segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Oscar de melhor filme para "Argo": os EUA elogiam sua principal arma, a ilusão

Premiado com o Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e edição, o filme “Argo” (2012), dirigido e estrelado por Ben Affleck, se integra a uma tendência atual de filmes voltados aos anos 1970 (“Super 8”, “Um Olhar do Paraíso” etc.), dessa vez recriando a trama real do resgate pela CIA de seis diplomatas americanos durante a revolução iraniana de 1979 liderada por Ruhollah Khomeini. O filme parece confirmar uma estratégia de resposta imaginária da indústria do entretenimento a cada crise: se nos anos 80 reagiram com a nostalgia das décadas de 1950, agora diante da crise financeira global temos a nostalgia pelos temas da década de 1970. Tudo isso como espécie de reafirmação patriótica: “Sim! Ainda somos poderosos, mesmo com toda crise financeira real ainda dominamos o mundo imaginário, a nossa maior arma”.

A década de 1970 não foi fácil para a política externa norte-americana: a humilhante retirada do Vietnã, a escalada da crise do petróleo e, para culminar, a crise dos 52 diplomatas norte americanos mantidos como reféns por 444 dias após a embaixada dos EUA no Irã ser invadida por uma massa enfurecida em plena revolução iraniana de 1979.

Paralelo a esses problemas do mundo real, sabemos que, mais do que qualquer outro lugar no mundo, os EUA produziram uma cultura onde o entretenimento invadiu todos os setores da sociedade até o momento em que as pessoas passam a ser felizes por reviverem fragmentos do passado por meio das imagens ao invés de enfrentar a realidade diária.

É notório como a indústria do entretenimento norte-americana responde no plano do imaginário às crises políticas e econômicas vividas pelo país desde os anos 1970: primeiro, retornando a imagerie da década de 1950 como os anos dourados e míticos fundadores da autoconfiança americana – desde à retro-fantasia de Star Wars, filmes como “De Volta para o Futuro”, “Peggy Sue Got Married”, “Grease”, “American Graffity”, “Forrest Gump”, “Pleasantville” etc. À crise de autoconfiança, a indústria do entretenimento sugere uma nostalgia paradoxal: ter saudades de épocas que, afinal, não vivemos.

Em resposta à crise financeira global iniciada em 2008 após a explosão da bolha imobiliária nos EUA, Hollywood empreende uma nova onda nostálgica, dessa vez voltada aos anos 1970-80: filmes como “Super 8” (um mix de “Os Goonies” com “ET”), “Um Olha do Paraíso”, “Black Dynamite”, “The Runways” e todo o pastiche dos anos 1970 de “Kill Bill” de Quantin Tarantino.

sábado, fevereiro 23, 2013

O evangelho do capitalismo tardio no filme "Rede de Intrigas"


Vencedor de quatro Oscars em 1977, “Rede de Intrigas” (Network, 1976) de Sidney Lumet foi interpretado na época apenas como um drama sobre “o primeiro homem a morrer por causa dos baixos índices de audiência”. O filme estava à frente do seu tempo com um tom de sátira cínica e trágica que profetizava uma nova forma de sensacionalismo midiático bem diferente da velha “imprensa marrom”: uma espécie de sensacionalismo ecumênico, o novo evangelho da nova ordem mundial que estava sendo instaurado – a Globalização. Para compreender totalmente o quão profético foi o filme “Network”, somente através do conceito de “capitalismo tardio” tal como desenvolvido pelo economista marxista belga Ernest Mandel em 1972.

- Olá, eu sou Diana Cristensen, uma racista escravizadora do circo do Tio Sam.
- E eu sou Laura Hobbs, uma negra suja e comunista.

O insólito diálogo acima entre a executiva da rede de TV norte-americana UBS com uma líder ativista radical de esquerda ao se conhecerem para fechar o acordo sobre a exibição no horário nobre do programa chamado “A Hora Mao Tsé-Tung” , é um dos cínicos e irônicos momentos do filme “Rede de Intrigas” de Sidney Lumet. Para conseguir audiência a executiva não hesitará em exibir vídeos gravados pelos próprios guerrilheiros do Exército Ecumênico de Libertação assaltando bancos e cometendo atentados.

