sábado, outubro 27, 2018

Gil Gomes e Datafolha fazem a tradução política do fascismo brasileiro


Nos dias que antecederam a eleição de segundo turno dois fatos relevantes: a morte do radialista e jornalista Gil Gomes e os resultados da pesquisa Datafolha sobre os atributos dos candidatos à presidência. O primeiro, evento sincrônico cheio de significados – a morte do representante de uma extirpe da crônica policial que por décadas cultivou o ódio, medo e vingança dos telespectadores e ouvintes. Cuja colheita vemos na atual polarização política. E o segundo, divulga números sobre os atributos aos candidatos à presidência que relembram os resultados da célebre pesquisa “Personalidade Autoritária” liderada por Theodor Adorno na década de 1940 nos EUA. Pesquisa representou as configurações psicodinâmicas relacionadas a atitudes e expressões antissemitas, etnocêntricas, conservadorismo político e econômico para chegar ao potencial fascista, a famosa “Escala F”. Provando que o pensamento autoritário não é uma simples “aberração cognitiva”. Mas uma formação reativa psíquica à espera de uma tradução política.

sexta-feira, outubro 26, 2018

O capitalismo é apenas mais uma forma de gerir o hospício humano em "Insanidade"



O filme checo “Insanidade” (“Silení, 2005) é para poucos pela sua alta carga de niilismo e humor negro. O diretor Jan Svankmajer volta à crítica da sociedade de consumo do filme anterior “Little Otik” (2000), mas dessa vez por um viés político e ontológico: a história humana é comparada a um problema de gestão de um manicômio no qual há duas formas de fazê-lo - ou a liberdade absoluta na qual o prazer e orgia se aproximam do crime e da morte, ou o totalitarismo da dor e castigo que também flerta com a morte. Um jovem tem recorrentes pesadelos até encontrar um milionário excêntrico que emula o próprio Marquês de Sade. Ele apresenta o médico gestor de um manicômio que apresenta uma técnica supostamente revolucionária que irá livrá-lo dos seus pesadelos. “Insanidade” é uma fábula sobre como a História até aqui não conseguiu conciliar Eros e Thanatos, prazer e morte. E como o capitalismo é mais uma forma de gerir essa loucura.

quinta-feira, outubro 25, 2018

"Esquerda precisa de um novo Goebbels?", indaga Cinegnose na CEE-Fiocruz no Rio


Nessa segunda-feira este humilde blogueiro participou da oficina “Guerra Semiótica, Políticas Sociais e Saúde” após gentil convite da pesquisadora Letícia Krauss, coordenadora do evento. A oficina foi no CEE-Fiocruz (Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro). Procurei fazer um comparativo entre as ações da direita e esquerda, no espectro político, dentro do campo da comunicação. O problema: enquanto a esquerda mal compreendeu o funcionamento das mídias de massa no século XX, nesse século a direita da um segundo salto tecnológico com a guerra semiótica no campo das tecnologias de convergência – Internet e redes sociais. Solução: lutar no mesmo campo simbólico da direita, modular a comunicação para alcançar líderes de opinião de grupos e comunidades (analógios ou digitais) e táticas de guerrilha antimídia. Será que para isso seria necessário um novo Goebbels, agora na esquerda?

terça-feira, outubro 23, 2018

Memória, identidade e controle mental no filme "Upstream Colour"



Um filme inclassificável. Pode ser um romance com uma racionalização sci-fi. Uma jovem engole uma capsula medicinal contendo um estranho verme cuidadosamente cultivado em estufa, tornando-se hospedeira tanto da larva como do controle mental de alguém que a transformou numa cobaia involuntária de um experimento. Agora ela terá flashbacks, flashfowards e flahs periféricos tornando o filme “Upstream Colour” , 2014, de Shane Carruth (“Primer”) num filme estranho, surreal. Num verdadeiro quebra-cabeças que cobra do espectador esforço cognitivo para restabelecer a linearidade. Uma experiência enigmática, única, hipnótica e surreal. “Upstream Colour” nos dá a sensação de, através de um microscópio, estarmos vendo a matéria-prima das nossas memórias e identidades: as sensações mais básicas dos nossos cinco sentidos. Tão efêmeras e frágeis que podem ser roubadas quando menos esperamos.

