sábado, maio 28, 2016

O "mexedor para café" e o fechamento do universo da locução


O que é um “mexedor para café”? Uma colherinha de plástico? Uma pazinha? Estamos diante de um fenômeno linguístico previsto por filósofos como Herbert Marcuse nos anos 1960 ou por Rupert de Ventós nos anos 1980: o fechamento do universo da locução. Um fenômeno quase invisível, cotidiano, assim como foi o gerundismo dos SACs de empresas. Um fenômeno repressivo porque as palavras começam a ser operacionalizados como se antecipassem nossas intenções: as palavras são substituídas pelas suas funções, tornando os conceitos como tijolos que constróem um universo unidimensional. Negando a possibilidade de elaboração de novos significados através da semântica e etimologia.

sexta-feira, maio 27, 2016

Caso Ana Hickmann, o suicida dos leões no Chile e a patologia dos nossos tempos


Na manhã do sábado, dia 21, um jovem se jogou nu na jaula dos leões em um zoológico no Chile falando frases desconexas de cunho religioso sobre ser filho de Jesus e a chegada do Apocalipse. No mesmo dia, à noite, a apresentadora Ana Hickman sofre atentado de um fã armado com um revólver em um hotel de luxo em Belo Horizonte. Entre frases também desconexas, o fã agradecia a Deus por ter ajudado a encontrá-la naquele hotel, até ser morto por um dos assessores. Quais as coincidências e sincronismos entre esses dois eventos em países diferentes? São apenas fatos isolados protagonizados por “lobos solitários”? Cada sociedade em sua época cria sua própria patologia. O sincronismo desses dois episódios apontam para a patologia da nossa época da sociedade das imagens e do espetáculo: relações fetichistas com pessoas, objetos e símbolos.

quinta-feira, maio 26, 2016

A solidão da comunicação fática no filme "Anomalisa"


Indicado ao Oscar de Melhor Animação, “Anomalisa”(2015) é uma estranha pequena obra-prima de Charlie Kaufman, roteirista de filmes como “Quero Ser John Malkovich” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Uma realista animação em stop motion sobre um palestrante autor de livros sobre comunicação motivacional que ironicamente passa uma noite solitária e infeliz em um hotel na cidade onde dará um seminário no dia seguinte. “Anomalisa” explora o paradoxo onde, apesar de vivermos em uma sociedade centrada numa variedade de tecnologias de comunicação, a solidão e alienação continuam a ser a principal fonte de mal estar. Talvez porque de todas as formas possíveis de comunicação (poética, emotiva, metalinguística etc.), exercitamos no trabalho e nas redes de relações pessoais e profissionais a forma mais pobre de comunicação: a fática.

segunda-feira, maio 23, 2016

Curta da Semana: trilogia "Hyper-reality" - Google substituirá o real?


Hoje todos nós possuímos câmeras nos celulares e podemos produzir imagens e distribuí-las na Web a todo momento. Inspirado nisso, o arquiteto, designer e diretor Keiich Matsuda fez uma trilogia de curtas ("Hyper-reality", "Augmented (Hyper) Reality" e "Augmented City 3D", 2014-15) onde imagina uma cidade de Medelin, Colombia, customizada pelos usuários da Web: um protagonista imerso em um mix de realidade aumentada e Google Glass num inferno de ícones, pop-ups e animações que pulam de cada objeto, pessoa ou gestos em ruas, supermercado ou no simples ato de prepara um chá. É a hiper-realidade que chegará a tal ponto onde o mapa ficará do tamanho do próprio território – a vida inteira imersa em um Google Maps ou Google Earth com infinitos aplicativos “powered” por uma empresa qualquer que acompanhará tudo como uma onipresente marca registrada.

domingo, maio 22, 2016

Cérebros humanos podem ser ressuscitados no projeto pós-humano "ReAnima"


Longe de Frankenstein e mais próximo de filmes pós-humanistas e tecnognósticos como “A Ilha”, “Ex-Machina” ou “The Machine”. A realidade está cada vez mais próxima da ficção. Estamos falando sobre o Projeto ReAnima da empresa norte-americana Bioquark que pretende ressuscitar cérebros de pacientes dados como clinicamente mortos e ainda mantidos vivos por meio de equipamentos. A ideia é encontrar na mente o botão de “reiniciar” e encarar o cérebro como um HD que poderia ser reformatado. Sem as memórias, de quem seria essa mente ressuscitada? Ou a questão mais sombria: para quê? Guerra, mercado e a imortalidade de uma elite poderiam estar por trás dessa agenda tecnocientífica.

