A banca age secretamente como uma religião, com seus templos (sagrados e pagãos) e com seus padres e alto sacerdotes. Dois livros lançam uma luz sobre o fenômeno: “The Theology of Money” do filósofo Philip Goodchild; e “The Cult of Money”, de Chris Lehmann.

sábado, julho 27, 2019

A angústia humana diante do Tempo e das escolhas em "O Homem Infinito"


Confusões em torno de viagens no tempo oferecem uma gama de situações cômicas, desde o clássico “De Volta Para o Futuro”, graças a inesperados efeitos exponenciais quando tentamos consertar as coisas numa oportunidade de “segunda chance” no passado. O filme australiano “O Homem Infinito” (2014) explora todas essas possibilidades cômicas com um dos roteiros mais afiados dos últimos tempos nesse subgênero do sci-fi – da fantasia cômica inicial gradualmente evolui para a sofisticação de uma emaranhada cadeia de eventos em loop. Um solitário cientista tenta consertar o que deveria ter sido um final de semana perfeito com sua namorada: um ano depois da trágica separação, ele põe em ação uma estranha máquina do tempo baseado num scanner das memórias. Levando a comédia a uma sombria reflexão sobre as nossas angústias e responsabilidades em relação ao tempo, existência e escolhas. Filme sugerido pelo nosso incansável colaborador Felipe Resende.  

quinta-feira, julho 25, 2019

Como as pós-verdades e deepfakes normalizam a tragédia cotidiana na série "Years and Years"


Percebemos a realidade por indução: fatos e tragédias mundiais ou nacionais nos apresentam através da mídia como fossem panos de fundo, cenários para os nossos dramas pessoais e familiares. E se a tecnologia reforçarem ainda mais essa percepção indutiva, ao ponto de que a realidade se torne apenas uma alegoria? Apesar de sentirmos os impactos nas nossas vidas, achamos que tudo passa e pode ser normalizado com “jeitinhos” cotidianos. Esse é o tema da série britânica da BBC, em parceria com a HBO, “Years and Years” (2019-): acompanhamos uma típica família de classe média, os Lyons, durante a ascensão de um governo de extrema-direita no Reino Unido, enquanto o mundo cai aos pedaços por causa do conflito nuclear dos EUA de Donald Trump com a China. Mas diante de tudo isso, o cotidiano tecnologizado fornece as bolhas necessárias (pós-verdades, deep fakes etc.) para tudo ser normalizado. Mesmo que tenha que ter 11 empregos uberizados para sobreviver e perdido um milhão de libras num crash bancário. Quer saber o que nos aguarda nos próximos 15 anos? Assista “Years and Years”.

terça-feira, julho 23, 2019

O Fetiche e a sedução na engenharia social em "A.I. Rising"


Ao lado de filmes como “Ela”, “Ex Machina”, “The Machine” e “Zoe”, a produção sérvia “A.I. Rising” (2018) faz uma reflexão das profundas mudanças no atual desenvolvimento da Inteligência Artificial, presente em cada aplicativo, motor de busca ou sistema operacional. Já não temos mais máquinas ameaçadoras querendo substituir o homem, como o computador HAL 9000 de “2001”. Através da engenharia social, agora criam-se programas sedutores e fetichistas que oferecem a aparência do controle ao usuário. Mas que, na verdade, nos monitoram, controlam e preveem cada padrão comportamental, sob a ilusão da customização e consumo. O astronauta Milutin, acompanhado de um androide feminino, percorrem uma longa missão na direção de Alfa Centauri. Trava-se uma relação intima, erótica e fetichista de um homem com uma “I.A.” corporativa, produto de ponta da engenharia social da Ederlezi Corporation. 