domingo, outubro 21, 2018

"Cinegnose" discute no Rio guerra semiótica nas políticas públicas de saúde


Mais uma vez este humilde blogueiro do “Cinegnose” vai ao Rio de Janeiro. Dessa vez, no CEE Fiocruz (Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz) para apresentar a oficina “Guerra Semiótica, Políticas Sociais e Saúde”. O evento será nessa segunda-feira às 13h30. Será abordado todo um espectro de conceitos teóricos, práticos e políticos associados à Teoria da Comunicação e Semiótica. Mas principalmente, como esses referenciais teóricos podem orientar práticas de política de comunicação no atual cenário brasileiro de guerra híbrida e semiótica. Em particular, atingindo as políticas públicas de saúde.

sábado, outubro 20, 2018

"ZapGate" é o último ato da guerra híbrida


Cinicamente a Globo chama de “guerra virtual” para encobrir o caráter assimétrico da batalha do disparo de milhões de notícias falsas com apoio empresarial pela campanha de Jair Bolsonaro - o "ZapGate". Enquanto isso, mais uma vez o PT aciona seu Exército Brancaleone para pedir, dessa vez, medidas punitivas da Justiça Eleitoral – como se não estivéssemos testemunhando o previsível último ato de uma guerra híbrida metódica e sistemática iniciada em 2013. Aguarda-se um show de contorcionismo judicial-midiático para deixar o tempo passar mais rapidamente. Ou enfiarão a cabeça na terra e se fingirão de morto...Este é o último desafio para a esquerda: se ela mal compreendeu o porquê do sucesso da propaganda hipodérmica do nazi-fascismo do século XX, poderá entender e dar uma resposta estratégica à guerra da mineração de big data criadora de dissonâncias cognitivas e realidades paralelas? Apesar do ar pós-modernoso do “ZapGate”, as origens da sua estratégia de comunicação estão no século XX: a descoberta de que as redes dos líderes de opinião de grupos e comunidades é que sancionam os conteúdos midiáticos. 

segunda-feira, outubro 15, 2018

"O Abrigo": o mais perturbador filme pós-apocalipse dos últimos tempos


Pode parecer que “O Abrigo” (“The Divide”, 2011) é mais um filme pós-apocalíptico em que, outra vez, Nova Iorque é destruída. Dessa vez por bombas nucleares em uma guerra indeterminada. Mas dessa vez não temos uma narrativa épica de um herói que luta em colocar ordem no caos para salvar o dia. As coisas irão de mau a pior num grupo de sobreviventes em um abrigo subterrâneo. A obsessão pela temática pós-apocalipse e do fim do mundo no cinema encobre a raiz de um sintoma que “O Abrigo” revela de maneira explícita: o freudiano “Mal-Estar da Civilização” assentado no temor da morte, da fragilidade do corpo e no inferno que representa o outro. Por isso, o diretor Xavier Gens vai buscar inspiração em dois clássicos da literatura do niilismo pós-guerra: a peça “Entre Quatro Paredes” de Sartre e “O Senhor das Moscas” de William Golding. “O Abrigo” é um filme para cinéfilos com mente e estômago fortes. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sábado, outubro 13, 2018

Uma psicanálise da engenharia da computação na série "Maniac"


Mais do que entender “quem é o dono do hardware” atrás dos aplicativos, gadgets e algoritmos que nos envolvem e fazem a mediação de todas as nossas relações familiares, pessoais e profissionais, é urgente também fazermos uma psicanálise da “classe virtual”: a “tecno-intelligentsia” de neurocientistas, engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e toda gama de desenvolvedores digitais. Até que ponto o atual paradigma digital (que confunde a mente com o próprio funcionamento dos computadores) é a projeção de uma “ego trip” desses membros da elite virtual: estariam traumas, fantasmas e obsessões íntimas dos próprios desenvolvedores digitais projetados no modelo cognitivo que a ciência da computação impõe para nós? Esse é o mais importante tema da nova série Netflix “Maniac” (2018): uma radical técnica fármaco-computacional promete eliminar as memórias de nossos traumas para voltarmos à realidade felizes e produtivos. Mas, e se ficarmos aprisionados nos próprios traumas dos neurocientistas criadores do experimento?

quarta-feira, outubro 10, 2018

Bolsonaro é um avatar. Como enfrentá-lo?