sexta-feira, maio 20, 2016

Semiótica revela anomalias no logo do governo Temer


Discursos podem mentir, mas as imagens não. Talvez porque a linguagem visual esteja próxima da lógica dos sonhos, ela pode revelar atos falhos e sintomas por trás dos simbolismos políticos e ideológicos. A marca visual criada pelo “novo” governo Temer pelo marqueteiro Elsinho Mouco obviamente é dominada por alusões aos simbolismos da bandeira nacional. Mas no meio do azul, verde, amarelo e branco saltam atos falhos análogos aos sintomas da psicanálise: estranhos domínios de cores, degrades e sólidos geométricos  que, comparando as sucessivas marcas de governos anteriores, de Collor a Dilma, tornam-se “anomalias”. Quando a propaganda política dá o salto para convencer corações e mentes pode cair e quebrar o pescoço, revelando as verdadeiras intenções escondidas pelos símbolos.

domingo, maio 15, 2016

A profecia autorrealizável de Temer: assim nascem as crises


No discurso de posse como vice-agora-presidente-interino-em-exercício, mais uma vez Michel Temer exibe a sua tradicional canastrice telegência (gestual, entonação e postura corporal alusivos a apresentadores de TV), atualmente elemento importante na propaganda político. Mas Temer foi além. Já no final, mais descontraído, exortou os brasileiros a “não falar mais em crise” a partir de um outdoor que teria lhe inspirado, onde lia-se: “Não fale em crise... trabalhe!!!”. Temer quer espalhar outdoors como esse pelo País. Ironicamente, depois de três anos onde a grande mídia cultivou meticulosamente o baixo astral para reverter as expectativas dos agentes econômicos. Dessa maneira, Temer sem querer revelou como nascem as crises econômicas: profecias autorrealizáveis. Crises cujas causas estariam muito mais no campo semiótico do que nas conjunturas dos fatores econômicos.

sábado, maio 14, 2016

"Der Samurai" e as "rolhas" que aprisionam nossas almas


Um dos filmes mais estranhos de 2015. O filme alemão “Der Samurai” faz uma releitura da fábula de Chapeuzinho Vermelho onde é explicitado aquilo que sempre foi latente e simbólico nos contos de fadas originais: sexualidade e violência. Uma pequena cidade na fronteira entre Alemanha e Polônia tenta solucionar problemas com lobos. Mas isso será apenas o prenúncio de algo mais sombrio: a chegada de um estranho samurai em vestes femininas empunhando uma katana – o sabre samurai. Ele chegou para acabar “com as rolhas feias que aprisionam nossas almas”. E um jovem policial passa a persegui-lo em uma cruzada para acabar com as mortes aparentemente arbitrárias. Mas ele descobrirá que algo escondido está sendo desencadeado por aquela bizarra figura. “Der Samurai” é também uma oportunidade de compararmos as adaptações dos velhos contos de fadas com as  feitas para o cinema dos super-heróis das HQs, verdadeiros contos de fadas modernos. 

domingo, maio 08, 2016

Curta da Semana: "The Controller" - o recorrente simbolismo de Sophia no cinema


A anime japonesa “Akira” se encontra com o sci-fi norte-americano “Tron”. É o curta “The Controller” (2013) onde uma gigantesca corporação mantém prisioneira uma jovem com grandes poderes psíquicos. Se ela escapar, o mundo poderá virar de cabeça para baixo. Ficções científicas com protagonistas femininas dotadas de poderes psíquicos e que ameaçam poderosos é um tema recorrente no cinema atual. Todos esses filmes parecem se inspirar no arquétipo gnóstico de Sophia – aquela que simboliza simultaneamente o aspecto feminino de Deus e a alma humana. 

