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sábado, maio 12, 2018

Esquerda ri de si mesma na derrota da guerra semiótica


O sucesso na Internet da camiseta vermelha da seleção brasileira, para torcedores de esquerda torcerem na Copa sem serem confundidos com “paneleiros do pato amarelo”, e do “Museu da Direita Histérica” no Facebook são dois sintomas de um mal-estar da esquerda: a derrota por WO no campo da comunicação. Quando ri dos vídeos impagáveis da “direita raivosa” ou se diverte com a camiseta alternativa da seleção, no fundo ri de si mesma – enquanto a esquerda brada as armas dos símbolos (o vermelho, cartas para Lula e bandeira do MST e CUT etc.), a direita dispara a bomba semiótica da iconificação – a apropriação dos símbolos para se converterem em ícones facilmente massificados ou viralizados. Símbolos são iniciáticos, sectários, exclusivos. Enquanto os ícones valem mais do que mil símbolos. Desde a iconificação do símbolo da suástica pelos nazistas.

Diante do fracasso dos movimentos proletários, a ascensão do nazi-fascismo e consolidação do capitalismo através da indústria cultural, o pensador alemão Theodor Adorno (expoente máximo da chamada Escola de Frankfurt) disse certa vez: “agora não se trata mais de estabelecer planos para o futuro, mas relembrar as oportunidades perdidas no passado”.

Como Nietzsche, Adorno temia que, sem uma arqueologia das oportunidades perdidas, a História se repetiria como um eterno retorno – as mesmas conjunturas de crise, as mesmas revoluções traídas, as mesmas contrarrevoluções, como uma espécie de neurose social que sempre teima em revisitar a cena do trauma. Porém, sem superação, cura ou simbolização.

Assim como no Brasil: um dia toda essa nova geração que hoje faz seu salto de fé no ideário do mérito-empreendedorismo e todo o seu corolário (startups, aceleradoras, iniciativa pessoal, inovação, ideias etc.) introjetará tanta culpa pelo próprio fracasso em meio ao darwinismo social (mas, desta vez, sem as mínimas garantias sociais de outrora) que se transformará em ressentimento, combustível para as futuras guerras híbridas e novos golpes políticos.

Deveria ser uma prioridade da esquerda entender como, após 14 anos no poder, um governo trabalhista foi tão facilmente apeado do poder através de uma bem planejada “primavera” que prometia purificar o País de todas as mazelas da corrupção e do bolivarianismo.

Mesmo que ganhe as eleições nesse ano (se tiver!), eventualmente um novo presidente progressista enfrentará outro terceiro turno – novamente o complexo judicial-meganha-midiático ateará fogo ao combustível do ódio, ressentimento e intolerância. E, mais uma vez entraremos num loop, no eterno retorno de uma neurose social.
O Incrível Exército Brancaleone: será que o jogo jurídico é mais importante do que a comunicação?

O exército Brancaleone e eleições


Porém, a esquerda continua apostando suas fichas nas instituições, acreditando que poderá “corrigir” tudo unicamente com a força do voto, das alianças e do “povo”.

E também continua rindo dos “bolsominios” e da direita histérica como fossem apenas curiosos espécimes antropológicos ou etnográficos. Seres que voltarão para as trevas, assim que o remédio democrático fizer a profilaxia e tudo retornar ao eixo.

O problema é que enquanto a esquerda aguarda ansiosa as eleições e o exército brancaleone de advogados tenta juridicamente libertar Lula, a direita ganha de goleada a guerra simbólica da comunicação. A esquerda sabe disso e sente o golpe, embora tente racionalizar tudo num processo patológico de negação e autoengano – por exemplo, reduzindo a direita a “histéricos” e “hidrófobos”. Mas estão ganhando por WO a guerra semiótica.

O mal-estar da Camiseta vermelha e do Museu da Direita


Dois episódios recentes demonstram esse mal-estar esquerdista pela sua displicência com o tema da comunicação.

O primeira episódio foi o lançamento nas redes sociais de uma camiseta da seleção brasileira “de esquerda”. Criada pela designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso, é uma camiseta vermelha, com o escudo da CBF e o símbolo comunista da foice e martelo. A camiseta alternativa seria uma solução para esquerdistas torcerem para a seleção na Copa: como poderão torcer pela seleção na Copa da Rússia com a camiseta amarela que acabou se tornando emblemática nas manifestações dos “coxinhas” nas ruas?

E o outro episódio é a página do Facebook “Museu da Direita Histérica”, com mais de 15 mil seguidores. O propósito é “guardar para a posteridade os maiores micos dos representantes da extrema-direita na história recente do País”. Lá tem de tudo: da dança do impeachment ao non sense da maçã da Luana Piovani para comemorar a prisão de Lula.