Estamos à beira do desfecho de uma guerra híbrida iniciada em 2013 com as chamadas “Jornadas de Junho”. Num mecanismo tão exato quanto um “tic-tac”, passo a passo, um depois do outro, irresistível, sistemático: a Política foi demonizada, um governo foi derrubado, o psiquismo nacional envenenado e a polarização despolitizou e travou qualquer debate racional. Tudo iniciado pelas bombas semióticas detonadas diariamente pelas mídias de massas. E nesse momento o desfecho ocorre na velocidade viral das redes sociais. Por isso, Bolsonaro converte-se em um “candidato-avatar”: a Nova Direita descobriu a tática do “Firehose” – a espiral de boatos e desmentidos pelos “fact-checking” cria paradoxalmente o subjetivismo e relativismo que blinda o próprio candidato-avatar. Apesar de toda essa pós-modernidade, a Nova Direita tem o mesmo elemento de estetização da política criada pelo fascismo histórico: a narrativa ficcional cômica – de programas de humor da TV, Bolsonaro despontou como um “mito” de quem ria-se e não se levava a sério. Por isso, circulou livremente. Hoje, é o protagonista do “gran finale” da guerra híbrida. Como enfrentar um avatar?

domingo, outubro 07, 2018

Em "Jogador Número 1" a jornada moralista do herói de Spielberg


Depois de abordar temas como tubarões, terrorismo, ETs e narrativas de aventuras que sempre tiveram a marca do retrô pop, dessa vez no filme “Jogador Número 1” (“Ready Player One”, 1978) o consagrado diretor Steven Spielberg mergulha na tecno-mitologia dos games de computador – uma vasta paisagem virtual de um jogo imersivo de avatares lutando em um parque temático da cultura pop: um gigantesco museu interativo sobre o século XX no futuro, um labirinto de referências e alusões da mitologia pop. Como sempre, Spielberg entrega ao público a velha narrativa da Jornada do Herói repleta de elementos herméticos e gnósticos. Mas Spielberg é a nata da indústria hollywoodiana: mais do que tudo, sabe construir narrativas míticas e elementos esotéricos fascinantes (porque prometem transcendência) embaladas com o moralismo da boa e velha dualidade maniqueísta hollywoodiana. “Jogador Número 1” dá a reposta a uma questão que sempre incomodou o “Cinegnose”: por que o Gnosticismo parou nas mesas de produtores e roteiristas de Hollywood?

segunda-feira, outubro 01, 2018

Para grande mídia, cárcere do Lula é o Gabinete do Dr. Caligari


Desde o impeachment de 2016, aos poucos as bombas semióticas na grande mídia foram dando lugar a estratégias narrativas: como transformar uma má notícia em um “conto maravilhoso” (Vladimir Propp) em plenas narrativas não ficcionais jornalísticas? Narrativas em que verossimilhança e relações de causalidade são mandadas às favas – transmutações, pensamento animista, magia, forças sobrenaturais, ação à distância por princípio de semelhança etc. Em meio ao mal estar da grande mídia em ver, mais uma vez, o PT ir ao segundo turno eleitoral (apesar das diversas mortes anunciadas do partido e de Lula), o jornal "Estadão" nos brindou com mais uma dessas narrativas fantásticas: tal como o clássico expressionista alemão de terror “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920), uma colunista alerta que Lula usa poderes hipnóticos e paranormais – de dentro da prisão, Lula controla mídia, inventou Bolsonaro e o anti-petismo para depois derrota-lo... e Haddad é o seu Cesare – hipnotizado, às vezes até emula o “chefe” com a voz rouca em carros de som. Grande mídia revela agora seu expertise narratológico – só mesmo a semiótica de Julien Greimas para desmontar essa bomba narratológica.

