terça-feira, julho 31, 2012

A materialidade das produções midiáticas (parte 2): as "acoplagens"

Quais as diferentes “acoplagens” que os receptores têm com as diferentes mídias? Ao longo da história da comunicação, cada mídia criou um diferente regime de recepção (temporal e espacial). Oralidade, manuscrito, escrito até chegarmos ao impresso, cada uma dessas mídias criou uma cultura própria que altera a recepção, assimilação e compreensão de conteúdos. Discos de vinil e CDs foram os últimos representantes da “acoplagem” inaugurada pela cultura tipográfica que será desmaterializada pela cultura digital do mp3.

Sendo as materialidades da comunicação “a totalidade dos fenômenos que contribuem para a constituição do sentido sem serem, eles próprios, sentido”[1], vamos fazer uma breve análise de como os diferentes suportes (indiciais, icônicos e simbólicos) produzem distintas formas de interações ou “acoplagens” entre o usuário e a mídia, alterando os regimes de produção de sentido: as relações entre enunciado e enunciação, a natureza do discurso e a própria experiência temporal. Isso poderá ser mais drasticamente observado na passagem das mídias icônicas para as simbólicas, ou seja, dos processos de inscrição analógicos para as digitais. Aqui, novamente, poderemos constatar a crise das noções de referência, tempo e totalidade descritas por Gumbrecht.

segunda-feira, julho 30, 2012

A vida antes das redes sociais no filme "Denise Está Chamando"

Por que um filme premiado em Cannes com o “Caméra D’Or” como “Denise Está Chamando” (Denise Calls Up, 1995) foi sendo pouco a pouco  esquecido nas prateleiras de VHS das locadoras pelas novas gerações? Talvez porque a narrativa tragicômica sobre alienação e estranhamento com o telefone tenha se tornado incompreensível para uma geração que euforicamente abraça as redes sociais onde a diferença entre noções como “presencial” e “simulação da presença” desapareceram. O filme é sobre uma geração onde telefone, secretárias eletrônicas e fax começavam a substituir as relações presenciais: sexo, morte e nascimento são eventos experimentados pelos personagens exclusivamente através do telefone com um mix de culpa e estranhamento. A comparação com o atual filme “A Rede Social” torna-se inevitável.

Estamos na era do e-mail, das chamadas telefônicas em espera, das secretárias eletrônicas e fax da chamada Geração X. É a década de 1990, uma época em que a comunicação não presencial começa a substituir a comunicação interpessoal: jovens que vivem em seus confortáveis isolamentos diante das telas de seus laptops imersos em trabalho, workhólics que não precisam mais encarar face a face amigos ou inimigos.

Embora o filme conte a estória de sete personagens, o principal personagem é mesmo o telefone. Todos são capazes de experimentar eventos relacionados com sexo, nascimento e morte (talvez as principais experiências de uma existência) através do telefone, sem qualquer contato interpessoal ao longo da narrativa. Todos experimentam um misto de culpa e alienação por nunca conseguirem ou, pelo menos, terem disposição para travar encontros presenciais. O trabalho é sempre a desculpa.

“Denise Está Chamando” é um filme sobre a geração pré-redes sociais onde havia um mal-estar nas comunicações impessoais. Ao contrário da atualidade onde isso desapareceu com os avatares, emoticons e eventos partilhados em fãs pages que criam a ilusão de participação e comunidade.

A materialidade das Produções midiáticas (parte 3): as desreferencializações

Imagine uma pessoa chegando a um restaurante. Ela pede o cardápio e começa a comer os signos dos pratos (as fotos) ao invés dos referentes (as comidas que são representadas no cardápio). Pois algo parecido ocorre nas mídias eletrônicas e digitais: passamos a tomar ícones, imagens e a própria tela como fosse o próprio real e não mais uma representação, como tínhams consciência nas mídas anteriores. O resultado é que nas novas tecnologias paradoxalmente as mídias atuias retornarão a muitas características das formas presenciais e orais de comunicação. As consequências encontraremos em diversos gêneros televisivos e digitais.


Como afirmamos na postagem anterior (veja links abaixo), a produção imagética eletrônica e digital, aparentemente icônica, podemos classificá-las como simbólicas. Se o signo simbólico caracteriza-se pelo corte semiótico, ou seja, a transferência da coisa para o signo, a autonomia e o desligamento do mundo significante, encontramos esta característica nas mídias das novas tecnologias. A relação contígua com objeto presente tanto na fotografia como no cinema desaparece nas tecnologias eletrônicas e digitais. O objeto é trans-codificado ou transcrito para a cadeia algorítmica dos significantes digitais. 

Aqui não encontramos nem a contigüidade e nem a similaridade icônica. Cores, tonalidades, luzes e sombras são convertidas para CDs e discos rígidos em seqüências de dígitos ou algoritmos. Temos a relação semiótica arbitrária dos símbolos com os traços sensíveis do objeto. Abertos estes arquivos numa tela de computador, temos a simulação de uma imagem a partir de uma matriz numérica.

Mesmo na TV temos a simulação através do bombardeio de raios catódicos nos pixels do tubo de imagem, originados a partir do sinal hertziano proveniente do rastreio eletrônico de uma imagem contiguamente criada na câmera dentro do estúdio. Tanto nas mídias eletrônicas como digitais temos a recriação ou transcrição do objeto, seja em pixels ou em algoritmos. Esta categoria de simulação é central para compreendermos a natureza crítica das novas tecnologias de comunicação.

sexta-feira, julho 27, 2012

Sobre coincidências e sincronicidades

Da esquerda: James Holmes, o atentado ao WTC em 2001
e Mateus Meira (o "maníaco do Shopping) em 1999
Coincidências que são encontradas diariamente em eventos extremos como o massacre do Colorado têm acendido a imaginação política dos teóricos de conspirações e a imaginação sociológica das discussões acadêmicas. Apesar de opostos, ambos os lados tentam encontrar uma causalidade secreta que explique os efeitos, de Iluminatis à cultura da violência. Mas e se eventos como esse não tiverem “causa” e serem a parte com maior visibilidade midiática de uma dinâmica cotidiana e sincrônica que nos envolve assim como o ar que respiramos? Um “oceano de pensamentos” que por determinadas condições sedimentam-se em egrégoras e arquétipos capazes de produzir “conexões significativas”.