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

A experiência da bicicleta na música e no cinema


Qual a representação do imaginário da bicicleta na música e no cinema? Para nossa surpresa encontramos uma conexão sincromística entre estas representações que relacionam a bicicleta com um particular estado de consciência (pelo seu singular design que funde homem e máquina) e o gnosticismo do pensador Basilides: o alterado estado mental de "suspensão" que permitiria silenciar o ruído da linguagem para que ouçamos o espírito.

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Em Observação: "The Five People You Meet In Heaven (2004)

Indicado pelo nosso leitor Hudson Bonomo, "The Five People You Meet In Heaven é uma adaptação para a TV do best-seller publicado em 2003, cujo roteiro contou com a participação do próprio autor Mitch Albom. O filme interessou o Blog por prometer "uma nova perspectiva sobre a morte e o sentido da existência", como afirma o autor. Vamos conferir e ficar atentos, principalmente, à representação do céu que o filme faz: desde 1998 com o filme "Amor Além da Vida" precebe-se uma transformação das representações cinematográficas sobre a morte e o céu em relação aos filmes clássicos sobre o tema. Vamos conferir para um futuro artigo



segunda-feira, fevereiro 18, 2013

A religião da América profunda no filme "O Mestre"


Indicado a três Oscar (melhor ator, atriz e ator coadjuvante) “O Mestre” (The Master, 2012), inspirado claramente na trajetória do fundador da Cientologia L. Ron Hubbard, trata sobre a relação entre o carismático líder de uma seita (“A Causa”) e um seguidor decadente, violento e alcoólatra. Mas sentimos o tempo inteiro que alguma coisa de mais interessante foi deixada de fora, algo que o diretor Paul Thomas Anderson apenas sugere sem aprofundar: o ressentimento de uma América profunda que produz seitas na mesma velocidade que surgem atiradores matando pessoas nas universidades americanas.

Conta-se que Freud, ao avistar o porto de Nova York e a Estátua da Liberdade em 1908 na sua única visita aos EUA, teria supostamente comentado a Carl Jung ao seu lado: “Eles não sabem que trazemos a peste”. Freud acreditava que retiraria os norte-americanos do conforto das tradições ao fazê-los reconhecer nelas a origem das doenças do psiquismo.

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

A Semiótica das fotografias corporativas


As chamadas fotografias corporativas acabaram se tornando um subgênero fotográfico, onipresentes em banco de imagens, templates de blogs e sites, slides de apresentações de qualquer natureza e, claro, no endomarketing de empresas. Fotos onde são mostradas pessoas em situações positivas, motivadas, otimistas e de boa fé. De “tecnologia de poder” que busca criar a autoimagem e justificativa de instituições totais como empresas, hoje esse estilo de composição fotográfica invade outros campos como educação, saúde, internet e publicidade. São tidas como fotos “inspiradoras” e “motivacionais” em apresentações e treinamentos de Recursos Humanos. Porém, não resistem a uma análise semiótica, capaz de explicitar toda a carga de mitologia, estereótipo e retórica a partir da qual são estruturadas.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Origens míticas e mágicas do Belo e da Arte


Limpando o sótão de casa e tentando dar uma ordem nas pilhas de livros e papéis, para minha surpresa acabei encontrando os originais de um texto datilografado que foi a base de uma palestra dada por mim na Associação Santista de Dança lá pelos meados da década de 1980. Lembro-me que o tema proposto era “O Belo e a Arte” e fazia parte de uma semana cultural promovida pela Associação. É um texto de juventude, bem radical, raivoso e adorniano – fiquei pensando: “pobres daqueles que ouviram essa palestra...”. Ironias à parte, o texto procurava tratar sobre o destino da noção de Belo em uma sociedade de consumo que a explora como “álibi” para dar um rótulo “nobre” ao objeto artístico mercantilizado. O argumento é que com a sua mercantilização, esvazia-se a dimensão utópica e crítica da noção de Belo desde suas origens míticas e mágicas. As referências do texto são basicamente Theodor Adorno e Max Horkheimer do livro “A Dialética do Esclarecimento” e do italiano Massimo Canevacci e sua visão de uma antropologia marxista do livro “Antropologia do Cinema”. Confira abaixo e vejam o que vocês acham...