Bombas Semióticas, ligações perigosas e as oportunidades perdidas


Com o impeachment da presidenta Dilma aproxima-se o desfecho de uma campanha iniciada ha dez anos com as denúncias do mensalão. Mas em 2013 teve uma virada que acelerou o processo: a nova estratégia semiótica de engenharia de opinião pública com a implementação no Brasil da “guerra virtual” e da “social engineering”. Naquele ano, a grande mídia brasileira levou algum tempo para fazer a ficha cair, acostumada que estava com velhas estratégias hipodérmicas dos tempos do IPES-IBAD nos anos 1960 - surgia no País a "primavera brasileira" com manifestações tomando as ruas. A multipolarização criada pelos BRICS forçou os EUA a implementar estratégias resultantes de uma longa tradição acadêmica de pesquisas sobre engenharia social naquele país: a Mass Communication Research de Lazarsfeld, Agenda Setting de McCombs e Shaw e as pesquisas em “ações não violentas” do cientista político Gene Sharp. Logo a grande mídia brasileira entrou em sintonia com a geopolítica dos EUA ao criar as “bombas semióticas” a partir da matéria-prima das manifestações que começaram por “apenas” 20 centavos.

sexta-feira, maio 06, 2016

O despertar xamânico no filme "O Abraço da Serpente"


Uma jornada antropológica, científica, histórica, mística e espiritual. E conduzida pelo animal de poder da serpente, simbolismo central na cosmologia xamânica. Ela desceu da Via Láctea, criou o mundo e está presente em cada um de nós, adormecida, à espera de algo que a desperte e nos faça deixar de ser instrumentos de morte. Esse é o tema central do filme “O Abraço da Serpente” (2015) que teve por base os diários de dois cientistas cujas expedições na região amazônica contribuíram para a compreensão dos povos indígenas. O diretor colombiano Ciro Guerra consegue tratar o tema do misticismo xamânico de forma a direta e crua numa selva onde o homem branco em busca da borracha extermina povos indígenas, seja pela arma ou pela catequese religiosa. E a última esperança para Karamateke, o último sobrevivente do seu povo, é fazer aqueles cientistas conhecerem um flor sagrada que os faça “abraçar a serpente” (a gnose através da destruição do Ego) e levem essa sabedoria cósmica para a civilização.

domingo, maio 01, 2016

Vídeo de Michel Temer exibe canastrice como força da propaganda


O vice-presidente Michel Temer em vídeo numa igreja onde tece elogios ao presidente da Câmara Eduardo Cunha diante de atentos evangélicos. A performance “videogênica” de Temer é mais um exemplo da força da canastrice na propaganda política – fenômeno ignorado até aqui pela Ciência Política. Em uma atuação exagerada, “overacting”, autoconsciente e fake, Temer parece fazer uma caricatura das caricaturas de personagens como Silvio Santos ou Raul Gil. Tal como a canastrice estudada de Geraldo Alckmin, Temer é mais um personagem político cuja força não vem das estratégias de sedução, persuasão ou da arbitrariedade de golpes militares. Paradoxalmente surge da banalidade de personagens que enfadonhamente imitam outros personagens canastrões com os quais estamos habituados em telenovelas, cinema e programas de auditório. Por que as massas se conformam com essa replicação banal dos simulacros midiáticos?

Curta da Semana: "Wrapped" - Pós-moderno e Hermetismo em outra destruição de Nova York


A destruição de Nova York  já se transformou em um verdadeiro arquétipo contemporâneo depois de pouco menos de um século com filmes onde vemos monstros, terroristas, cometas e marcianos tirando a “Big Apple” do mapa. Por isso, de Hollywood esse tema recorrente espalha-se para o mundo, tornando-se também uma fixação global. Uma evidência é o curta alemão “Wrapped” (2015) realizado por estudantes de cinema de Ludwigsburg usando efeitos em time-lapsed e CGI: um pequeno rato morre em uma rua da cidade, espalhando uma espécie vegetal viral (heras mutantes) que se espalha engolfando prédios, ruas e carros. Mas suas lindas flores guardam uma ameaça. Wrapped combina pós-modernidade com hermetismo gnóstico – de um lado a figura da monstruosidade viral; e do outro a narrativa em loop que sugere o princípio hermético da correspondência: “tal como em cima é abaixo”.