domingo, julho 21, 2019

Do Estado Mínimo ao Estado Líquido: bullying midiático "pilha" as esquerdas


Não existe fome no Brasil? Vai acabar com a Ancine ou criar “filtros culturais”? Fritar hambúrgueres é credencial para ser embaixador? Como ficaram as multas de motoristas que trafegam sem cadeiras infantis? E os radares móveis nas estradas? Vão desaparecer? Depois das bombas semióticas que marcaram a bem-sucedida guerra híbrida brasileira, agora estamos acompanhando a essência da atual guerra criptografada: o “bullying midiático”. Assim como a psicologia do bullying, na qual a vítima deve ficar “pilhada” (gritar, chorar, correr etc.) para retroalimentar a dinâmica do assédio, também como estratégia diversionista de comunicação essa psicologia encontra sua aplicação como tática de guerra: caos de informações dissonantes e provocações do inimigo através do sequestro da pauta da mídia por uma agenda conservadora. Principalmente no campo cultural e de costumes. “Pilhar” as esquerdas, que reagem com o fígado, gastando tempo e indignação com questões periféricas. Para desviar da atenção do distinto público do drama principal: o assalto do Estado pelo sistema financeiro. Depois da dívida pública, tomar a Previdência e o FGTS. Depois do Estado Mínimo o futuro será o Estado Líquido.

quarta-feira, julho 17, 2019

Deus sadicamente se deleita com a corrida humana em "The Human Race"


“The Human Race” (2013) é o tipo de filme para ser assistido fora da binaridade do “gosto/não gosto”. Portanto, um filme para cinéfilos aventureiros. E com estômago para encarar o horror “gore”. O diretor e roteirista Paul Hough quer discutir a natureza humana: somos intrinsecamente maus, bastando uma oportunidade para a besta-fera em cada um de nós escapulir? Ou será que são as condições materiais nas quais estamos prisioneiros que nos induzem ao mal? Oitenta pessoas são abduzidas e despertam num circuito no qual devem correr desesperadamente pelas suas vidas, todos contra todos. A única maneira de sobreviver é não ser ultrapassado, e ter uma morte terrível. O veredito sobre a. questão da condição humana em “The Human Race” é gnóstica: o universo como uma arena mortal que nos condena à ignorância e a incerteza. Gerando propositalmente o medo, a angústia e ansiedade, os motores da violência e do egoísmo que fazem o deleite dos deuses demiurgos que apenas observam. Filme sugerido pelo nosso sagaz colaborador Felipe Resende.

terça-feira, julho 16, 2019

A premissa AstroGnóstica desperdiçada no filme "O Espaço Entre Nós"


Dentro da tipologia dos filmes gnósticos, os AstroGnósticos são os mais existenciais: lidam com a condição humana como “Estrangeiro” – o ser humano como fosse um alienígena em sua própria família, sociedade ou planeta. “O Espaço Entre Nós” (2017) é um sci-fi com uma interessante premissa por associar o tema da condição humana como “Estrangeiro” com o drama da adolescência – o último momento do impulso da rebeldia, antes de ser enquadrado no mundo adulto. Um adolescente, o primeiro ser humano a nascer em Marte, quer voltar para Terra – em um vídeo-chat apaixonou-se por uma jovem, que também vive essa condição existencial de estrangeira como órfã. Mas ele não suportaria por muito tempo na gravidade terrestre. Um melodrama “teen” de amor impossível, com uma ótima premissa desperdiçada – ao invés da subversão gnóstica, o filme busca a conciliação final do protagonista com a iniciativa privada que financia a colônia marciana. 

sábado, julho 13, 2019

Entre o lixo psíquico digital e a censura na Internet no documentário "The Cleaners"


Facebook, Google e Twitter, assim como as empresas de tecnologia em geral, passam uma imagem de serem “limpas”. Mas assim como o lixo eletrônico é enterrado longe dos nossos olhos em países africanos, empresas terceirizadas escondem o lixo psíquico das redes sociais. O documentário “The Cleaners” (2018) acompanha trabalhadores terceirizados de Manila (Filipinas) que fazem a moderação dos conteúdos das redes sociais: vídeos terroristas, auto-mutilação, pornografia infantil e suicídio ao vivo são submetidos ao código binário “excluir/ignorar”. Um lixo psíquico tão tóxico que muitos funcionários se matam ou se afastam por sérios transtornos psíquicos. Mas também a terceirização dos serviços de moderação se torna uma forma secreta de censura e filtragem da realidade, modelando nossa percepção do mundo de acordo com os propósitos das gigantes do Vale do Silício. Com a terceirização, elas acabam se eximindo de qualquer responsabilidade, seja legal, política ou humana.