Quanto mais nos aprofundamos no caso do massacre do Colorado, mais informações e “coincidências” aparecem por todos os lados obrigando a quem pesquisa fenômenos comunicacionais a ter que admitir: as atuais referências teóricas e metodológicas não conseguem dar conta de fenômenos extremos como esse.

Percebe-se que essas coincidências têm acendido a imaginação política dos teóricos da conspiração e a imaginação sociológica de muitos pesquisadores acadêmicos. Todos parecem estar procurando a causalidade secreta, o elo perdido dos eventos: a questão da regulamentação de armas, Iluminatis, misteriosos projetos governamentais de controle mental, assassinatos rituais ocultistas, cultura da violência, sociedade de consumo etc.

Das intrincadas maquinações dos teóricos da conspiração às pesquisas científicas acadêmicas, todos têm um mesmo denominador comum metodológico: a busca das relações causa-efeito – uma sociedade secreta, uma disfunção social, uma patologia mental endêmica e assim por diante.

Mas será que eventos extremos como esse têm uma “causa”? E se os fatos forem a parte mais visível, midiática e sensacionalista de uma fenômeno cotidiano, “atmosférico” ou sincrônico que envolve a todos assim como o ar que respiramos?

quarta-feira, julho 25, 2012

Adendo ao post "O Coringa e o massacre do Colorado"


Nosso leitor Felipe Cardoso enviou para nós essa incrível "coincidência".

Após James Holmes, de 24 anos, matar 12 espectadores durante a estreia do último filme do Batman, em Aurora, no Estado do Colorado, muitos fãs das histórias em quadrinhos notaram a tétrica semelhança entre o massacre e um capítulo da HQ lançada em 1986 "Cavaleiro das Trevas" ("The Dark Knight Returns"), de Frank Miller. 


Na publicação, o personagem Arnold Crimp, visivelmente fora de si, entra em um cinema armado e atira contra a plateia.



Isso é mais do que um exemplo do célebre provérbio de que “a vida imita a arte”. Apenas comprova o aforismo de que “os pensamentos são coisas”. É difícil conceber outro lugar onde pensamentos, arquétipos, mitos, lendas e fatos históricos podem se cristalizar, sedimentar e misturar do que a indústria do entretenimento. Outrora era a Religião. Hoje são os produtos midiáticos, com uma diferença: a tecnologia de irradiação, tanto física como mental.

terça-feira, julho 24, 2012

O Coringa e o massacre do Colorado

“Os pensamentos são coisas”
(antigo aforismo oriental)

Desde que o ator Jack Nicholson falou “Eu o avisei!” após a morte do ator Heath Ledger pouco depois de interpretar o Coringa no filme “Batman: o Cavaleiro das Trevas”, estranhas “coincidências” passaram a cercar esse personagem. Nicholson havia interpretado o Coringa em versão anterior do Batman do diretor Tim Burton. Parecia que ele já havia experimentado a estranha força desse personagem, espécie de alter ego invertido do protagonista Batman. O massacre provocado por um atirador na estreia do novo filme do Batman em um cinema em Aurora, Colorado (EUA), reabre essa discussão: será que esse episódio é um eco de uma realidade mais profunda que se tenta esconder?

James Holmes foi preso pouco depois dos disparos e afirmou ser o Coringa para os policiais. O fato de que muitos fãs foram fantasiados à estreia de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, permitiu ao agressor passar despercebido com máscara de gás e uma escopeta AR-15.

O próprio pai de Heath Ledger, Kim Ledger, apressou-se a dizer que “não devemos culpar Heath Ledger ou o personagem”. A pressa com que Kim Ledger fez essa declaração e o próprio interesse imediato dos jornalistas em saber o que ele pensava sobre tudo isso revelam um ato falho: há algo de mais profundo nesse episódio, para além do controle de armas e munições. Ainda estamos em uma discussão sobre as relações de causa-efeito. A “loucura” de Holmes encontrou farta disponibilidade de armas e bombas para se materializar. Mas fica em suspenso a questão: que espécie de “loucura” é essa?

Dentro do histórico de atiradores e serial killers na cultura norte-americana, dois elementos chamam a atenção: primeiro, o atirador não se matou (ou pelo menos não houve tempo para isso); segundo, faltou o elemento narcísico: o atirador não deixou nenhum vídeo destinado à divulgação pelas mídias sobre “explicações” do porquê do seu ato. Parece que o caso do massacre do Colorado não se enquadra no script de casos anteriores como Columbine. Podemos formular uma hipótese: e se esse caso do Colorado for a expressão mais dramática e mortal de um fato que é mais corriqueiro do que imaginamos? Explicando melhor, será que Holmes levou a sua performance ao extremo em uma sala de cinema onde muitos estavam fantasiados com os personagens do filme Batman? Ele levou à sério demais seu personagem?

segunda-feira, julho 23, 2012

Um passeio pelo consumo subliminar no curta "Supermercado"

Finalista do “Vimeo Awards 2012” o curta-metragem brasileiro “Supermercado” faz um bizarro tour em um centro de compras onde um consumidor “surta” e transforma-se em um imundo “monstro” que passeia calmamente empurrando seu carrinho de compras diante de clientes perplexos. O que os publicitários chamam de identificação do consumidor com o produto e a marca, o curta leva às últimas consequências: a revelação de que grandes centros de compras como supermercados são locais de manipulação subliminar tanto da arquitetura quanto da percepção.