domingo, abril 24, 2016

"Isso Muda O Mundo" e as bikes metalinguísticas do Itaú


“Isso muda o mundo” estava estampado em uma bike patrocinada por um banco que parou ao meu lado em um semáforo. Por que essa necessidade de sobrecodificar (metalinguagem + fático) nossas experiências e escolhas através do Marketing? Uma pedalada deixa de ser uma experiência despretensiosa para tornar-se um gesto autoconsciente que exige comunicação. Alguns pesquisadores apontam para esse fenômeno de comunicação baseado em uma nova religião confessional (cujos novos apóstolos são os profissionais da comunicação) baseada na fé de que a soma de escolhas isoladas resultará em um mundo melhor. Um mundo onde cada pequeno gesto deve ter um significado importante para ser comunicado a “Deus”.

sábado, abril 23, 2016

Curta da Semana: "Action Man: Battlefield Casualties " - o que acontece depois da guerra?


Crianças brincam com armas e games de computadores militares. Toda essa fetichização das armas e poder impede crianças e adultos de pensarem numa coisa: o que acontece depois da guerra, quando o nosso herói volta para casa? O curta retro-trash “Action Man: Battlefield Casualties ” (2015) propõe um novo brinquedo para as crianças. O herói Action Man convivendo com traumas psíquicos, cadeiras de roda, amputações e paralisia – e eventualmente tentando se matar com os acessórios que vem junto com o kit. A série de curtas, como fosse composta de comerciais de TV do estilo anos 80 (quem não se lembra dos bonecos “Falcon” e “Comandos Em Ação”?), é uma ação de veteranos da OTAN contra o alistamento de menores de idade pelas Forças Armadas da Grã-Bretanha, único país da Europa a alistar jovens de 16 anos. “Action Man” é mais uma deliciosa amostra do impagável humor negro inglês.

sexta-feira, abril 22, 2016

Como entender o impeachment com Baudrillard e Deleuze


“Grau Zero da Política” e “Micropolítica”. Esses dois conceitos, respectivamente dos pensadores Jean Baudrillard e Gilles Deleuze, podem nos ajudar a compreender o significado simbólico do atual processo de impeachment contra a presidenta Dilma. Os catorze anos de sucessões de governos petistas teriam criado uma crise simbólica no sistema político: a reversibilidade entre Esquerda e Direita no momento em que governos supostamente de esquerda implementaram  políticas neodesenvolvimentistas que ajudaram a criar condições ótimas de reprodução do capitalismo - inclusão no consumo e precarização do trabalho. A Esquerda estaria tomado para si a agenda conservadora? Então, por que derrubar Dilma? Baudrillard diria que esse é a revelação do “grau zero” por trás dos simulacros da política; e Deleuze diria: “nunca houve governo de esquerda”.

terça-feira, abril 19, 2016

Em Observação: "Zoom" (2015) - a metalinguagem até as últimas consequências



Um filme inspirado nas imagens recursivas e metalinguísticas do artista plástico M.C.Escher. São três histórias interligadas onde o desenrolar de uma determina o destino de outra como fossem narrativas dentro de outras narrativas, produzindo uma circularidade infinita. É o filme “Zoom”, uma co-produção Brasil/Canadá dirigida por Pedro Morelli. Recursividade e metalinguagem são temas do filme gnóstico – são formas linguísticas de desvelar a ilusão e mostrar o multifacetamento da realidade ao serem exploradas até as últimas consequências. Mas também são recursos perigosos onde o filme pode se transformar em mero exercício vazio de estilo. É o que o “Cinegnose” vai conferir.

domingo, abril 17, 2016

Em "Ele Está de Volta" o século XXI recebe Hitler de braços abertos


O que aconteceria se Hitler reaparecesse hoje graças a algum estranho fenômeno temporal que o fizesse escapar da morte em seu bunker em 1945? A resposta que o filme “Ele Está de Volta” (Er Ist Wieder Da, 2015), disponível no Netflix, dá é no mínimo preocupante. Combinando ficção e documentário, o desconhecido ator Oliver Masucci fez uma turnê pela Alemanha – em 300 horas de gravação somente duas pessoas reagiram negativamente. A maioria tirava selfies com Hitler e confessavam sua preocupação com estrangeiros e refugiados que, para eles, estariam destruindo a Alemanha. Borrando a fronteira entre ficção e realidade, Hitler é recebido como um comediante que não consegue sair do papel e vira uma celebridade midiática. Mas embora ninguém pareça estar levando a sério, ele prepara planos para finalmente construir o Terceiro Reich através da melhor invenção que veio depois do cinema: para Hitler, a TV.  