sexta-feira, julho 12, 2019

Perdida na guerra semiótica, esquerda agora ataca Tabata Amaral


Freak out!”... Chiliques! Decepção! É assim que parte da esquerda está reagindo ao alinhamento da deputada Tabata Amaral à aprovação do texto-base da Reforma da Previdência na Plenária da Câmara. Muita gente se sentiu “traído”, “decepcionado”. Desesperada, desarticulada e sem conseguir entender até agora a atual guerra semiótica criptografada do clã Bolsonaro, a esquerda viu na jovem deputada uma corajosa heroína progressista que humilhou um e enquadrou outro ministro da Educação de um governo truculento. E até acreditou que a reforma não passaria, diante de uma suposta “crise de articulação” do Governo. Bombardeada por informações taticamente dissonantes e contraditórias, está hipnotizada, assim como a serpente de um encantador hindu. Agora descarregam o ressentimento na jovem deputada que sempre foi coerente e alinhada ao saco de maldades neoliberal. Ela é um Juan Guaidó de saias na atual guerra híbrida... Ou acham que Paulo Lemann estaria investindo em fundações que supostamente formariam novas lideranças progressistas?

terça-feira, julho 09, 2019

Vaza Jato, Fausto Silva e morte de Teori Zavascki: conspiração ou dúvida justificada?

Em Política não existem coincidências. Existem sincronismos. É o que revelam as últimas informações trazidas à opinião pública pela Vaza Jato. Primeiro, dando um novo significado às especulações de 2017 sobre o acidente aéreo que vitimou o então relator da Operação Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki. A exaltação “Uha, Uhu!” do procurador Dellagnol, eufórico em confirmar que o ministro substituto, Edson Fachin, era “nosso” explicitou como o “trágico” teve “timing” e “oportunismo”. Demonstrando que as “teorias conspiratórias” eram muito mais do que isso: eram “desconfianças justificadas”, tendo em vista as coincidências e anomalias que cercaram a tragédia. E segundo, a naturalidade como a mídia (e o próprio apresentador) encarou as dicas de “Media Training” dadas  por Fausto Silva a Sérgio Moro, então juiz num processo em discussão por diferentes lados do espectro político – o “Faustão” acredita ter uma procuração do “povão”, uma missão manifesta, dentro da atual atmosfera de democracia plebiscitária ou direta.

domingo, julho 07, 2019

Super-herói do mal revela amoralidade dos super-heróis da América no filme "Brightburn"

Talvez poucos conheçam a primeira versão do icônico super-herói norte-americano Superman: no começa da década de 1930, ele era um vilão com poderes psíquicos usados para dominar a humanidade. Mais tarde foi repaginado, cujos poderes passaram a ser usados para o “Bem”, e utilizado depois como herói da propaganda política na Segunda Guerra Mundial. O terror/sci-fi “Brightburn – O Filho das Trevas” (“Brightburn”, 2019) vai não só se inspirar nessa antiga versão do Superman como, através da iconografia heroica (com máscara e capa, só que agora vestindo o “Mal”}, jogar com a essência da galeria dos super-heróis dos EUA: a amoralidade, como uma “vontade de potência” que está acima do Bem e do Mal – tudo que é feito com uma boa intenção, não pode ser mau. É apenas o “destino manifesto”. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sexta-feira, julho 05, 2019

Mídia omite suicídio de empresário e ultrapassa fronteira entre jornalismo e propaganda