domingo, setembro 30, 2018

Curta da Semana: "Nerd Cave" - a Caverna de Platão 2.0


“Nerd” deixou há muito tempo de ser um termo pejorativo, principalmente porque por trás deles há uma lucrativa indústria em expansão: os jogos de computadores. Alguns pesquisadores em cibercultura acreditam que se tornou até mesmo uma “categoria psicológica” motivada pelo desejo da imortalidade através da desconexão com a realidade. Principalmente quando atualmente os games adquiriram o status de esporte. O curta dinamarquês “Nerd Cave” (2017) um compulsivo gamer de jogos on line vive em sua própria “Caverna de Platão”, com a sua mãe. Até que um dia, a energia do bairro em que mora acaba e o seu mundo desmorona. Então, sua mãe tentará se reconectar com o filho, através de peixinhos num aquário. Um curta repleto de alegorias. Mas a principal é que agora vivemos a Caverna de Platão 2.0: também podemos interagir e jogar com as sombras projetadas na parede.

sábado, setembro 29, 2018

Em "Branco Sai, Preto Fica" o tempo brasileiro é o eterno retorno


Em 1986 policiais invadem um baile funk em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, ferindo física e psiquicamente dois homens. Em 2014, um terceiro homem vem do futuro a procura de evidências que ajudem um movimento identitário negro mover uma ação contra o Estado pelos danos daqueles homens no passado. “Branco Sai, Preto Fica” (2014) de Adirley Queirós é uma ousada experimentação em um gênero pouco visitado pelo cinema brasileiro – o filme consegue construir uma espécie de “meta docudrama sci-fi”. Com sua desolação, frieza e aridez, Brasília deixou de ser a utopia modernista de uma possível civilização brasileira para se transformar na perfeita cenografia de filmes distópicos, com uma vantagem: não é preciso computação gráfica. No país do futuro, o tempo é um eterno retorno: se o presente é um apartheid social, o futuro não deixa por menos – a “Vanguarda Cristã” tomou o poder e ameaça o sucesso das investigações. Filme sugerido pelo nosso leitor Paulo Pê.

segunda-feira, setembro 24, 2018

Bolsonaro X Haddad no segundo turno? Guerra híbrida continua vencendo


Mais uma vez a sabedoria desconfiada do velho Leonel Brizola. Acostumado com os truques da geopolítica dos EUA, em 1989 Brizola acusava Lula de ser inflado pela direita para mais facilmente a própria direita, representada então por Collor, vencer. Tudo leva a crer que Bolsonaro e Haddad irão ao segundo turno. Otimismo e ufanismo ganham a esquerda, saudando o gênio político de Lula, mesmo com todo massacre midiático e “lawfare”. Como sempre, a esquerda apenas compreende a superfície da atual guerra híbrida brasileira, em ação desde 2013. Para além do impeachment e a prisão de Lula, há um objetivo semiótico mais insidioso: polarização (petismo X anti-petismo) e despolitização (o jargão do empreendedorismo e moralismo travando qualquer debate de macro-conjuntura) - infantilização o debate político através do ódio e irracionalidade de uma opinião pública que se acostumou a odiar a Política. E nesse momento, a grande mídia busca mais uma “bala de prata” para turbinar a polarização. Será que o velho Brizola tem mais uma vez razão? (ilustração: Felipe Lima, "Gazeta do Povo")

domingo, setembro 23, 2018

Estranhas portas que jamais foram fechadas em "Mandy"


Um filme que parece ter saído de alguma capa de disco heavy metal dos anos 1980, começando pelo pôster promocional. E que exige do espectador uma entrega ativa, ao invés de passivamente analisa-lo. Por isso, a maioria da crítica considera “Mandy” (2018), do diretor canadense Pano Cosmatos, um filme absolutamente insano, estranho e difícil de ser resenhado. Na verdade, nem seria um “filme”, mas uma “experiência” non-sense e surrealista com um mix alucinado de referencias a comerciais, animações, HQs, rock metal e mais da cultura pop dos anos 1980. Tirando as camadas de exercício de estilo, Cosmatos dá continuidade à reflexão iniciada no filme anterior “Beyond The Black Rainbow” (2010): as consequências do “despertar místico” do esoterismo e ocultismo na cultura pop em torno das viagens alucinógenas psicodélicas do LSD. De como toda uma geração tentou buscar um atalho para a iluminação espiritual, mas acabou encontrando uma “bad trip”: o Demiurgo existente em cada um de nós.

terça-feira, setembro 18, 2018

Por que teledramaturgia da Globo está assombrada com o Tempo e a História?