Claro que a camiseta alternativa da seleção brasileira foi um sucesso com milhares de pedidos de encomenda. Para a artista plástica, a camiseta seria para torcer pela seleção “sem ser confundido com o pato amarelo paneleiro”.

Esses dois simples episódios parecem demonstrar que quando a esquerda tenta ridicularizar o rival político, na verdade está rindo de si mesma. Um riso amarelo e nervoso – afinal os “paneleiros do pato amarelo” ganharam a guerra da comunicação. E aqueles histéricos de camiseta amarela que gritam na foto de capa da página do Museu da Direita fizeram parte de uma estratégia profissional de Guerra Híbrida, para a qual, até agora, a esquerda olha bestificada.

A bomba semiótica da iconificação


Olha atônita e sem reação para a estratégia semiótica profissional chamada de iconificação, estratégia criada pela propaganda nazista e que até hoje é a marca da iconificação da indústria pop e da táticas de guerra semiótica em tempos de conflagração política.

O que é a operação semiótica de iconificação? Tudo começou lá na década de 1920 com a construção do logo da suástica nazi: pega-se um símbolo místico budista tibetano e “iconifica”: invertida e colocada na forma sinistrogira (giro anti-horário, ao contrário da normal, dextrogira), num design elegante preto em um fundo branco, tornou-se um ícone.


Ícones têm a propriedade de serem facilmente massificados, ao contrário dos símbolos. Símbolos são sectários e exclusivos – dependem do domínio de um código para ser decifrado pelo iniciado.

Enquanto os ícones não exigem códigos e são compreendidos em si mesmos:  “uma imagem vale mais do que mil palavras”, diz a máxima confuciana. Não importa em qual cultura ou religião encontremos uma suástica. Sempre faremos a associação sinistra com o nazismo, deixando de lado o símbolo: afinal, só compreendido para iniciados a uma religião ou cultura.

Na cultura pop temos a clássica iconificação do mito simbólico de Che Guevara: de símbolo exclusivo da esquerda, foi iconificado a partir da fotografia clássica de Alberto Korda. Transformado em ícone pop, abandonou o simbolismo ideológico guerrilheiro para se converter numa imagem motivacional de alguém que lutou pelos próprios ideais – estampada desde capas de estepes em caras SUVs importadas chegando a ser encontrada em adesivos nos baús de motoqueiros – sobre a “semiótica de Che Guevara” clique aqui.

A tática de guerra semiótica da direita não poderia deixar de lado essa perfeita bomba semiótica da iconificação. Se apropriaram de dois símbolos: a bandeira nacional (o verde simbolizando nossas matas, o amarelos as riquezas etc.) e a camiseta da seleção brasileira (o simbolismo da “pátria de chuteiras”) para se transformarem em ícones perfeitos: adereços em manifestações para exposição repetitiva nas ruas e TV. Até se transformarem em ícones perfeitos: os símbolos foram esquecidos (o nacionalismo) para se converterem em ícones de “paneleiros” e “coxinhas”.


A urgência do ícone


Enquanto isso, no campo da comunicação a esquerda se arrasta com a exposição de simbolismos de luta e resistência: da cor vermelha de forte carga ideológica às “cartas para Lula” (com mensagens de “solidariedade e resistência”) e as centenas de pessoas que gritam “bom dia, Lula” diante dos cárceres da PF em Curitiba.

Símbolos são mensagens oblíquas, enviesadas, sectárias. Enquanto ícones são assertivos, afirmativos, urgentes.


As poucas iniciativas de iconificação na rarefeita estratégia de comunicação esquerdista tendem para o grotesco, como “teratopolítica” (transformar o oponente no morfologicamente disforme, monstro ou simulacro humano): por exemplo, figurar o desinterino Temer como um vampiro. Ícone que explora o medo, enquanto os ícones “parasitários” (por apropriação) tendem para a positividade e asserção.

Bonecos infláveis do justiceiro Sérgio Moro figurado como um super-herói ou Lula como um presidiário (o “pixuleco”) são exemplos bem sucedidos desses ícones parasitários. Assim como as camisetas de “Che Madruga” parasitando o herói comunista.

O riso nervoso da esquerda ao ver os vídeos impagáveis do Museu da Direita Histérica ou o clique apressado para conseguir fazer uma encomenda da “camiseta da seleção esquerdista” pela Internet são sintomas da acachapante vitória da direita no campo semiótico da sociedade.

Enquanto a esquerda agita bandeiras e balões simbólicos do PT, MST e CUT em manifestações, a direita parasita iconicamente os símbolos nacionais. Por isso a esquerda sempre perde a batalha desigual contra a bomba semiótica da iconificação.

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