Telejornais da mídia corporativa simplesmente omitiram ou relegaram à categoria de "fatos diversos" a notícia mais relevante da última quinta-feira. Uma notícia que à opinião pública avaliar o atual estágio de crise social e econômica: diante do ministro de Minas e Energia e do governador do Estado, um empresário se matou com um tiro na boca em Simpósio do setor em Sergipe. Ato extremo diante da insolvência da sua empresa diante das dívidas do fornecimento de gás natural. Com os terremotos semanais da Vaza Jato, a grande mídia cruzou as fronteiras que separam o jornalismo da propaganda – passou a omitir tudo que, ou esteja fora do script da guerra semiótica criptografada (a usina produtora de crises Bolsonaro/Mídia e geradora de notícias dissonantes), ou que contradiga a atual estratégia de enaltecimento moral do empreendedorismo na massa de desempregados e desalentados: a fé de que é possível a força de trabalho se transmutar em capital com “otimismo”, “determinação” e superação”.

quinta-feira, julho 04, 2019

Onde acabam nossos sonhos em "O Homem Que Matou Dom Quixote"


Muitos críticos consideram um filme sem foco, confuso e bagunçado. Mas é uma bela bagunça. Depois de tentar realiza-lo por quase 30 anos em meio a mortes, processos e separações, finalmente Terry Gilliam conseguiu apresentar “O Homem Que Matou Dom Quixote” (2018), a mais autobiográfica produção de Gilliam. Um narcísico diretor de filmes publicitários reencontra com atores de um velho filme de conclusão de curso da faculdade sobre Dom Quixote, no interior da Espanha. Para reviver, entre delírios e realidade, a trajetória do herói de Cervantes com um velho ator que nunca mais saiu do personagem. O filme faz uma grande metáfora do destino dos nossos sonhos e fantasias nas linhas de montagem da Indústria Cultural. E como Terry Gilliam vê-se a si próprio como um Dom Quixote que usa a arte e a imaginação para tentar derrotar monstros e moinhos de vento da indústria do entretenimento.

terça-feira, julho 02, 2019

Como fugir da barbárie sem celulares e tablets em "À Espera dos Bárbaros"


Um grupo de seis pessoas está com medo: souberam através das redes sociais que os bárbaros estão chegando. Eles batem à porta da casa de um casal de magos, pedindo para se esconder do perigo iminente. Mas os magos impõem uma condição: deixar seus celulares e tablets num cesto na entrada, para iniciarem uma viagem iniciática e mística no presente e para o passado. Sem wi-fi e Internet, o grupo sente-se nas trevas – como saberão do avanço dos bárbaros sem Internet? Esse é o filme francês “À Espera dos Bárbaros” (“En Attendant Les Barbares”, 2017), de Eugène Green, uma experiência ao mesmo tempo documental e ficcional sobre nossa condição em um mundo tecnológico: a mídia está para nós assim como o peixe está para a água. Sem nossos dispositivos tecnológicos nos sentimos fora d’água. Mas esta não seria a oportunidade de nos religar com o outro e com a realidade? Filme sugerido pelo nosso leitor Fernando Câmara.

domingo, junho 30, 2019

Curta da Semana: "Dolls Don't Cry" - Somos fantoches em um mundo simulado


Premiado por melhor roteiro no Festival de Animação de Ottawa, o curta-metragem em “stop-motion” canadense “Dolls Don’t Cry” (Toutes Les Poupées Ne Pleurent Pas, 2017) nos apresenta a clássica cosmologia gnóstica ao convergir duas teses: o esotérico fascínio humano por fantoches, bonecos, robôs e autômatos e a hipótese do Universo como uma gigantesca simulação. Desde a antiga Alquimia, passando pelo cinema e animação, até chegarmos aos games de computador o homem simula a criação de mundos. Como se tentasse imitar Deus, simulando vidas. Por que esse fascínio? Será que tentamos nos tornar sencientes dentro de um Universo simulado no qual somos prisioneiros?