Dois temas parecem assombrar a atual teledramaturgia da Globo: o Tempo (viagem no tempo, déjà vus, vidas passadas, reencarnações etc.) e a História (pastiches da Idade Média, releituras do Brasil do Império etc.). Algo que se distingue das tradicionais “novelas de época” que marcaram a história do gênero na TV brasileira. Nunca se verificou essa recorrência temática em tantas telenovelas, apresentadas simultaneamente ou em sequência nos diferentes horários. Sabe-se que em ano eleitoral o laboratório de feitiçarias semióticas da emissora funciona em tempo integral. O que essa recorrência pode significar dentro desse contexto? Nova bomba semiótica? Ou o sintoma do temor de uma emissora hegemônica que sabe da importância do atual cenário eleitoral? – é matar ou morrer. É o momento de entendermos a célebre afirmação de George Orwell: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.

domingo, setembro 16, 2018

A tecnologia deixou de ser uma extensão humana em "Upgrade"


A crítica vem definindo a produção australiana “Upgrade” (2018) como alguma coisa entre a série britânica “Black Mirror” e o clássico “Robocop” de 1987: em um futuro próximo, um tecnofóbico (alguém que sempre gostou de “fazer as coisas com as próprias mãos”) tem sua vida virada de ponta cabeça ao ficar tetraplégico e receber o implante de um chip de computador que o fará andar novamente, porém com algumas “atualizações”. Tudo que deseja agora é vingança contra os assassinos de sua esposa, quando descobre estar em um plot conspiratório envolvendo algum tipo de espionagem industrial. “Upgrade” é um filme que revela o atual imaginário que anima o desenvolvimento computacional – Inteligência Artificial e Singularidade, o momento em que a tecnologia deixa de ser a extensão do corpo humano para se tornar sua própria negação.

terça-feira, setembro 11, 2018

Zygmunt Bauman e o incêndio "líquido" do Museu Nacional


Conceito de Zygmunt Bauman, a “Modernidade Líquida” aqui no Brasil assume aspectos dramáticos, como um Projeto que deve ser colocado em prática a todo custo: a drenagem do Estado até a sua liquefação e a transformação em mero gestor de “fluxos”. Um sintoma foi o incêndio do Museu Nacional no Rio. Mas, principalmente, as notícias em torno do futuro do Museu: investigações com alta tecnologia e a possibilidade de imprimir réplicas em 3D a partir de fotos do patrimônio perdido. É notável que toda essa sofisticação não estivesse disponível para mantê-lo sólido e em pé. Só entrou em cena depois que o Museu desapareceu! A ideia de liquidez transformou-se em algo muito além de uma categoria econômica: virou uma espécie de “a priori” cognitivo, no qual não há sentimento de luto ou perda que poderiam promover crítica ou indignação. O pensamento “líquido” transforma catástrofes e tragédias como essas em vulgata ou banalidade: a tecnologia poderá trazer tudo de volta mesmo...

domingo, setembro 09, 2018

Em "O Futuro" o maior inimigo da geração dos "millennials" é o tempo


Numa época em que o trabalho, a cultura e a tecnologia liquefazem e precarizam nossas vidas na fluidez e instabilidade, os “millennials” tentam se agarrar nos destroços de uma suposta sabedoria do passado e nos gadgets, aplicativos e plataformas digitais do presente. Um presente que se torna eterno, pelo medo e ansiedade em relação ao futuro, porque nada parece durar por muito tempo. Mas um jovem casal decide adotar um gato, e acredita que tudo vai mudar. “O Futuro” (“The Future”, 2011) é uma fábula pós-moderna sobre tecnologia e o futuro da geração mais tecnologizada da História. Mas o medo do futuro e de compromissos, representado agora por um gato necessitando de intensivos cuidados veterinários, é tão paralisante que ameaça dissolver a vida conjugal pela mentalidade “líquida” da sua geração. Filme sugerido pelo nosso incansável leitor Felipe Resende.

sábado, setembro 08, 2018

Atentado a Bolsonaro foi um tombo para cima?