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Em Observação: filmes esperados para esse ano


Dois filmes estão sendo muito aguardados por esse blog: “Escape from Tomorrow” e “The Designer”. O primeiro foi apresentado em janeiro no Sundance Festival e o segundo está ainda em fase de finalização e edição. O primeiro foi considerado um filme perturbador para muitos críticos (filmado sem autorização na Disney World poderá enfrentar problemas com o departamento jurídico da empresa no momento da sua distribuição) sobre uma narrativa paranoica e psicótica em meio a Mickey Mouses e Buzz Lightyears do parque temático; e o segundo um filme que aprofunda o lado sombrio da evolução simbiótica entre vídeo games e seus usuários. "Escape from Tomorrow" dependerá de distribuidoras que tenham coragem para encarar os advogados da Disney e "The Designer" com certeza chegará aos cinemas. Vamos torcer!

Cine PorTATIL: "Django Livre" e "À Procura de Eric"



Nossa colaboradora Tati Rossano assistiu a mais dois filmes e enviou seu comentário: o último filme de Tarantino e indicado ao Oscar “Django Livre” (Django Unchained) e “À Procura de Eric” (Looking For Eric, 2009), um filme sobre a relação de um jogador do Manchester United, Eric Cantona, e seu fã. Uma história de drama, amizade e futebol.
Tati do Cine PorTATIL

Em Observação: "O Mestre" (2012)


Indicado aos Oscars de melhor ator e atriz/ator coadjuvantes "O Mestre" está "Em Observação" pelo Blog pelo fato de a crítica especializada observar que o filme não só faz uma alusão à Cientologia (seita popular entre atores de Hollywood) mas por fazer um mergulho nas origens de como a cultura popular americana foi construída por um estranho mix entre a chamada "religião americana" (Mormismo, sulismo Batista, Pentencostalismo e autodivinização) com seitas e literatura de autoajuda. Junta-se a tudo isso a crença no "pensamento positivo" como um místico encontro do homem com o divino. 

sábado, fevereiro 09, 2013

O mito da segunda chance no filme "Perdido Entre Dois Mundos"


Uma comédia leve e despretensiosa. Não fosse o filme francês “Perdido entre Dois Mundos” (Les Deux Mondes, 2007) estar inserido em uma recente recorrência de filmes que desenvolvem o tema da “segunda chance”, passaria despercebido. Mas não é o caso.  A cinematografia recente vem intensificando a exploração do tema em que se narra a possibilidade de o protagonista ter uma segunda chance (seja através do  deslocamento no tempo ou migrando para mundos alternativos) para se redimir de erros do passado ou do presente. Nesses filmes a fuga para outras dimensões não é mera fantasia escapista para atender aos sonhos dos espectadores. Pretendem ser “inspiradores e motivacionais” para convidar os espectadores à necessidade de transformações íntimas, segundo produtores e diretores. Essa tendência cinematográfica realmente seria “inspiradora” ou apenas refletiria um mal estar psíquico numa cultura influenciada por modelos de sucesso e bem estar da literatura de autoajuda e motivacional?