quinta-feira, junho 27, 2019

Vaza Jato, "aerococa" e a última cruzada da grande mídia



Tal como os violinistas do Titanic, a grande mídia sabe que terá que tocar a música até o fim – as instituições entraram em acelerado estado deterioração: o “aerococa” da comitiva de Bolsonaro, pego pela polícia espanhola, é apenas um pequeno indício. Diante da audiência com Glenn Greenwald na Câmara (verdadeira aula de jornalismo investigativo que valeu mais do que todos os congressos da Abraji), na qual o jornalista alertou que nenhuma intimidação evitará as publicações do site “Intercept” porque está amparado pela Constituição, a grande mídia sabe que chega rápido ao seu “vanish point” – as máscaras terão que desaparecer e o jornalismo ser rifado. Por isso que, paralelo à bomba relógio que representa a Vaza Jato, a grande imprensa vem se “ajustando” ao que está por vir: a última cruzada – afastamentos, demissões em massa e ameaças nas redações para manter os jornalistas firmes nas rédeas e antolhos.

terça-feira, junho 25, 2019

O Mal e o "pressuposto da privada" no filme "Aterrorizados"



Como todo bom filme de terror não falado em inglês, logo Hollywood se interessa rapidamente em fazer um remake. É o caso da produção argentina “Aterrorizados” (“Aterrados”, 2017) na qual acompanhamos o que poderiam ser espíritos e fenômenos poltergeist infernizando a vida dos vivos. Mas agora, não é uma casa mal-assombrada. É uma rua inteira em uma tranquila rua de classe média de Buenos Aires. E não o mal como aparentemente conhecemos: surge de ralos, canos e fendas de paredes. O filme joga com uma interessante metáfora de uma sociedade que acredita que se eliminar tudo aquilo que é incômodo, ele desaparece. Assim como quando apertamos o botão da descarga do vaso de um banheiro. Mas o reprimido retorna numa espécie de “pressuposto da privada”.

domingo, junho 23, 2019

Filme "I Am Mother" é o "Matrix" do século XXI?

“I Am Mother” (2019) é o “Matrix” do século XXI? Novamente vemos a humanidade se confrontando com sombrias inteligências artificiais. Dessa vez não estamos mais prisioneiros num mundo virtual. Mas agora numa “instalação de repovoamento” subterrânea após a extinção da espécie humana. Milhares de embriões congelados gerenciados pela “Mãe”, um androide com funções de criar, educar e amar os novos humanos que reiniciarão a História. A Mãe cria a primeira “Filha” que aos poucos descobrirá que nada é o que aparentar ser: Por que um androide “Mãe” com um design militarizado análogo a um Robocop? Por que a “Mãe” possui parâmetros morais tão utilitaristas? Por que apenas um embrião foi descongelado entre milhares? Mas a verdade virá lá de fora, do novo “deserto do real”.

sábado, junho 22, 2019

Do thriller ao horror gnóstico no filme "Um Grito na Noite"


Do título em português às sinopses, o filme holandês “Um Grito na Noite” (“Kristen”, 2015) parece mais do mesmo: um claustrofóbico thriller/horror sobre uma frágil mulher que, ao limpar a bagunça da festa de Ano Novo em um café, é ameaçada por telefone por um desconhecido que tenta invadir o estabelecimento para matá-la. Ela tem que descobrir quem está fazendo isso e o porquê? “Um Grito da Noite” parece mais um filme do subgênero “home invasion”. Mas tudo é uma aparência proposital do diretor Mark Weistra, enganando tanto o espectador quanto a protagonista – do horror de um corriqueiro thriller, aos poucos o tom da narrativa deriva para o fantástico e o surreal. O horror metafísico se impõe, com fortes elementos gnósticos: a inconsistência da realidade e um Demiurgo que apenas busca veneração das próprias vítimas.