As eleições (?) aproximam-se e a temperatura aumenta. E essa semana foi particularmente dramática como um bom roteiro de ficção, sinalizando o que vem pela frente: começou com o simbólico incêndio do Museu Nacional no Rio e terminou com o “timing” do atentado contra o candidato Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). Assim como nos atentados de Londres, Paris, Berlim etc., as imagens da facada em Jair Bolsonaro repetem o script: sincronismos, anomalias, timing e algo mais: repete o mesmo contexto do controvertido acidente aéreo do candidato Eduardo Campos em 2014 – um contexto de esgotamento das bombas semióticas da grande mídia e o baixo desempenho da então esperança Aécio Neves frente à esquerda, forçando a procura de um “Plano B”. De uma reunião sigilosa de Bolsonaro com o Grupo Globo no início da semana à euforia dos 1.000 pontos do mercado financeiro ao saber da facada no candidato terminando com uma cobertura emotiva e apelativa no Jornal Nacional com vídeo exclusivo de Bolsonaro falando de Deus, da maldade humana e descrevendo o atacante como um “lobo solitário”, fecha-se o roteiro típico de um filme ou HQ: Bolsonaro foi promovido a “Mito Plano B” do consórcio jurídico-midiático – um final feliz com um tombo para cima?

terça-feira, setembro 04, 2018

Tautismo Global, sincronismos e ironias no incêndio do Museu Nacional


No Manifesto Futurista, Marinetti falava em “destruir museus” para libertar as consciências dos “inúmeros cemitérios”, e nos prepararmos para o futuro. Em visita ao Rio em 1926, Marinetti repetiu tudo isso e viu no Brasil um país futurista porque não teria “nostalgia das suas tradições”... Claro, Marinetti era um iconoclasta. Mas o Brasil é mais realista que o rei. Leva ao pé-da-letra coisas como “austeridade fiscal” (cuja realização máxima foi, até aqui, a “PEC da Morte”) que até o próprio FMI criticou em 2016. O incêndio do Museu Nacional foi um acontecimento irônico e sincrônico, na cidade em que Marinetti via a “realização acidental” do futurismo: resultado do neoliberalismo levado à sério num momento em que o fascismo se aproxima no segundo turno das eleições – um fascismo próximo ao de Marinetti. E, mais uma vez, o motor dessa austeridade levada à sério foi a cobertura tautista (tautologia + autismo midiático) pela Globo da catástrofe científico-cultural. Sinal dos tempos: a cobertura de Carlos Nascimento ao vivo dos choques dos aviões contra as torres gêmeas em 2001 conseguiu ser mais objetiva do que os relatos sobre o incêndio, encaixados nos dois eixos narrativos globais: “esse país é uma merda!” e “corrupção, corrupção e corrupção...”.

segunda-feira, setembro 03, 2018

"Videodrome - A Síndrome do Vídeo": como a tecnologia controla mente e carne


Um diretor de uma TV a cabo descobre o sinal pirata de uma transmissão de “Snuff TV” (filmes que mostram violência, abusos sexuais e mortes reais) chamada “Videodrome”. Mas da pior maneira possível, ele descobrirá que é muito mais do que um show de TV: é um experimento cujas ondas catódicas provocam danos cerebrais permanentes. Arma para vencer a guerra pelo controle das mentes da América planejada por uma obscura empresa que faz óculos de baixo custo para o Terceiro Mundo e sistemas de orientação para mísseis da OTAN. Esse é “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” (1983), clássico filme de David Cronenberg que transformou em cinema toda uma tradição de crítica à mídia e tecnologia canadense, de Marshall McLuhan a Arthur Kroker: o momento em que a tecnologia deixa de ser mera extensão do homem para se transformar em carne. E o homem se transforma num aparelho de videocassete.

sábado, setembro 01, 2018

Curta da Semana: "O Futuro Será Careca" - Por que temos horror ao vazio em nossas cabeças?


Vivemos uma sociedade de consumo que ama tudo aquilo que está cheio: sonhos, sacolas de compras, cabelos. Odeia o vazio porque cria uma “incontrolável sensação de desgosto”. E os carecas seriam a síntese de tudo isso que as pessoas temem: carregam o vazio sobre suas cabeças. Esse é o tema do surreal curta francês “O Futuro Será Careca” (“Le Futur Sera Chauve”, 2016), de Paul Cabon. Um jovem protagonista cabeludo descobre numa refeição em família o futuro que lhe espera: a calvície hereditária. E revela o sintoma de uma sociedade que criou o mito da juventude como estratégia publicitária sedutora e pervasiva – a inabilidade de crescer e envelhecer.

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