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Bem Vindos ao Cine PorTATIL com "Amour" e "Les Misérables"

O blog inicia hoje uma nova sessão: Cine PorTATIL com a nossa colaboradora Tati Rossano (entenderam o trocadilho?). Ela é publicitária, designer gráfica e especializada em redes sociais. Além disso, é uma apaixonada por cinema. Por isso Tati pretende falar sobre Cinema do ponto de vista do espectador, um olhar mais imediato da recepção do filme, sem pretensões de análises rigorosas e técnicas. 
Tati do Cine PorTATIL
Em outras palavras, escrever sob o calor do instante; aquele momento em que o filme termina, as luzes acendem e nos perguntamos: “gostei ou não gostei?”. Por isso "Cine PorTATIL" será uma coluna com drops informativos que darão dicas rápidas sobre filmes para quem gosta de cinema e não necessariamente entende dele.



quarta-feira, fevereiro 06, 2013

O fator humano diante do fim do mundo no filme "Last Night"


(À esquerda - "The Old Man's Boat and the Old Man's Dog",
Eric Fischl, 1982).
Habitualmente nos filmes-catástrofes hollywoodianos temos muita ação, destruição e explosões que acabam desviando a atenção do espectador do sintoma cultural que representa a recorrência do tema fim do mundo no cinema. Ao contrário, no canadense “Last Night” (1998) a narrativa disseca uma variável que nenhum filme-catástrofe desenvolve: o fator humano. No filme não há ônibus espaciais, generais estressados ou cientistas heroicos. Apenas pessoas comuns que tentam realizar seus últimos desejos antes do fim. E esses desejos transformam-se em termômetro do mal estar cultural que estava por trás da histeria midiática do “novo milênio” no final do século XX.

domingo, fevereiro 03, 2013

Mitologia e religião no Oscar 2013 em uma sociedade cética


O nosso leitor Giordano Cimadon da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba indicou o artigo de S. Brent Plate (professor de Estudos Religiosos da Hamilton College – EUA) “Religion at Academy Awards” sobre a intensa presença de temas, símbolos e alegorias religiosas nos filmes que estão disputando o Oscar desse ano. Para Plate, a indústria do entretenimento parece ultrapassar as instituições religiosas como a principal criadora de mitos e rituais em uma sociedade que, paradoxalmente, cresce o espírito de ceticismo e aversão às religiões organizadas. Filmes como “As Aventuras de Pi”, "Django Livre”, “Indomável Sonhadora” e “The Master” exploram antigas simbologias míticas como as da água, enchentes e caos, e bíblicas onde compaixão, vingança e justiça divina se entrelaçam de forma inextrincável.

sábado, fevereiro 02, 2013

Blog continua em manutenção!




Após uma primeira derrota por goleada para códigos HTML, CSS etc. esse humilde blogueiro ainda pouco familiarizado com esses códigos inventados por um maligno computador demiúrgico conseguiu finalmente tornar razoavelmente funcional a nossa nova plataforma do blog. Ainda estamos arduamente trabalhando nas alterações. Por isso nos desculpamos pelas possíveis mudanças repentinas, disfunções e páginas que eventualmente possam ficar "fora do ar".

quinta-feira, janeiro 31, 2013

NOSSO BLOG VAI FICAR EM MANUTENÇÃO!

A partir das 7h desse sábado (02/02) o blog "Cinema Secreto: Cinegnose" ficará em manutenção. Esse humilde blogueiro tentará domar os esotéricos códigos Html, CSS etc., para colocar o blog em uma nova plataforma, mais atraente e interativa. A expectativa é que até às 12h do sábado o blog já esteja de cara nova e funcionando direitinho. A necessidade de uma nova plataforma decorre do novo projeto editorial que criará sessões fixas (ou "retrancas" como falam os jornalistas) para o conteúdo do blog abordar tanto os tradicionais artigos de natureza opinativa, análise científica e de pesquisa quanto textos com notícias, dicas e "drops" informativos.

terça-feira, janeiro 29, 2013

Em Observação: "Last Night" (1998)