quinta-feira, junho 20, 2019

Livro "A Morte da Verdade: a culpa é dos russos e pós-modernos

A Internet era um sonho do Vale do Silício, um paraíso inspirado na fé pela natureza humana criado por pioneiros tecnológicos. Então, apareceram “agentes mal-intencionados” que deturparam tudo com o pecado – fake news, pós-verdades, obscurantismo e preconceitos. Na capa do livro que nos conta essa história bíblica vemos uma serpente que se esgueira para fora de um balão de HQ. Essa serpente é Donald Trump e a chamada “direita alternativa”, ajudados por hackers russos. Mas também inspirados nos pensadores pós-modernos como Baudrillard e Derrida que teriam destruído a âncora filosófica da Verdade – a noção de Realidade, fazendo o Paraíso decair no niilismo e relativismo.  A crítica literária norte-americana Michiko Kakutani vai encontrar o pecado original das fake news nos hackers russos e pensadores do pós-modernismo no seu livro “A Morte de Verdade”. Kakutani revela um discurso que transforma não só a teoria das fake news em um novo rótulo do jornalismo corporativo no mercado das notícias. Também é uma forma ideológica de varrer para debaixo do tapete as mazelas da financeirização global, das "machine learnings" e algoritmos do Vale do Silício – a culpa é sempre dos russos e franceses...

terça-feira, junho 18, 2019

Vaza Jato do Intercept desperta o "demasiado humano" nacional


Finalmente o Brasil se moveu. Na falta das ruas ocupadas de forma contundente e com uma oposição confortável no “wishful thinking” do “quanto pior melhor”, foi preciso o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, com a retaguarda bilionária do gênio tech franco-americano Pierre Omidyar, para balançar as peças do xadrez político nacional. Por isso, a Vaza Jato parece ter despertado o nietzschiano “demasiado humano” naqueles que foram tirados do torpor: agora tenta-se encaixar aquilo que se vê na opinião que cada um tem de si - ou colocam sob suspeita o mensageiro, ou ansiosamente tentam criar teorias sobre a misteriosa fonte da equipe do Intercept Brasil. E se esquece da principal oportunidade que se abre: o conteúdo do vazamento e a investigação coletiva.
“O indivíduo quer geralmente por meio da opinião dos outros, certificar e fortalecer diante de seus olhos a opinião que tem de si”, escrevia o filósofo alemão Nietzsche na obra de 1878 “Humano, Demasiado Humano”. Texto que não só marcou a sua ruptura com o romantismo de Richard Wagner como também com o pessimismo de Schopenhauer, buscando libertar o espírito da “cupidez insatisfeita”.
Os vazamentos publicados pelo site Intercept Brasil, liderado pelo premiado jornalista Glenn Greenwald, não só revelaram as perigosas relações promíscuas entre Justiça, grande mídia, procuradores e Polícia Federal. Também despertou o “demasiado humano”, a que se referia Nietzsche, quando a bomba explodiu e espalhou estilhaços para todos os lados. 
                  Jornalistas, grande mídia, governo e os, outrora, super-heróis Moro e Dallagnol, todos agora tentam puxar “a brasa para sua sardinha”. Isto é, encaixar o “ruído” que perturbou a paz de cemitério da (a)normalidade nacional dentro das narrativas de cada um. Isto é, transformar o escândalo da Vaza Jato em oportunidade reforçar a opinião que cada um tem de si mesmo. 



Quem é o “Garganta Profunda”?