Entramos em um supermercado através de um plano sequência pelo ponto de vista do interior de um carrinho de compras. Passamos pelos corredores formados pelas gôndolas de produtos. A lente em grande angular só reforça a poluição visual da parafernália de cores, displays e embalagens. Um homem todo vestido de branco empurra esse carrinho. Ele se detém diante de uma prateleira de refrigerantes, pega uma pet, abre e despeja o conteúdo calmamente na cabeça.

Esse é o início do curta-metragem brasileiro “Supermercado” que foi um dos finalistas do “Vimeo Awards 2012”. Seus realizadores Eduardo Srur e Fernando Huck descrevem o curta como “uma intervenção no supermercado que caminha por várias nuances, do prazer absoluto a repulsa total, um surto dentro de uma prisão chamada consumo. O espaço público é utilizado como palco da subversão e dialetiza com os consumidores de forma pacífica, mas contundente.

De fato, o protagonista “surta”: despeja em sua cabeça camadas e mais camadas de achocolatados, mostarda, creme de leite e assim por diante, até adquirir a aparência de um monstro imundo no ambiente asséptico de um  supermercado. E continua calmamente empurrando seu carrinho diante de perplexos clientes.

Embora o argumento do curta-metragem baseie-se em clichês psicologizantes das tradicionais análises sobre o consumismo (o consumidor como um ser passivo e indefeso, a sociedade de consumo como uma prisão – reforçada pelo ponto de vista interno do carrinho que faz uma analogia com as celas de uma prisão, etc.), a narrativa apresenta interessantes insights acerca do verdadeiro espaço subliminar que é um supermercado.

quinta-feira, julho 19, 2012

Uma dura lição para as crianças em "A Era do Gelo 4"

Culpa, renúncia e sacrifício são as palavras-chave dessa continuação da franquia “Era do Gelo”. Comparado com os episódios anteriores da série os temas dessa continuação parecem ser mais duros, sérios, como se tivesse uma mensagem para todos: se preparem para os tempos difíceis que virão e mantenham a família e amigos juntos e disciplinados! Por isso, a alusão que a narrativa faz ao épico da Antiguidade “Odisséia” de Homero não é mera coincidência: assim como Homero ajudou a modelar a cultura grega ao se apoderar dos mitos e submetê-los à astúcia racional de Ulisses, da mesma forma “A Era do Gelo 4” (Ice Age: Continental Drift, 2012) organiza os medos e mitos do imaginário infantil para submetê-los à necessidade civilizatória da repressão.

Férias escolares com chuva e frio. Em metrópoles como São Paulo uma das poucas opções nessas situações são os shoppings e seus cinemas multiplex. Pelas associações (chuva, água e frio) veio a ideia de levar os filhos para assistir “A Era do Gelo 4”.

Dessa vez o trio central de amigos (o mamute Manny, o tigre dente-de-sabre Diego e o bicho preguiça Sid) vai enfrentar uma gigantesca catástrofe geológica: a separação dos continentes provocada pelo esquilinho Scrat na sua busca incansável pela noz. A estreita faixa de terra e gelo em que vivem está sendo empurrada para o oceano por um gigantesco paredão de rochas. A única chance de sobrevivência é escapar por uma ponte de rochas e terra vislumbrada no horizonte. É o início da fuga de todos os animais liderados pela família de mamutes protagonistas. Para complicar, Amora, filha de Manny e Ellie, está na adolescência e naquela fase de busca da própria independência e desafiando a autoridade dos pais.

Amora sente-se atraída por um jovem mamute que pertence a um grupo de “rebeldes” que sempre estão em lugares perigosos para viverem experiências de diversão radicais pouco recomendadas pelos pais. Situação suficiente para criar diálogos conflituosos como “eu queria que você não fosse meu pai!” que precederá a uma grande avalanche que separará a família: Manny, Diego e Sid cairão no oceano sobre um imenso bloco de gelo cuja corrente oceânica os levará para longe de Amora e Ellie.

Amora se sentirá culpada pelo desaparecimento do pai depois de ter dito palavras tão duras, enquanto Manny e seus amigos empreenderão uma épica luta enfrentando piratas e outras ameaças para poder retornar à família ameaçada pela catástrofe.

Culpa, renúncia e sacrifício são as palavras-chave dessa continuação da franquia “Era do Gelo”. Comparado com os temas dos episódios anteriores da série (o valor da amizade, respeito às diferenças, a coragem e a ajuda ao próximo), os temas dessa continuação parecem ser mais duros, sérios, como se tivesse uma mensagem para todos: se preparem para os tempos duros que virão e mantenham a família e amigos juntos e disciplinados!

terça-feira, julho 17, 2012

"Ad-Gnose: a Engenharia do Espírito na Publicidade" será discutida na COMUNICON 2012

Foi aceito o resumo expandido de um artigo científico desse humilde blogueiro submetido à comissão de avaliação do II Congresso Internacional Comunicação e Consumo - COMUNICON 2012, evento que será realizado nos dias 15 e 16 de outubro na Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo com o tema “Comunicação, Consumo e Ação Reflexiva: caminhos para a educação do futuro” (clique aqui para ver a programação). O resumo expandido refere-se ao artigo “Ad-gnose: a engenharia do espírito na publicidade”.