sexta-feira, abril 15, 2016

Impeachment: Sincromisticismo, Efeito Copycat e Parapolítica


Loren Coleman, pesquisador norte-americano em Sincromisticismo e os chamados “efeitos copycat” midiáticos, dá um “alerta vermelho” para o mês de abril. O quarto mês do ano historicamente é marcado por “coincidências significativas”. Homicidas e terroristas parecem querer conferir notoriedade a seus atos ao aproximá-los de datas marcadas por acontecimentos tragicamente históricos, dentro de um efeito de imitação (efeito copycat). Também como evento planejado e roteirizado para produzir rendimento midiático, a votação do impeachment em abril também guarda “coincidências” que acabam se tornando muito significativas. As diversas coincidências no planejamento das datas da votação do impeachment sugerem que poderíamos estar diante de um evento que vai para além da Ciência Política para entrar no campo esotérico da Parapolítica.

terça-feira, abril 12, 2016

Em "A Bruxa" a mente é o combustível do horror


Bruxas e a moralidade de puritanos da América colonial do século XVII narrado com explícitas alusões à família que se autodestrói no filme "O Iluminado" de Kubrick e a referência visual do quadro de Goya "O Sabá das Bruxas". Tudo leva a crer que “A Bruxa” (The Witch, 2015) é mais um filme do gênero terror com sustos, sangue e perseguições. Mas o estreante diretor Robert Eggers sabe que a mente é o  verdadeiro combustível do horror: mantém o espectador no fio da navalha entre a realidade e a ficção: a dúvida se o elemento sobrenatural sugerido no filme é real ou se atmosfera claustrofóbica da moralidade puritana foi capaz de criar bruxas e demônios. O resultado é uma verdadeira psicanálise dos arquétipos do horror e das bruxas que sempre foram “bodes expiatórios” dos horrores que povoam nossas mentes.

domingo, abril 10, 2016

Curta da Semana: "Right Place" e "Break Up Services" - como terceirizar a solidão


Um curta premiado em Cannes que projetou internacionalmente o diretor japonês Kosai Sekine e o seu olhar “neo-futurístico” para as metrópoles do país, presentes nos seus projetos que vão de curtas a vídeos publicitários. “Right Place” (2006) aproxima o transtorno obsessivo compulsivo de um funcionário de uma loja de conveniência com a solidão de Tóquio. Um olhar social que também aparece em um vídeo publicitário para a Adidas, “Break Up Services” (2009), onde uma empresa de serviços terceiriza corações partidos e crises conjugais – o japonês é um povo polido e ocupado demais para confrontar outra pessoa. Então, uma empresa termina o relacionamento para o cliente.

sexta-feira, abril 08, 2016

Grande mídia resgata espécimes do Brasil Profundo


Esqueça os folclóricos tipos urbanos produzidos pela recente onda do neoconservadorismo político e cultural como, por exemplo, os coxinhas, coxinhas 2.0, simples descolados etc. Esses tipos ainda são de um “Brasil Renitente”. Com o baixo astral generalizado posto em prática pela grande mídia, a pesada atmosfera psíquica nacional revela agora novos espécimes, dessa vez de um “Brasil Profundo”: retrofascistas e protofascistas, tipos-ideais mais perigosos e beligerantes: pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, músicos que fizeram sucesso no passado e que foram esquecidos, ex-anônimos que confundem militância profissional com fundamentalismo religioso e oportunistas de toda sorte. Todos, ao mesmo tempo, parecem ter sido resgatados do ostracismo e infernos pessoais graças à incansável atividade da grande mídia em produzir novos personagens que sustentem suas pautas.  

Depois desses tempos de neoconservadorismo político e cultural nos brindar com uma rica fauna urbana composta por coxinhas, coxinhas 2.0, novos tradicionalistas, simples descolados, “rinocerontes” etc. (sobre esses tipos urbanos clique aqui, aqui e aqui), a pesada atmosfera psíquica que baixou no País, decorrente da polarização política e da intensa atividade do contínuo midiático para gerar baixo astral, produziu o habitat perfeito para novos e exóticos espécimes.