O curioso é que por todo o espectro político, da direita à esquerda, poucos parecem se deter no conteúdo das conversas vazadas do aplicativo Telegram. A maioria parece querer mesmo especular sobre quem é o “Garganta Profunda”: alguém a mando do STF querendo cortas as asas de Moro e República de Curitiba? Um hacker russo? Guerra híbrida do Deep State norte-americano para justificar um golpe militar no Brasil? Alguém de dentro da PF que por anos veio montando esse dossiê? Ação dos BRICS, coordenada pela Rússia, para evitar que o Brasil se torne um quintal dos EUA?
Como previsto, principalmente para a equipe do Intercept Brasil, Moro e Dallagnol pautam a grande mídia com a narrativa do crime cibernético. Tanto insistiram na criação desse roteiro que esqueceram de um detalhe: essa insistência estava fazendo-os esquecer do conteúdo das conversas comprometedoras.
O silêncio do ex-juiz e do procurador começava a soar como um atestado de autenticidade das informações vazadas. Então o ministro Sérgio Moro, fazendo sua tradicional cara de paisagem com os olhos perdidos no horizonte, passou a falar que “não vislumbrava nenhuma anormalidade” nas conversas vazadas e fugia de perguntas ou entrevistas.
Mais combativo, o procurador Dallagnol divulgou uma nota alarmista denunciando “invasão de celulares” dos procuradores do MPF. Uma “afronta grave e ilícita contra o Estado”, que a Polícia Federal já estaria monitorando há um mês – o que lembrou o clássico script dos atentados na Europa: sempre a polícia afirmava que “monitorava os suspeitos” há meses. O que não impedia dos supostos terroristas do ISIS explodir suas bombas, atropelar pedestres e largar (providencialmente!) qualquer documento de identificação nas proximidades dos incidentes.
                   Mas, se há uma afronta assim tão grave ao Estado, porque as vítimas Dallagnol e Moro não entregam seus celulares para que a Polícia Federal faça a perícia necessária?



Isso levou-os a mais uma contradição nas tentativas desajeitadas de dar algum tipo de resposta rápida à Greenwald e sua equipe. Sem uma narrativa verossímil, Moro ameaçou partir para as vias de fato: em entrevista publicada na última sexta-feira pelo Estadão, Sérgio Moro sugeriu que o Intercept Brasil estaria na mira da Polícia Federal. 
Em sua tradicional tergiversação em "juridiquês" (sempre tentando encontrar algum álibi para a ação política), Moro falou em “crime em andamento”, muito além do que uma “invasão pretérita” – Moro recorreria ao “estado em flagrante delito” e abriria o menu tão conhecido da Lava Jato: diligências, busca e apreensão, condução coercitiva e prisão preventiva.
O próprio pivô da Vaza Jato mandando prender o mensageiro dos vazamentos? Isso pegaria muito mal... mas, convenhamos, todos esses anos da Lava Jato e as condições que levaram o atual Governo ao Poder provam que o País já atravessou há muito o rubicão...

A aposta da Globo

E a Globo está pagando para ver. Mas não sua tensa equipe de colunistas e analistas, que teme ser sugada pelo rodamoinho dos vazamentos que comprovem as notórias relações promíscuas com fontes judiciárias e policiais. Sob as rédeas do jornalismo de ponto eletrônico, estão sendo obrigados a embarcar numa missão que pode definitivamente acabar com suas credibilidades.
                  Greenwald já havia feito uma parceria com a Globo na divulgação do material das informações vazadas por Edward Snowden. Em 2013 era interessante para a emissora bombar aqueles vazamentos em pleno JN: denunciar que a presidenta Dilma e Petrobrás eram as principais vítimas de espionagem eletrônica da NSA. Para a Globo, mais um ingrediente para acirrar o então clima de desestabilização política – mostrar a tibieza de um governo em descontrole.



Mas agora não. Simplesmente porque a principal arma para a desestabilização política, cuja etapa mais contundente começava naquele ano, era a Lava Jato. Depois de tantos anos, a Globo não pode dar uma guinada de 180 graus na narrativa do combate à corrupção.
Mesmo ao custo de (para criar a percepção popular da ilegalidade da Vaza Jato) inventar o bizarro personagem do senhor Hacker que faria parte de um amplo ataque contra políticos e o próprio Estado. Em rede nacional, com direito a uma caprichada arte, o JN nos apresentou um educado hacker conversando com o hackeado (!), o procurador José Rovalim Cavalcante... um hacker educado, com português corretíssimo, sem ideologias, apartidário e ressaltando o bem que fez ao País a Lava Jato...
                   Além disso, narrativa do crime cibernético se encaixa perfeitamente à natureza tautista da Globo: ameaçada pelas tecnologias e mídias de convergência (ao lado do rentismo, seu ganha-pão ainda é a TV aberta – vender espaço publicitário em troca de entretenimento), costumeiramente em seus telejornais a pauta que envolve Internet e celulares sempre foi negativa: para a emissora, Internet, redes sociais e celulares são sinônimos de crime, vício, piratas e pedófilos.
                    É uma aposta alta. Não só poderá ficar mais uma vez para trás na História (como foi no episódio das Diretas Já nos anos 1980), como também poderá implicar no sacrifício de seus profissionais, pegos com a boca na botija pelos vazamentos do “Senhor Garganta Profunda”. E repetir o episódio da punição ao repórter esportivo Mauro Naves – responsabilizar incautos jornalistas individualmente por falha ética, por um modus operandi que é do próprio jornalismo global – clique aqui.