O artigo será apresentado dentro do Grupo de Trabalho"Comunicação, Consumo e Cultura Contemporânea; Imagem, Cidade e Juventude"

“Ad-gnose” foi um conceito criado a partir das pesquisas nesse blog sobre a linguagem publicitária contemporânea: as estratégias publicitárias atuais estão para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias compulsivas ou impulsivas. Atualmente busca-se um nível mais profundo: o repertório da simbologia arquetípica da espécie humana. A fase “Este é o produto, agora compre-o!” foi deixada no passado para, em seu lugar, consolidar-se a prospecção dos simbolismos mais profundos da alma humana que procura apresentar o consumo como uma experiência espiritual de autoconhecimento.

A Publicidade parece que assimilou todas as críticas feitas a ela ao longo da história (consumismo, superficialidade, frivolidade, materialismo etc.) e procura demonstrar que mudou, se espiritualizou e não vê mais o consumo como mero ato de aquisição, mas de enriquecimento espiritual.

É claro que esse conceito de “Ad-Gnose” (advertising + "gnosis", iluminação espiritual) é crítico e irônico: buscar a experiência espiritual (a transcendência) numa troca econômica (imanência) que pressupõe todo um sistema econômico e político que se impõe como um princípio de realidade é, na verdade, confinar as aspirações contidas nos arquétipos, transformando-as em dócil e resignada motivação para o consumo.


Leia abaixo o resumo expandido do conteúdo a ser discutido na COMUNICON 2012:

Demiurgo prisioneiro do tempo em "Crimes Temporais"

Como fazer um filme sobre um tema tão revisitado e com tantas versões como viagem no tempo? Na época estreando em longa-metragens, o espanhol Nacho Vigalondo, escreveu e dirigiu o filme “Crimes Temporais” (Los Cronocrimenes, 2007) que dá uma resposta criativa e inovadora ao gênero ao misturar o voyeurismo de Hitchcock no clássico “Janela Indiscreta” com uma curiosa sacada metalinguística onde o diretor faz o próprio cientista que perde o controle de uma experiência temporal – cientista, roteirista e diretor, todos demiurgos prisioneiros de limites análogos: na Física as leis da entropia e inércia; no roteiro, as regras narrativas e a verossimilhança. Física e roteiro governados pelo mesmo inimigo implacável: o Tempo.

Após ser indicado para o Oscar em 2004 com seu curta “7:35 De La Mañana”, o diretor e roteirista espanhol Nacho Vigalondo  pôs em prática seu projeto de filmar um “roteiro enlouquecido sobre viagens no tempo com muitos paradoxos temporais que jamais imaginava que pudesse realizá-lo”. Uma estória intrincada sobre viagem no tempo com escassos deslocamentos espaciais e temporais: deslocamentos ao passado de uma hora com toda ação acontecendo dentro de um espaço limitado a um quilômetro.

Vigalondo inspirou-se em uma cena do filme “De Volta Para o Futuro 2” (Back To The Future 2, 1989) onde Michael Fox tem que se esconder do seu próprio “eu” futuro para montar um roteiro com três pistas narrativas (com a possibilidade final de uma quarta!). Um homem de meia idade chamado Hector (Karra Elejalde) muda-se com sua esposa Clara (Candela Férnandez) para uma casa em uma região rural de Cantábria no norte da Espanha.

Enquanto estão às voltas com móveis, tintas e reformas, Hector tem sua atenção despertada para um bosque. Pegando um binóculo no meio das caixas da mudança, Hector concentra-se naquela área vizinha e descobre que uma bela jovem está tirando a roupa por trás das árvores. Aproveitando que Clara saiu de carro para comprar alimentos para o jantar, guiado pelo impulso de curiosidade e atração sexual, Hector vai até o bosque para encontrar a desconhecida mulher. Hector acaba encontrado-a deitada, nua e desfalecida até ser atingido por um golpe no braço com uma tesoura desferida por uma estranha figura com a cabeça envolvida por ataduras vestindo um pesado casaco negro.

sábado, julho 14, 2012

Vidro e cultura da interface em "A Day Made Of Glass"


O vidro talvez tenha sido um dos objetos que mais representaram a Modernidade na arquitetura, design e decoração. Da transparência, passando pelo fumê e espelhado dos shoppings e mansões dos novos ricos, hoje chegamos à opacidade definitiva – a conversão em tela touchscreen. O curta publicitário “A Day Made Of Glass” apresenta de forma sintética a ideologia por trás dessa transformação do vidro em interface: da transparência como uma janela aberta para o mundo e para si mesmo (telescópios e espelhos), o vidro transforma-se em tela onde ícones e diagramas fazem a mediação com o real criando a ilusão de controle e funcionalidade. Cada vez menos nosso interesse em objetos, pessoas e eventos é orientado pela curiosidade da descoberta, e muito mais pelo interesse operacional e logístico.

Como será o futuro? A Corning, uma empresa norte-americana que fabrica vidros protetores de alta resistência, produziu um curta chamado “A Day Made Of Glass” (Um Dia Feito de Vidro) com cenários futuros do que seria o dia-a-dia das pessoas: como será a interação da humanidade com os eletrônicos através de interfaces de vidros, logicamente produtos da empresa. Para a Corning os dispositivos touchscreen serão parte integrante do cotidiano, não apenas em computadores, mas em celulares, espelhos no banheiro, fogões, outdoors.

Curtas como esse, ainda mais publicitários, são sempre muito interessantes porque estamos diante de um produto cultural altamente concentrado e sintético: retórica, ideologia e visão de mundo sintetizados em um curto espaço de tempo. Por isso, torna a visão de mundo ideológica explícita, sem as camadas de linguagem como nos filmes longa-metragem.