Nosso leitor Joari Carvalho nos oferece mais uma indicação para a sessão “Em Observação”: o filme “Last Night” (1998). Só pelo fato de ser um filme canadense que trata de um tema tão “blockbuster” e hollywoodiano já desperta o interesse pelo potencial de oferecer ao espectador uma visão alternativa para o tema: o fator humano. Não há pirotécnicas, efeitos especiais, Armagedon ou ônibus espaciais enfrentando asteroides. Apenas pessoas comuns sem passado e futuro tentando realizar os últimos desejos a seis foras do fim do planeta. “Last Night” entra na mira do “Cinema Secreto: Cinegnose” por tratar desse tema tão recorrente na cinematografia que podemos considerá-lo um sintoma coletivo de algum mal estar psíquico: por que essa presunção da catástrofe em relação ao futuro? Por que o futuro é encarado como uma contagem regressiva? Por que o futuro é sempre pensado como subtração e não como adição, acumulação ou construção? O que torna ainda o filme mais interessante é que à época do seu lançamento uma série de sinistras profecias cercava o final de milênio, entre ela o chamado “bug do milênio”, uma espécie de bomba relógio informática que prometia levar o mundo ao caos na virada para o século XXI.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Cinema e agenda tecnocientífica em "Mulher na Lua"

“Mulher na Lua” (Frau im Mond, 1929), último filme mudo de Fritz Lang (“Metrópolis, 1927), foi o primeiro esforço no cinema em abordar o tema da viagem espacial de forma séria e cientificamente crível. E também o primeiro exemplo de convergência entre a agenda tecnocientífica e o cinema: Hermann Oberth, presidente da Sociedade Alemã para a Viagem Espacial, não só deu consultoria científica como construiu um protótipo de foguete para as filmagens. Acreditava que Lang daria publicidade e dinheiro à causa da viagem espacial, uma verdadeira mania popular na década de 1920 na Alemanha. Mas, secretamente, as estórias sobre “perigosas vacas lunares” e “naves misteriosas entre os anéis de Saturno” das HQs e pulp fictions da época prepararam o imaginário das vanguardas artísticas para a irracionalidade e destruição dos mísseis V2 de Hitler.

sábado, janeiro 26, 2013

"A Noite dos Desesperados" em um mundo sem coração

Em épocas de reality shows como “Big Brother Brasil” é oportuno assistir ao filme “A Noite dos Desesperados” (They Shoot Horses, Don’t they?, 1969) baseado em um livro que tornou-se um dos prediletos dos filósofos e escritores existencialistas franceses por aprofundar as motivações humanas diante da dor e sofrimento. A cena descrita pelo filme (o início da indústria de entretenimento na época da Grande Depressão americana dos anos ’30) possibilita uma rica comparação com o gênero reality show atual: se no passado o espetáculo sado-masoquista ainda tinha o componente trágico da ritualização de um destino comum a todos (dor e sofrimento em um mundo sem coração), agora é mais perverso: os espetáculos de “sacrifício de cavalos” são promovidos como lições morais em um mundo aparentemente livre e democrático que ofereceria chance a todos tornarem-se celebridades.

Por três refeições por dia, a promessa de um prêmio de 1.500,00 dólares e algumas moedas jogadas pela plateia, dezenas de casais desesperados em plena Grande Depressão dos anos 1930 nos EUA decidem participar de um concurso de danças em um velho salão em Chicago. Na verdade será uma desumana maratona de seis dias até que o último casal sobreviva após passar por dores físicas, desconforto, humilhações e indignidades, monitorados por médicos e enfermeiras cujo papel básico é o de manter os participantes de pé à todo custo para manter a adrenalina do show.

Seu mestre de cerimônias e empresário chamado Rocky (Gig Young, premiado com um Oscar de ator coadjuvante), filho de um charlatão que fazia shows de simulação de curas em parques de diversão, usará as lições aprendidas para manipular emocionalmente os participantes: “isso não é um concurso, é show. As pessoas não estão nem aí para o vencedor. Querem ver um pouco de sofrimento para que se sintam melhor!”, dispara cinicamente Rocky a certa altura do filme.