Eles vieram do Brasil Profundo! Vamos listar alguns desses exemplares:

Espécime 1 – Nome: Ju Isen. Modelo anônima, famosa por tirar a roupa em uma das manifestações Anti-Dilma na Avenida Paulista em São Paulo, tentou repetir a dose como destaque no desfile da Unidos do Peruche e foi expulsa do Sambódromo. Outras modelos desconhecidas tentaram seguir o exemplo em outro protesto da mesma avenida de São Paulo, seminuas e segurando cartazes anti-PT ostentando enormes óculos de marca. Uma se excedeu ao ficar totalmente nua e foi levada presa pela Polícia Militar.

Espécime 2 – Nome: Junior de França. Ajuda a organizar o acampamento de manifestantes pró-impeachment em frente ao prédio da Fiesp em São Paulo. Às vezes se passa por jornalista, outras vezes por ator, mas na verdade recruta homens e mulheres para participar de feiras. É acusado de estelionato e de tentar fazer sexo com modelos, segundo matérias na TV Record e no Portal R7 – clique aqui.

Espécime 3 – Nome: Douglas Kirchner. Transformado em personagem nacional atuando em parceria com a revista Época no vazamento de denúncias contra Lula, o procurador do Ministério Público Federal Douglas Kirchner tem uma controversa militância religiosa e uma conturbada vida amorosa. Fiel de uma seita denunciada por explorar crianças e adolescentes, foi acusado de agredir fisicamente a esposa e mantê-la em cárcere privado no interior de uma das igrejas da seita. Ministra o seminário “Casamento Gay e Marxismo Cultural” onde ataca a igualdade de sexos e defende que o feminismo é um “ideal agnóstico das esquerdas” – sobre a história desse espécime clique aqui.

Espécime 4 – Nome: Janaina Paschoal. Assustando até os apoiadores do impeachment da presidenta Dilma, numa performance resultante do cruzamento de Death Metal com o desempenho da atriz Linda Blair no filme O Exorcista, a professora de Direito Janaina Paschoal fez um discurso em ato de apoio ao impeachment na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em São Paulo. Transtornada e transfigurada fez alusões ao poder de uma “cobra” que mantém o país no “cativeiro de almas e mentes”. “Acabou a República da Cobra!”, gritava ensandecida em um discurso que lembrava um bispo evangélico fora do controle.


“De onde vem essa gente?”

Como perguntou certa vez o Homem-Aranha, cansado depois de enfrentar o Monstro de Areia e o Venon: “de onde vem toda essa gente?”.

Pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, músicos que fizeram sucesso no passado e que foram esquecidos, ex-anônimos que confundem militância profissional com fundamentalismo religioso e oportunistas de toda sorte.

Todos de repente parecem ter sido resgatados, todos ao mesmo tempo, de seus ostracismos, infernos e limbos pessoais para serem reciclados, ressignificados pela grande mídia e se tornarem a esperança de um futuro melhor – ou uma “ponte para o futuro”, bordão que subliminarmente vem repetindo a todo momento, em alusão ao documento do PMDB divulgado como proposta para um futuro governo pós-impeachment.

Em toda a crise política, talvez a melhor contribuição dada pela grande mídia foi a de trazer à tona esses personagens do Brasil Profundo, pescados nas águas turvas de uma conturbada psicologia de massas.

Uma verdadeira contribuição no campo da Etnografia e da Antropologia Urbana: ressuscitar espécimes que estavam em estado latente, hibernos, apenas esperando a atmosfera ideal para que voltassem a respirar em plenos pulmões. Espécimes redivivos que agora podemos finalmente ter a oportunidade de estuda-los in loco.

Nizan Guanaes: "Preciso de uma Dona Flor"

Brasil Renitente e Brasil Profundo

Por “Brasil Profundo” não estamos nos referindo a uma referência geográfica como um “interior” ou “periferia”. Mas como o ponto mais profundo de um inconsciente coletivo ou “sombra”, no sentido dado pela psicanálise junguiana.