Além dos aspectos retóricos evidentes da linguagem publicitária (os planos e fotografia lembram um grande comercial da família feliz com cereais matinais e os personagens elaborados a partir dos tipos ideais que lembram os modelos sorridentes da cidade de “Seaheaven” do filme “Show de Truman”), o que chama atenção é que o vídeo não é uma “visão de um futuro próximo”. É na verdade um wishfull thinking, isto é, uma projetação em um futuro hipotético dos próprios desejos da empresa Corning no presente. O que torna esse vídeo não uma utopia (o vislumbre de novos mundos diferentes dos atuais), mas uma “atopia”: o futuro como uma espécie de metástase da visão de mundo pré-existente.

quinta-feira, julho 12, 2012

Góticos, darks e emos vagam pelos shoppings

O poder dos símbolos e divindades pagãs é estetizado há décadas pela indústria do entretenimento, por exemplo, através do imaginário dark, gótico ou de todo um "sub-zeitgeist" que fascina sucessivas gerações. Seria o sintoma ao mesmo tempo de tendências depressivas principalmente de jovens e adolescentes e do anseio pela "experiência religiosa imediata". Com o esvaziamento da mitologia política, temos agora o Sagrado e o Religioso como um novo imaginário para canalizar a angústia por transcendência do jovem.




"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (Theodor Adorno)

Recentemente os alunos da disciplina de Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi produziram seus primeiros Argumentos e Sinopses, apresentando oralmente suas produções na sala de aula. Uma característica recorrente nos argumentos das narrativas apresentadas me chamou a atenção: de 14 estórias apresentadas, quase a metade se inseriam em um imaginário gótico e místico, recheado de simbologias alquímicas, protagonistas esquizofrênicos que não distinguem ilusão de realidade, lugares subterrâneos e mundos paralelos atacados por vampiros etc.

Estórias cujos protagonistas em geral adolescentes, que levam uma vida normal até descobrirem que têm estranhos poderes e que são observados secretamente por entidades sombrias. Por que jovens com idades em torno dos 20 anos são fascinados por esse imaginário dark, com tonalidades ao mesmo tempo depressivas e épicas?



É marcante o constante revival entre jovens deste universo que ao longo das décadas assume diversos rótulos. 

quarta-feira, julho 11, 2012

Terrorismo e a propaganda política no filme "Iron Sky"

Imagine uma co-produção finlandesa, alemã e australiana que mistura “Star Wars”, bases lunares nazistas, filme “Independence Day”, a republicana Sarah Pallin na presidência dos EUA, Naziexploitation e um astronauta negro símbolo do marketing político dos republicanos que cai nas mãos dos nazistas lunares para ser embranquecido e tornar-se ariano por médicos da SS. Pois essa combinação delirante foi premiada no Festival de Cinema Fantástico de Bruxelas e no Festival de Berlim. É o filme “Iron Sky” (2012). Pode parecer um pastiche de inconsequente humor negro, mas por trás dessas camadas de puro absurdo estão interessantes insights sobre o terrorismo de Estado e propaganda política além de fazer refletir sobre a natureza das teorias conspiratórias contemporâneas.


“De onde somos? Da Terra. E quando nós saímos? 1945. E para onde nós fomos? Para o lado escuro da Lua!!! Salve Hitler!” Essa é uma das primeira sequências de “Iron Sky” onde acompanhamos  uma aula na escola infantil dentro de uma gigantesca base lunar com tecnologia e arquitetura retro e com astronautas trajando roupas que parecem ter saído de algum brechó temático da II Guerra Mundial. Mas é uma base lunar para onde os nazistas fugiram após a invasão Aliada na Alemanha no final da Guerra para se esconder no lado escuro da Lua. Lá planejam a grande invasão à Terra para construir dessa vez o IV Reich.

Tudo vai bem até serem incomodados com a chegada do primeiro astronauta americano naquela região, James Washington (Christopher Kirby), em uma missão que é um produto da propaganda política de uma ultraconservadora  Sarah Palin (“Um Negro na Lua. Sim! Ela Pode!” – é o slogan da campanha da presidenta à reeleição). Prisioneiro, os nazistas roubam seu celular e descobrem uma tecnologia muito mais avançada que pode colocar em ação a maior de todas as armas: a gigantesca nave “Crepúsculo dos Deuses” – uma espécie de “Estrela da Morte” como no filme “Star Wars”.

Mas a bateria do celular acaba. Eles precisam de outro celular. Decidem enviar um pequeno grupo à Terra, junto com o astronauta James que, submetido aos tratamentos dos médicos da SS, torna-se ariano (!) – em uma hilariante referência ao filme “Dr Fantástico” de Kubrick, constantemente seu braço direito quer fazer a saudação nazi, mas é contido pelo esquerdo...

domingo, julho 08, 2012

A história secreta da Moda e dos manequins



Os modernos manequins nas vitrines dos shoppings são herdeiros de uma longa tradição do fascínio humano por bonecos, fantoches, autômatos e demais simulacros humanos. Esse fascínio teria suas origens mágicas e herméticas na Teurgia e Alquimia. Se isso for verdadeiro, a história dos manequins revelaria uma nova narrativa sobre a Moda que vai além dos tradicionais discursos antropológico e semiótico/linguístico. Uma narrativa que descreveria a história de como o corpo humano foi ao poucos transformado em um “golem” (o “não formado”): um corpo inanimado à espera de um Espírito (o “Estilo”) que lhe traga a vida.

sexta-feira, julho 06, 2012

O que há em comum entre a fotografia e o dinheiro?