A narrativa é repleta de pequenos dramas pessoais amplificados pela depressão econômica e desemprego: uma mulher grávida e seu marido que veem no grande prêmio a esperança de dar uma vida digna ao futuro filho; uma fútil atriz que vive a esperança de que na plateia esteja um caçador de talentos de Hollywood; um orgulhoso marinheiro veterano da I Guerra Mundial que tenta provar que ainda é capaz; uma mulher sobrevivente das ruas chamada Gloria Beatty (Jane Fonda) vê seu parceiro desistir por motivos de saúde na última hora.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

A esperança pós-apocalíptica no filme "A Estrada"

A Estrada (The Road, 2009) é um filme do gênero pós-apocalipse que você nunca viu, baseado no livro de Cornac Mcarthy e premiado em 2007 com o prêmio Pulitzer. Ao contrário de filmes com a mesma temática como “O Livro de Eli” (The Book of Eli, 2010), a esperança dos protagonistas não está em livros sagrados ou em Deus. A fé perdida deve ser buscada no "fogo do coração": em um mundo arrasado por um evento apocalíptico só resta a busca em si mesmo e na lembrança daquilo que foi perdido que não está nesse mundo, mas em algum lugar idílico no "Sul" para onde os protagonistas tentarão chegar percorrendo uma estrada de provações.

O mundo como conhecemos foi destruído por algum evento apocalíptico indeterminado. O resultado é a morte progressiva do planeta: com exceção dos seres humanos, animais e o reino vegetal estão morrendo em meio a terremotos e a uma insistente chuva que cai num mundo cada vez mais cinzento e gelado. Sem alimentos, grupos se organizam em gangs em busca de combustível e de outros seres humanos para serem canibalizados. Aqueles que não recorreram ao suicídio lutam para não serem capturados por essas gangs e sobreviver sem comer seus semelhantes.

Um homem (Viggo Mortensen) tem apenas seu filho (Kodi Smit-McPhee) para a companhia nesta terra árida. A mãe (Charlize Theron) se matou, e a única esperança de sobreviver ao inverno eterno é atravessar o país em direção do litoral e rumar para o sul. Ao longo de seu caminho deverão enfrentar a constante ameaça das gangues canibais e os perigos de um planeta que está morrendo.

Esse plot parece ser familiar: mais um filme pós-apocalíptico na linha de “Mad Max” ou do recente “O Livro de Eli” (aliás, como os norte-americanos gostam de destruir o próprio país nos filmes!). Porém, sua narrativa glacial e precisa, com uma constante atmosfera de horror pelos recorrentes sinais de canibalismo generalizado  torna “A Estrada” um filme pós-apocalíptico como jamais vimos.

terça-feira, janeiro 22, 2013

Em Observação: "A Noite dos Desesperados" (1969) e "Perdido Entre Dois Mundos" (2007)

No momento em que estamos em mais uma edição do reality show "Big Brother Brasil" na TV Globo é sempre oportuno rever o filme "A Noite dos Desesperados" como um contraponto crítico que mostra o início em que a indústria do entretenimento explorará "in natura" os dramas pessoais de desespero e dor. Mas será que a visão crítica do filme ainda se aplica ao atual mercado de celebridades em que virou os "reality Show"?O blog "Cinema Secreto: Cinegnose" vai conferir. E também na sessão "Em Observação" a comédia francesa "Perdido em Dois Mundos". Leve e despretensiosa, mas que parece que pode render mais com temas potenciais como universos paralelos e mundos espelhados e/ou invertidos, tema recorrente na cinematografia atual.

domingo, janeiro 20, 2013

A mitologia da Queda é renovada em "Upside Down"

Ao mesclar ficção científica com romance, “Upside Down” (uma co-produção Canadá/França dirigida pelo argentino Juan Diego Solanas) dá nova roupagem aos mitos da Queda, tão antigos quanto a humanidade: relatos míticos que tentam relacionar a dor e sofrimento à queda da humanidade de um estado de pureza e inocência. Em um engenhoso roteiro, Solanas constrói uma versão literal da Queda ao criar um universo onde a Lei da Gravidade ao mesmo tempo une e separa dois planetas que não possuem céu ou horizontes, mas apenas a versão invertida da sua própria sociedade: o opulento mundo “de cima” que sempre faz lembrar a pobreza do mundo “de baixo”. Mas um amor proibido desafiará a gigantesca corporação que mantém essa ordem através da exploração da energia e dos meios de comunicação.