Muito mais profundo do que o imaginário da “Casa Grande e Senzala” de um país ainda marcado pelos signos de distinção de classes (elevador social, uniformes de empregadas domésticas etc.), marcas de uma antiga ordem escravocrata. Onde até mesmo um publicitário como Nizan Guanaes (Publicidade, símbolo de uma suposta modernidade brasileira) é capaz de revelar esses velhos estereótipos em sua coluna na Folha, reclamando sobre o fim das empregadas domésticas: “Preciso de uma Dona Flor, mas que não precisa ter o corpo da Sônia Braga – precisa é cozinhar”, explicou. – Folha, 16/11/2011.

Esse não é ainda o Brasil Profundo, é o Brasil Renitente.

Ego embrutecido

“Quem é duro consigo mesmo, também é com os demais”, dizia o sociólogo Theodor Adorno na sua célebre fórmula do psiquismo do nazi-fascismo. Certamente esta fórmula poderia ser aplicada nesse estudo dos espécimes do Brasil Profundo.

Em comum, todos eles vieram do esquecimento e obscurantismo. São pessoas apegadas aos valores da meritocracia e competição, o que mais torna essa condição de anonimato em profunda frustração de um ideal de ego também atormentado por um profundo ressentimento.

Ju Isen busca a oportunidade que lhe proporcione, pelo menos, a condição de sub-celebridade; Kirchner, o típico concurseiro de editais públicos, espécime que massacra o próprio psiquismo em busca da aprovação – após a vitória, com o ego tão embrutecido e encouraçado, torna-se frio, indiferente em diversos graus, como, por exemplo, no conservadorismo político e de costumes.

Sub-celebridades: perdedoras de si mesmas

Janaina Paschoal, com seu ego igualmente embrutecido em um meio tão competitivo e masculinizado como o campo do Direito; e Júnior de França, oportunista de ocasião no mundo das sub-celebridades que vivem a fama como farsa.

Ressuscitados do seu estado de torpor pela eletricidade das mídias, descobriram que tinham nas mãos uma hiper-tecnologia: redes sociais e dispositivos móveis para poderem amplificar em tempo real seu ódio e ressentimento.

Retrofascismo

Como alertava o sociólogo canadense Arthur Kroker no final do século passado, o futuro seria do “retrofascismo”: uma situação ambivalente de hiper-tecnologia e primitivismo. Kroker dizia que “o fascismo é a revolta dos derrotados”. A vida dirigida pelo ódio de si mesmo (o ressentimento pelo ostracismo e obscurantismo) vingando-se através da destruição do outro - leia KROKER, Arthur. Data Trash, New York: Saint Martin's Press, 1994.

Como nos informa o prefixo “retro”, esses espécimes protofascistas são nostálgicos de um passado de pureza onde supostamente haveria lei e ordem. Nos nazifascistas do trágico passado, a pureza da raça em um Idade do Ouro; nos retrofascistas, a ordem militar que nos mantinha seguros de feministas, gays e comunistas - sobre o conceito de retrofascismo clique aqui.


Brasil Profundo e Neodesenvolvimentismo

Ao contrário do Brasil Renitente, o Brasil Profundo foi parido nessa última década. A inclusão de milhões de brasileiros à sociedade através do consumo (que o economicismo e neodesenvolvimentismo faziam o PT acreditar que por si só geraria consciência política e de cidadania) na verdade produziu um perverso efeito inverso: despolitização por meio da percepção de que qualquer direito seria um oportunista substituto do mérito e do trabalho.

Estado policial e militarismo é a atmosfera ideal para esses espécimes protofascistas – a oportunidade de destruir o outro mandando à favas todas as formas de direitos e garantias sociais. Destruir todos esses preguiçosos corruptos que vivem à sombra do Estado com bolsas famílias e créditos educativos.

A ironia é que esses espécimes são perdedores na corrida meritocrática: concurseiros que se mataram em concursos públicos para conseguirem estabilidade dentro de um Estado tão odiado, pequenos escroques, oportunistas intelectuais e acadêmicos condenados à própria mediocridade, além de roqueiros esquecidos pelo mercado.

Ressuscitados por uma grande mídia ávida por novos personagens que deem sustentação às suas pautas, sentem na nova atmosfera a chance de vingar no outro a dureza com que tratam a si mesmos.

Fora de suas tocas onde se mantiveram hibernos, hoje esperam uma tradução política para, mais uma vez na História, ocuparem o Estado.

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