Com essa pergunta não queremos falar sobre a profissionalização da fotografia ou sobre os conflitos entre a arte e a mercantilização. Estamos mais interessados em encontrar as semelhanças entre essas duas invenções no plano do imaginário social. Devido à função de representação que eles carregam (representar o real e a riqueza), a sociedade investe neles um alto valor moral: respectivamente objetividade e verdade; gratificação pelo empreendimento pessoal. Porém, a "obesidade" tecnológica parece inverter essa função ao reservar à fotografia e ao dinheiro o destino da dissimulação, simulação e hiper-realidade.

A fotografia e o dinheiro talvez sejam as principais bases imaginárias do Capitalismo. A primeira foi a invenção que deu início de toda a civilização da imagem, do espetáculo e das celebridades; e o segundo foi o instrumento para a criação de um princípio geral de equivalência, troca e unidade contábil através da qual todas as qualidades (objetos, valores, desejos e até sentimentos) podem ser quantificadas em um sistema de calculo universal.

A invenção da fotografia se desdobrou em uma série de subprodutos: fotojornalismo, foto publicitária, fotografia de viagem, retratos, foto-arte etc.; e o dinheiro em papel-moeda, cheque, crédito, dinheiro digital etc..

Embora gêneros de diferentes mundos (o cultural e o econômico) capazes de assumirem diferentes formas, um princípio único e mais básico os torna comuns: ambos são exemplos do primado da ordem da representação no Ocidente. Esse “partido da representação” pode ser formulado da seguinte maneira: em toda e qualquer forma de representação alguma coisa se encontra no lugar de outra coisa. Representar significa o outro do outro. Seriam exemplos do desejo humano em simbolizar, representar o que vê, o que sente e o que produz.

Tanto a fotografia quanto o dinheiro partilham de um poder de representação, isto é, a existência de uma relação semiótica de similaridade entre o negativo ou a foto impressa com o referente “real” ou uma relação semiótica simbólica entre um pedaço de metal ou plástico com uma quantidade de riqueza econômica correspondente.

terça-feira, julho 03, 2012

Filme "Eva": o que você vê quando fecha os olhos?

A chamada “senha sagrada”, a pergunta “o que você vê quando fecha os olhos?”, é uma bomba lógica e fatal para os robôs no filme espanhol “Eva” (2011), usada em situações extremas quando o robô deve ser imediatamente “desligado”. Com temática semelhante a “I.A.” (2001) de Spielberg, o diretor Kike Maíllo evitou os clichês dos mundos sombrios, pós-apocalípticos e distópicos para colocar a questão em um futuro próximo ao focar os robôs dentro do problema central da inteligência artificial: a lógica linear e binária dos robôs não consegue entender os paradoxos lógicos como o que está contido nessa pergunta fatal. Sem vida interior os robôs somente enxergam a escuridão. Isso até tentarem fazer um robô especial que seja capaz de ver a Luz da consciência, mas com perversas consequências. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.

“EVA” é um desses filmes difíceis de serem resenhados porque qualquer coisa que se escreva sobre ele corre o risco de transformar-se em um grande spoiler, matando a graça da narrativa. Isso porque o filme consegue realizar uma coisa que é o sonho de todo roteirista: uma narrativa bem amarrada a partir de um gancho perfeito. No caso de “Eva” o gancho é uma pergunta denominada por um dos personagens como “a senha sagrada”: “O que você vê quando fecha os olhos?” Uma pergunta que somente pode ser formulada a um robô em casos extremos, quando não resta outra alternativa. Em quais casos extremos? Quando robôs irremediavelmente se danificam, algumas vezes a ponto de ameaçarem seres humanos. Ao ouvir a pergunta, o robô imediatamente entra em colapso e desliga.

Em um futuro bem próximo, Alex Garel (Daniel Brühl – “Adeus Lênin” e “Bastardos Inglórios”) é um famoso programador de robôs que retorna à sua cidade natal dez anos depois para reencontrar sua antiga Universidade de Robótica e seu amor Lana (Marta Etura), pesquisadora e professora da Universidade, mãe de uma menina chamada Eva. Agora casada com o irmão de Alex (David Garel – Alberto Ammann), cria-se um triângulo amoroso que irá se tornar no tenso pano de fundo do projeto que envolverá todos: a criação de uma nova linha de robôs livres e autônomos.

Em busca de uma personalidade infantil ideal para servir de modelo para desenhar um inédito programa de personalidade para esse novo robô, Alex encontra na menina Eva a criança perfeita: inteligente, perspicaz e criativa.

domingo, julho 01, 2012

Meios "Quentes" e Meios "Frios" - paradoxos das produções midiáticas

Um dos aforismos mais conhecidos de McLuhan é "o meio é a mensagem". Para ele, o conteúdo de uma mensagem não tem uma grande importância. O meio muda mais do que a soma das mensagens incluídas nesse meio. As mesmas palavras ditas de forma presencial, impressas em papel ou apresentadas na televisão fornecem três mensagens diferentes. Oral, escrito ou eletrônico, o canal primário da comunicação molda o modo como entendemos o mundo. O meio dominante numa época domina as pessoas. A partir dessa ideia podemos entender os diversos paradoxos que envolvem a produção midiática e os fenômenos de recepção e das novas linguagens. 

1. Paradoxo Fascinação versus Dispersão


O fato de a televisão e o rádio terem sido as mídias de massa mais bem sucedidas e longevas, no século XX é um verdadeiro milagre pelo ponto de vista técnico da teoria da comunicação. Principalmente no que se refere à televisão: a invenção desta mídia tinha tudo para dar errado.