O bilionário Pierre Omidyar: instrumento de guerra híbrida?

Quinta coluna

E na outra ponta, mais à esquerda do espectro político, também o demasiado humano se revela: blogs “quinta coluna” criam uma outra narrativa – a de que Glenn Greenwald é mais instrumento de guerra híbrida do Deep State norte-americano. Uma partitura “made in CIA” para fazer a esquerda entrar no coral diversionista e criar um novo “incêndio do Reichstag” que criaria o álibi para o definitivo golpe militar brasileiro.
Afinal, “hackers russos” estariam por trás de tudo, disparando os alarmes das casernas. Para os EUA, pouco importaria o cenário interno da política brasileira. O mais importante é o xadrez geopolítico mundial de combate à China...
Greenwald seria suspeito. Afinal, por trás do Intercept, está o bilionário franco-americano Pierre Omidyar, fundador do eBay e do grupo de mídia progressista First Look. Cujo principal veículo é o portal de notícias Intercept. Considerado a “menina dos olhos” do bilionário gênio tecnolológico. Recluso e pouco dado a entrevistas, Omidyar fez um aporte de 250 milhões de dólares no portal em 2013 com o objetivo de fazer, segundo ele, um jornalismo “mais independente” do que o da concorrência.  
                  Mas o fato é que Greenwald com o seu “Garganta Profunda” fizeram, finalmente, o Brasil se mover.



Na falta das ruas ocupadas com manifestações contundentes (ou, como fala o jornalista Mino Carta, “sangue escorrendo pelas calçadas”) que criassem o transe de um país ingovernável (semelhante ao ataque mortal que a guerra híbrida desferiu contra o governo Dilma), e com uma oposição que mais parece apostar no quanto pior melhor e na confortável "Síndrome de Brian" (clique aqui), foi necessário um jornalista norte-americano para por em movimento o xadrez político nacional.
Essa foi a questão que despertou o “demasiado humano” dos personagens que outrora pareciam confortavelmente paralisados. Por todos os lados, ou colocam sob suspeita o mensageiro, ou ansiosamente tentam criar teorias sobre a misteriosa fonte da equipe do Intercept.
Cada um tenta se realinhar, procurando encaixar a Vaza Jato na própria narrativa pessoal. Em termos nietzschianos, certificar-se de que o que tem diante de si possa reforçar a opinião que cada um tem de si mesmo.
Enquanto o mais importante é esquecido: a investigação coletiva – cruzar cada dado dos vazamentos com os fatos e contextos dos últimos anos.

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sábado, junho 15, 2019

Um ensaio poético sobre a morte e perdas em "Onirica"


“Onirica” (2014), do diretor e poeta polonês Lech Majewski, é uma produção que entra na categoria de “filme estranho”: com densas linhas de diálogo filosóficas, inspirado na “Divina Comédia” de Dante Aligheri e uma narrativa surreal e enigmática, acompanhamos a história de Adam – ele perdeu em um acidente de carro aqueles que mais amava e agora se encontra perdido entre a realidade e os sonhos com fortes simbologias sobre Deus, pecado e redenção. Sem encontrar na religião uma explicação para a impotência humana diante da perda e da morte, Adam encontrará na filosofia de Heidegger e Sêneca a redenção que o levará do Purgatório ao Paraíso.

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