Os mitos da Queda são tão antigos quanto a história humana.  Das tradições das religiões abraâmicas (que se referem a um estado de transição humana da inocência e obediência a Deus para um estado de culpa e pecado) às heresias gnósticas (a Queda como uma catástrofe de dimensão cósmica da qual o homem tenta se libertar), são relatos que tentam explicar a origem de tanta dor e sofrimento humanos que teria iniciado em algum momento posterior a Criação.

A esse mito associa-se o de uma “Era Dourada” derivada da mitologia grega e de diversas lendas que via o início da humanidade como um estado ideal quando o gênero humano era puro e imortal. Isso criou o arquétipo do “mito das origens” presente em obras como a do filósofo francês Rosseau que vai, por exemplo, influenciar teorias psicopedagógicas: a infância como um momento de feliz  espontaneidade e pureza que será perdida na entrada da fase adulta.

Pois o filme “Upside Down”, uma coprodução Canadá/França dirigido pelo argentino Juan Diego Solanas, vai não só se inspirar nessas fontes míticas como também vai dar uma nova roupagem, dessa vez literal a essa “Queda” – associá-la às leis gravitacionais através de um engenhoso roteiro que parte das seguintes premissas:

quarta-feira, janeiro 16, 2013

Marxista anteviu a "matrix" na crise da física



Morto aos 30 anos na Guerra Civil Espanhola em 1937, o pensador e poeta marxista Christopher Caudwell produziu uma instigante análise sobre a crise na física na década de 1930 (a rejeição de Einstein e de outros físicos ao Princípio da Incerteza de Heisenberg) sob o ponto de vista do materialismo dialético. Caudwell em sua obra “A Crise na Física” anteviu o que denominou como “tela de fenômenos” criada pela “metafísica da física”, uma filosofia inconsciente que aprisionaria a Física em uma verdadeira “Matrix” de categorias mentais que aprisionariam a realidade dentro do restrito modelo do determinismo e do mecanicismo cujas origens estão nos fundamentos do modo de produção capitalista.

A carreira de teórico da cultura do marxista inglês Christopher Caudwell foi realmente muito breve. Dois anos depois de iniciar uma série sistemática de análises marxistas sobre diversas áreas morreu lutando na Guerra Civil Espanhola no primeiro dia da batalha de Jarama em 1937 quando tinha tão somente 30 anos. Mas foi o suficiente para produzir um respeitável livro sobre física do ponto de vista do materialismo dialético marxista chamado “A Crise na Física” e quatro outros trabalhos sobre crítica cultural – “Ilusion and Reality”, “Romance and Realism” e ensaios no campo na História, Psicologia e Religião agrupados em um único livro intitulado “Estudos Sobre Uma Cultura Agonizante”. No Brasil esses trabalhos foram reunidos em uma coletânea em 1968 sob o título “O Conceito de Liberdade” publicada pela editora Zahar.

Certamente o trabalho mais instigante foi “A Crise na Física” pelo seu poder de síntese e uma ousada aplicação do método dialético marxista em um campo aparentemente distante da economia política: a Física. Caudwell de dispôs a analisar os fundamentos de uma crise que saia do campo restrito dos físicos e chegava à opinião pública – as descobertas dos jovens físicos como Heisenberg, Schrödinger e Eddington combatidas por Einstein e Planck, isto é, a descoberta de que os princípios de determinismo e a causalidade estavam sendo expulsos da física e que a “velha guarda” ainda procuravam manter a “metafísica da física” representada pelos princípios newtonianos.

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