Ao contrário do que pensamos, a história das invenções na área de comunicação é também a história também das reações negativas e resistências. Desde o surgimento da fotografia até a apresentação pública da televisão para um público estupefato, o que vemos é muito menos uma recepção calorosa como se as pessoas estivessem necessitando delas há muito tempo, e muito mais reações iniciais de estranhamento e até resistência.

sábado, junho 30, 2012

O sentido do lazer e o lazer sem sentido no curta "Leisure"

O curta australiano de animação premiado com o Oscar “Leisure” (1976) e o filme italiano “A Classe Operária Vai ao Paraíso” (1971) foram repercussões audiovisuais das discussões da chamada “New Left” (Nova esquerda) nos anos 1960-70 quando, diante do enfraquecimento do movimento operário no capitalismo avançado, sentiu a necessidade de politizar o “lazer” como a resultante da dominação do tempo livre pela indústria do entretenimento. Ambos os filmes exploram a situação paradoxal onde trabalho e lazer ao mesmo tempo se opõem e tornam-se semelhantes.

Muito tempo antes de se falar em “ócio criativo” e as conexões entre lazer e ócio na sociedade pós-industrial, um curta de animação era premiado em 1976 antecipando essas discussões. É o curta chamado “Leisure” do animador e cartunista político australiano Bruce Petty, premiado com Oscar de melhor curta de animação. Depois o filme ganhou vários prêmios em festivais internacionais de cinema.

O estilo de animação lembra muito a dos filmes do grupo inglês de humor Monty Python. O filme traça a trajetória do lazer ou tempo livre desde a pré-história, mais precisamente a partir do momento em que o aprimoramento do pensamento racional resultou em uma divisão nas sociedades humanas entre dois grupos: os que ficam sentados sonhando e resolvendo problemas e os que ficam em pé trabalhando. Elite e trabalhadores. Esses que ficam sentados começam a produzir arte e cultura para consumo próprio: surge o “lazer”.

Com o Iluminismo e a formulação dos direitos e a igualdade humana, esses trabalhadores são levados para dentro do universo do lazer por meio da industrialização do entretenimento. Com a popularização da eletricidade desenvolve-se a indústria de massa de entretenimento nos grandes centros urbanos o que trará um resultado paradoxal: lazer e trabalho serão experimentados simultaneamente como opostos e semelhantes – o primeiro mais prazeroso do que o segundo e as formas de lazer e do próprio estilo de vida nos centros urbanos serão tão passivos e sem imaginação quanto o trabalho rotinizado.

quinta-feira, junho 28, 2012

A crise da utopia espacial no curta "Waltz For One"

Enquanto EUA e URSS disputam a corrida espacial dos anos 1960, um excêntrico milionário financia sua própria viagem espacial buscando quebrar o recorde de permanência solitária em orbita da Terra. Mas um irritante “beep” de mau funcionamento do sistema somado à claustrofobia e delírio no interior de uma minúscula cápsula ameaçam a missão. Esse é a sinopse do curta “Waltz For One”  (“Valsa para Um”, em uma tradução literal) lançado esse mês pelo coletivo de artistas “Intellectual Propaganda” que é muito mais do que uma paródia a clichês e filmes do gênero (entre eles, “2001” de Kubrick): é uma melancólica desconstrução do gênero ficção científica, enfraquecido na pós-modernidade porque perdeu a própria essência que o constituía: a visão confiante e utópica no futuro. Veja o curta no final desse post.

Em uma alternativa década de 1960, enquanto americanos e soviéticos se engalfinhavam em uma competição política pela conquista da vanguarda na corrida espacial, um excêntrico milionário chamado Arthur Whitman procura por sua própria conta a glória estelar. Através de uma viagem espacial autofinanciada, Whithman pretende quebrar o recorde de permanência no espaço ao tentar ficar em órbita da Terra por uma semana, solitário em uma claustrofóbica cápsula.

Cair nas profundezas do espaço já é perigoso o suficiente, ainda mais solitário e ainda mais quando as coisas começam a dar errado: no meio da tensa contagem regressiva das horas pelo painel da cápsula em seu teste de resistência, Whitman perde diversas vezes contato com a base e um irritante aviso sonoro de mau funcionamento do sistema toca continuamente. Whitman mal consegue se mexer ou respirar na apertada cápsula.

segunda-feira, junho 25, 2012

A privatização das relações humanas no filme "Amor Por Contrato"

Mesmo confinado dentro dos limites de um gênero hollywoodiano, "Amor Por Contrato" (The Joneses, 2009) tematiza o resultado de táticas híbridas de publicidade que cruzam conceitos como de "marketing invisível" e "reality show": a privatização das relações humanas. Influenciar "alvos" sem parecer ser uma informação comercial por meio de "agentes" ("trendsetters", atores ou perfil fake), o chamado "marketing invisível" exploraria o endosso da credibilidade e autenticidades das relações pessoais em uma época onde os consumidores cada vez menos confiam na publicidade tradicional.


Leia essas duas afirmações abaixo:

(a) “Já estamos cansados de atores com emoções falsas. Cansados de pirotecnias e efeitos especiais. Aqui não há roteiros. Não é sempre um Shakespeare, mas é genuíno. É uma vida. Para mim, vidas particular e pública são iguais. É tudo verdade, tudo real, nada aqui é falso”

(b) “Sem colocar o produto na vida real, não há marketing invisível que possa ajudar. Você verá pessoas reais sendo patrocinadas por companhias. Elas não são superstars, mas pessoas comuns, e isso será barato, efetivo e com mais credibilidade”

A afirmação (a) pertence ao mundo da ficção e a (b) ao mundo real. Na primeira afirmação temos a fala de abertura do filme “Show de Truman” onde Christoff, o produtor de um gigantesco reality show, justifica o programa; e na segunda afirmação, temos a fala de Jonathan Ressler, pioneiro da estratégia de “marketing invisível”. Apesar das afirmações provirem de mundos diferentes, o leitor percebeu a semelhança entre elas?

Tanto e (a) quanto em (b) temos exemplos de “privatizações” de relações humanas. A diferença está na escala: em Show de Truman, Christoff privatiza a vida de um indivíduo (confina Truman em um “reality show desde o seu nascimento) para conseguir audiência de TV; enquanto em (b) temos uma estratégia de privatização de relações humanas em larga escala por meio de redes sociais e relações sociais face-a-face para o lucro de empresas e corporações.

Assistindo a uma revista de notícias na TV, Derrick Borte (um artista plástico que virou jornalista e depois virou produtor e diretor de comerciais) viu uma matéria sobre “marketing invisível”: pessoas não sabiam que turistas mostrando uma nova câmera casualmente em abientes públicos ou uma menina bonita pedindo determinada marca de vodka em um bar eram atores contratados para expor produtos a clientes em potencial. Somado ao seu fascínio por “reality shows”, Borte acabou tendo a ideia do roteiro e dirigiu o filme “Amor por Contrato”, o seu primeiro filme.

quinta-feira, junho 21, 2012

Os deuses estão mortos no filme "Prometheus"



A crítica especializada e os fãs de sci fi e da franquia de filmes “Alien” têm se demonstrado decepcionados com “Prometheus” (2012) onde Ridley Scott retorna ao gênero que o consagrou. Todos procuraram nesse filme as explicações para o que se sucedeu antes da chegada da nave Nostromo naquele planeta perdido onde a morte estava à espreita no clássico “Alien” de 1979. Mas parece que Ridley Scott pregou uma peça em todos. “Prometheus” aproxima-se muito mais dos temas do outro clássico “Blade Runner” (1982) que também dirigiu: assim como o replicante Roy buscava seu criador em uma sombria Los Angeles, em “Prometheus” arqueólogos procuram os “Engenheiros” da humanidade. Como em “Blade Runner”, humanos e androides vão encontrar demiurgos tão desiludidos quanto eles mesmos. Descobrirão isso da pior maneira possível.

terça-feira, junho 19, 2012

Edgar Allan Poe, a tortura e a ditadura militar

Dando sequência às adaptações dos contos de Edgar Allan Poe realizadas pelos alunos da disciplina Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicações da Universidade Anhembi Morumbi, temos o vídeo “Somos Todos Filhos de Deus”. Inspirado na música “Deus lhe Pague” de Chico Buarque, transpõe o terror e delírio do protagonista do conto “O Poço e o Pêndulo” para os porões da tortura durante os “anos de chumbo” da ditadura militar brasileira. O vídeo consegue captar dois elementos universais do conto de Allan Poe: a manipulação do tempo e espaço como técnica histórica nas torturas e inquisições e o simbolismo metafísico do poço, que o autor norte-americano apenas sugere no conto, mas o vídeo vai explorar até as últimas consequências.

O conto “O Poço e o Pêndulo” do escritor norte-americano Edgar Allan Poe é um típico exemplo clássico do estilo gótico e de terror psicológico no qual era mestre. Ao contrário dos demais autores que se concentrava no terror externo, Poe prestava atenção ao terror originado no interior do próprio protagonista. Como era do seu estilo, o conto inicia com uma descrição objetiva de tempo e espaço que vai, aos poucos, misturando-se com o delírio e terror da gradiente de sentidos do personagem (visual e auditivo no caso desse conto). Tempo e espaço objetivos misturam-se com tempo/espaço psicológicos.

“O Poço e o Pêndulo” narra o julgamento e a condenação de um rebelde que, após receber a sentença dos inquisidores, é atirado inconsciente em um calabouço onde sofrerá diversas torturas físicas e psicológicas. Ao tentar reconhecer o lugar onde estava se depara com um poço que lhe desperta os mais terríveis pressentimentos quanto ao seu destino naquela cela.

domingo, junho 17, 2012

Reflexões sobre um filme da Sessão da Tarde

Uma cidadezinha chamada Redbud tenta imitar os personagens e cenários das famosas capas da revista "The Saturday Evening Post" feitas pelo conhecido ilustrador Norman Rockwell. Objetivo: transformar a cidade num cartão postal para atrair incautos compradores de uma fazenda. "Uma Fazenda do Barulho" (Funny Farm, 1988) é uma das típicas comédias românticas de Sessão da Tarde da TV, mas encontramos na sua narrativa uma sequência antológica que apresenta de forma hilária e sintética todas as discussões acadêmicas sobre a contaminação da realidade pelos simulacros e hiper-realidade da civilização das imagens. Redbud tenta tornar-se nostálgica de uma época que jamais existiu.


“Uma Fazenda do Barulho” é uma dessas comédias românticas que passavam nas sessões da tarde da TV brasileira. O ator Chevy Chase, famoso na TV americana trabalhando no “Saturday Night Live” durante os anos setenta, já era um astro que tentava repetir com esse filme o sucesso de “Férias Frustradas”. Mas acabou sendo um fracasso, embora dirigido por George Roy Hill de “Butch Cassidy” e “Golpe de Mestre”.

Porém, em “Uma Fazenda do Barulho” há uma sequência ao mesmo tempo hilária e antológica onde, para tentar desesperadamente atrair compradores para sua fazenda, o casal de potagonistas Andy (Chevy Chase) e Elizabeth (Madolyn Osborne) elabora um irônico plano baseado no hiperrealismo das ilustrações do famoso artista plástico Norman Rockwell, autor das célebres capas da revista norte-americana “Saturday Evening Post” (veja video abaixo). Essa sequência acabou tornando-se um didático exemplo para ilustrar as discussões acadêmicas em torno dos conceitos de “simulacro” e “hiper-realismo” e como, na prática, essas noções invadem o cotidiano.

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